Opinião

Será o acesso ao ensino superior verdadeiramente democrático e equitativo?

Teresa Damásio, administradora do Grupo Ensinus

Continuamos a favorecer classes economicamente privilegiadas? É esta a premissa que me leva a escrever o artigo deste mês. É importante olharmos para os critérios de seleção de acesso ao ensino superior. Estes fatores têm implicações a diferentes níveis: pessoais, institucionais e nacionais.

Devemos entender o verdadeiro significado social deste tema, pois ter formação superior é muito mais do que tirar um curso, colocá-lo sobre esta perspetiva é sermos redutores. Ser licenciado tem uma conotação de dignidade individual, que se reflete na Declaração Universal dos Direitos Humanos. Segundo o artigo 26.º, “o acesso aos estudos superiores deve estar aberto a todos em plena igualdade, em função do seu mérito”.

Quanto maior for a taxa de participação e acesso ao ensino superior, maior será a competitividade do país em contexto internacional.

Existem três regras que são cruciais no sistema de acesso: o princípio da transparência, com a divulgação dos resultados atempadamente; a equidade, garantindo as mesmas condições de oportunidades aos candidatos e a eficácia, que promova a meritocracia.

Um pouco por todo o mundo podemos perceber que existem vários modelos que valorizam mais uns critérios em detrimento de outros: (1) Os modelos que valorizam mais os Exames de Admissão, como acontece na China, na Coreia do Sul e na Grécia; (2) Quando existe uma ponderação sobre vários critérios que vão além dos exames de admissão, como na África do Sul, Estados Unidos, Inglaterra, Japão, Espanha, entre outros e; (3) O foco em condições de acesso alternativas que são definidas pelos próprios países e pelas Instituições de Ensino Superior que têm em conta uma série de parâmetros que vão muito além dos conhecimentos técnicos, como acontece na Austrália, Canadá e no México.

Os testes que apenas tentam aferir conhecimentos meramente académicos são cada vez mais criticados por contribuírem para perpetuar o acesso do ensino superior a estudantes e famílias com um poder económico superior, não sendo verdadeiramente democráticos. As famílias com um poder económico e cultural superior podem proporcionar aos seus filhos no ensino escolar um ambiente educacional de maior qualidade em termos curriculares e extracurriculares, ou seja, ambientes mais estimulantes para o seu desenvolvimento intelectual, não garantido assim o mesmo grau de equidade nas condições de acesso.

Em Portugal para participar no Concurso Nacional de Acesso é necessário ter conta dois fatores: a nota do exame nacional e a nota interna dos três anos do ensino secundário, cabendo a cada instituição de ensino superior definir a importância a atribuir a estes dois elementos, dentro de um conjunto de regras pré-estabelecidas. É obrigatório ter pelo menos 95 pontos em 200 para os discentes poderem candidatar-se ao ensino superior.

A questão principal que se coloca é: qual será melhor fórmula para que os lugares ocupados nas Universidades sejam para alunos predispostos ao sucesso académico e garantindo o mesmo grau de igualdade no seu acesso? Não existe uma fórmula para o sucesso, mas considero, cada vez mais, face às novas dinâmicas sociais e económicas que é importante que os alunos no acesso ao ensino superior sejam avaliados tendo em conta diferentes critérios e não apenas as suas notas internas e a dos exames nacionais. As hard e soft skills são hoje cada vez mais importantes e as empresas procuram talentos diversificados. As Universidades têm de ter um modelo que coexista entre a flexibilidade e a exigência. Se é um desafio? É! Mas é necessário mudar. E ao mudarmos as regras estamos também a democratizar o acesso ao ensino superior. Estamos a permitir que cada vez mais jovens possam estudar e, consequentemente, estamos a contribuir para criação de Capital Humano tornando Portugal um país mais competitivo e indo ao encontro das normas provenientes da União Europeia.

Segundo a OCDE (Education at a Glance: OECD: Indicators, 2024), Portugal (50%) e a Turquia (61%) são os países em que os filhos, com pais que detenham maior nível económico e cultural têm maior probabilidade de acederem ao ensino superior, comprometendo a mobilidade social. Temos de mudar!

Mas o que nos espera no futuro? Quais os desafios que o Acesso ao Ensino Superior enfrenta? Devemos adotar a combinação entre a componente de avaliação contínua e as provas nacionais, mas com ponderações que se revelem mais adequadas e equitativas. Cada Instituição de Ensino Superior deve ter autonomia para escolher os seus critérios de admissão, devendo ter em conta sempre uma forma justa de encontrar os candidatos certos e os mais diversificados possíveis. Além da nota do ensino secundário devem considerar-se outros critérios que podem variar em função do curso. Determinadas áreas científicas podem exigir competências pessoais cruciais para a sua exequibilidade. Esta questão passaria por testes de aferição de conhecimentos específicos em determinadas áreas. Por exemplo, no caso do Reino Unido e nos Países Nórdicos cada instituição tem autonomia para organizar os seus procedimentos de seleção de candidatos que passam, geralmente, por um reconhecimento de aprendizagens que são de ordem mais técnica e outros menos técnicos.

Temos ainda um longo caminho a percorrer e dogmas por romper. O principal objetivo? Fazer com que o ensino superior cumpra o seu verdadeiro papel: promover o desenvolvimento social e económico. Ser um elevador social que promova a democracia, a liberdade, a igualdade, a justiça social e o desenvolvimento sustentável.

Bibliografia:
. Carmo, D. (2024, setembro, 27). O número de alunos inscritos no superior atingiu um novo máximo, mas a subida desacelerou. Público.
. Justino, J. (Ed.), Miguéns, M (Coord)., Ferreira, M (Org.). (2015, abril, 07). Acesso ao Ensino Superior: Desafios para o Século XXI. Conselho Nacional de Educação. Auditório da Universidade de Évora – Colégio do Espírito Santo.
.Organization for Economic Cooperation and Development. (2024). Education at Glance 2024.

Comentários
Teresa Damásio

Teresa Damásio

Teresa Damásio é Administradora do Grupo Ensinus desde julho de 2016, que faz parte do Grupo Lusófona, o maior grupo de ensino de língua portuguesa no mundo. É também Administradora do Real Colégio de Portugal e do Grupo ISLA. Presidente do Conselho de Administração da Universidade Lusófona da Guiné-Bissau e Membro do Conselho de Administração do ISUPE Ekuikui II, em Angola. Presentemente, integra a Direcção da AEEP. Foi fundadora da Internacionalização do Grupo Lusófona, passou pela Assembleia da República como... Ler Mais..

Artigos Relacionados