Opinião
Satisfação não é recomendação e insatisfação não é reclamação
Existe extensa literatura sobre a relevância da voz do cliente nas organizações, sobretudo no setor dos serviços. É inquestionável que a escuta ativa dos clientes traz informação importante para o desenvolvimento de novos produtos, a redução de reclamações, a melhoria de processos, e que esta informação bem utilizada se traduz em clientes mais fiéis e em melhores resultados financeiros.
Também é do conhecimento geral que o custo de aquisição de um novo cliente é cinco vezes superior ao custo de retenção de um já existente. Mas na verdade, só ouve o cliente quem quer e mesmo assim isso não significa que essa informação seja utilizada da forma correta.
Nos últimos cinco anos tenho desenvolvido projetos de gestão de satisfação de clientes no setor da saúde e gostava de partilhar três dos aspetos mais relevantes que tenho aprendido porque acredito que podem ajudar outras organizações que estejam neste processo e despertar as que ainda não dedicaram tempo a este tema.
1. A satisfação é uma perceção
A satisfação de um cliente é originada pela diferença entre os resultados e benefícios percebidos após o consumo/utilização de um determinado produto ou serviço, e a expetativa criada anteriormente ao consumo/utilização daquele. A expetativa criada depende de vários fatores como o valor pago, o direito ao acesso/utilização, a reputação da entidade prestadora. A satisfação é negativa quando as expetativas eram superiores ao resultado obtido e positiva quando o resultado ultrapassa as expetativas.
Assim, perante um mesmo resultado, a satisfação de dois clientes pode não ser a mesma porque tinham expetativas prévias diferentes. Significa que o resultado que a empresa está a disponibilizar pode ser correto, e até admissível, mas o cliente não o entender assim. Não pretendo com esta inferência dizer que não se deve ouvir o cliente, pelo contrário, ele deve ser o centro das nossas operações, o que é relevante ter em consideração é que estamos a medir perceções que estão baseadas em expetativas que podem ser mais ou menos realistas. As empresas devem criar expetativas corretas e isso só se consegue garantindo que podem entregar o que prometem. Neste setor as expetativas estão ainda influenciadas, em muitos casos, pelo fator emocional pois está em causa o nosso bem mais precioso: a saúde.
Independentemente de se tratar de perceções, a satisfação é mensurável, está baseada em motivos concretos (a consulta atrasou-se, a sala de espera estava muito suja, o médico não me deu a atenção adequada, a enfermeira magoou-me ao tirar sangue, etc.) que é importantíssimo identificar, pois são os que nos dão as pistas para melhorar a perceção e consequentemente a satisfação.
2. Satisfação não é recomendação e insatisfação não é reclamação
Em Portugal a grande maioria dos clientes insatisfeitos não reclama. É uma questão cultural. Há vários motivos que são apresentados para este facto (dá trabalho, não serve para nada, é uma burocracia, etc.). Assim, o número de clientes insatisfeitos, é muito superior ao número de clientes que reclamam. Contudo, estes clientes, apesar de não reclamarem, recomendam negativamente a empresa, tendo o “passa palavra” negativo um impacto para a empresa muito superior ao de uma reclamação.
Assim, a minha recomendação passa por dar muito mais atenção ao cliente insatisfeito, reconhecendo o seu posicionamento e colocando o foco em entender os motivos que o levam a comportar-se como um detrator e em dar-lhe uma resposta honesta e personalizada. Já vi em muitos casos a perceção do cliente mudar só pelo facto de ser ouvido, mesmo que o resultado da altura já não se possa alterar.
Da mesma forma, um cliente satisfeito nem sempre recomenda um serviço. Só os clientes que chamamos na giria NPS (Net Promoter Score) promotores é que o fazem. São os clientes que avaliam o serviço com 10 ou 9 numa escala de 0 a 10. Ou seja, existe um grande potencial de melhoria no grupo de clientes que estão satisfeitos, mas que não nos recomendam, e que são os que nos avaliam entre 7 e 8. A descoberta dos motivos que podem fazer com que este grupo de clientes nos recomende é extraordinária. Já tenho visto que pequenas mudanças de horário de consultas, casas de banho mais limpas, um “customer journey” mais simples, ou a inclusão de novas especialidades em determinados centros/hospitais que podem fazer essa diferença. Esta faixa de clientes denominados “passivos” é em geral descurada nos planos de ação.
3. O índice de satisfação em si não é relevante
Sim, temos que medir, sem dúvida. Se não o fizermos não sabemos qual é o nosso ponto de partida e não podemos definir onde queremos chegar. Podemos tentar melhorar às cegas, mas custa mais dinheiro e demora mais, porque não colocaremos o foco nos motivos de satisfação que realmente são mais importantes, mas realmente o que é mais determinante é a evolução do índice de satisfação. A avaliação longitudinal da satisfação do cliente permite evidenciar a sua sustentabilidade ao longo do tempo, a sua sazonalidade, caso exista, e a influência de fatores externos e internos que a podem modificar. Por isso devemos medir em continuo e em tempo real.
Por isso quando me dizem que um determinado hospital tem um NPS de 30 e outro de 52, pergunto quanto tinham o semestre passado e o ano anterior no período homólogo. Todas as métricas têm um contexto e uma história associada que é essencial conhecer e entender. Sem isso, só temos um número, que por si próprio, não tem grande valor.