Opinião
Restart: uma nova normalidade
Efetivamente, haverá que determinar um equilíbrio, não numa balança de dois pratos, mas numa “balança de três pratos”, envolvendo a parte sanitária, a parte da atividade económica e a parte de coesão social.
A situação resultante da atual pandemia evolui de uma forma que ainda não é possível prever, com alguma certeza, o desfecho nas suas várias vertentes; epidemiológica, económica, social e ambiental. Tal como prometi no último artigo (Reset), hoje estaremos mais voltados para a parte económica.
O surgimento da pandemia provocou não apenas uma crise sanitária, mas também outros tipos de crises, nomeadamente a crise económica e a psico-social. A crise sanitária é, sem sombra de dúvidas, grave, porque provoca a perda de vida humana. As vítimas diretas mais atingidas pela crise sanitária são, de uma forma geral, as pessoas com mais problemas de saúde, com o sistema imunitário mais fraco e pessoas com certa idade, pelo que haverá, felizmente, pessoas que não serão atingidos pela crise sanitária, desde que cumpram as regras das autoridades.
Contudo, não podemos descurar os efeitos que a crise económica resultante tem sobre todos, a tal ponto de poder provocar uma crise ou caos social. Os efeitos da crise económica, social e psicológica, são também devastadores para a sociedade pois, muito mais pessoas serão atingidas, tendo a OIT, por exemplo, estimado o aumento de desemprego em mais 365 milhões de pessoas (inicialmente estimou 25, depois 195 milhões).
Assim, temos, na verdade três crises interrelacionadas e que se retroalimentam, infelizmente, pelo que devem ser tratadas simultaneamente e de uma forma concertada ao nível internacional, na medida em que é também uma crise mundial, ou não seria uma pandemia.
É pelo facto de envolver três crises, pelo menos, que deve emergir uma nova disciplina que chamo de uma solução sócio-epidemio-nómica, versando aspetos sociais, epidemiológicos e económicos.
A resposta epidemiológica tem funcionado muito bem, a ponto de achatar a tão falada curva e, em muitos países, o R0 (taxa de novas infeções por cada doente) está abaixo de 1.
Sendo assim, é chamada agora a vertente económica no sentido de contribuir para o regresso ao novo normal. Será fundamental achar um ponto de equilíbrio entre os três conjuntos de medidas adotadas, nomeadamente o confinamento e o regresso à nova normalidade, adotando novas medidas sanitárias amplamente divulgadas. Pesquisadores epidemiologistas do Harvard[1] definem o chamado confinamento intermitente, porque será a forma de obter imunidade de grupo, pois segundo especialistas, o vírus não irá desaparecer e nem haverá vacina no curto prazo. Efetivamente, haverá que determinar um equilíbrio, não numa balança de dois pratos, mas numa “balança de três pratos”, envolvendo a parte sanitária, a parte da atividade económica e a parte de coesão social.
Medida sanitária – numa primeira fase, e muito bem, foi determinado o confinamento o que permitiu controlar a pandemia, mas também determinou o fecho da maior parte das atividades económicas e sociais. Outras medidas também positivas foram tomadas, pelo que não vamos alongar neste aspeto.
Medidas de retoma da atividade económica – tal como os especialistas do Harvard defendem, há a necessidade de alterar o confinamento, para permitir o retorno à atividade económica e permitir alguma produção, pois para que o sistema sanitário funcione, precisa de energia, água, consumíveis, combustíveis, alimentação, transportes, comunicações, máquinas e equipamentos hospitalares, medicamentos, máscaras, batas, viseiras, tratamento de resíduos, higiene e limpeza industriais, etc., ou seja, alguém tem de estar no back office produzindo, distribuindo e comercializando esses bens e serviços de suporte ao sistema de saúde e da sociedade, pois não paramos de consumir (nem que seja através da solidariedade) ou de viver. Se pensarmos em tudo o que é necessário para produzir e distribuir cada um desses bens e serviços, vemos que há necessidade da economia funcionar. Vários países já têm o seu roadmap.
Medidas de coesão social e saúde mental – além de permitir alguma abertura das atividades económicas, os Governos têm adotado medidas para evitar o caos e manter a coesão social, mitigando os efeitos da perda de recursos de muitas famílias. O fecho da economia determinou o desemprego de muita gente, e grande parte acabou por ficar privado de rendimentos da noite para dia. Sem recursos e sem emprego, as pessoas correm o risco de entrar em desespero e serem empurradas a fazerem escolhas erradas e até irracionais. Baseado em outras pandemias, é de se prever o aumento de distúrbios mentais e psicológicos e mesmo de suicídio[2][3]. Os Governos devem, através de esquemas de proteção continuar a garantir o rendimento básico para as famílias.
Solução equilibrada – Sendo assim, há uma efetiva necessidade de uma solução equilibrada envolvendo estas três vertentes, a sanitária (salva vidas diretamente), a atividade económica e a social (que também salvam vidas).
Assim, tal como se determina o R0 para ver a parte epidemiológica, há que determinar um ponto mínimo a partir do qual a deterioração das condições sócio-económicas traria mais danos às pessoas (sem emprego, sem rendimentos, com problemas psicológicos e com outras doenças) e ao próprio sistema de saúde (sem consumíveis, sem equipamentos, sem manutenção). Encontrar esse ponto de equilíbrio não é nada fácil, tudo é novo, seria uma tentativa a erro, um navegar à vista e muito perto da costa. No que toca à coesão social, poder-se-ia determinar um limite (um índice composto semelhante ao índice de desenvolvimento humano, envolvendo o desemprego, as desigualdades, a desnutrição, os níveis de violência doméstica e urbana, outros patologias e mortes emergentes da situação), a partir da qual não seria recomendável ultrapassar sob pena de criar problemas no futuro.
Assim, o equilíbrio entre essas três vertentes (sanitária, económica, sociopsicológica) determinaria os períodos de confinamento e os de retorno à atividade no novo normal, sabendo de antemão que o antigo normal já não existirá, muito provavelmente.
[1] -Kissler, Stephen, Christine Tedijanto, Marc Lipsitch, and Yonatan Grad. Social distancing strategies for curbing the COVID-19 epidemic (March 2020).
[2] www.thelancet.com/psychiatry Published online April 21, 2020 https://doi.org/10.1016/S2215-0366(20)30171-1
[3] https://expresso.pt/coronavirus/2020-04-29-Linha-de-apoio-emocional-e-prevencao-do-suicidio-Estamos-a-receber-o-dobro-das-chamadas-que-recebiamos?utm_content=Eis%20os%20prazos%20da%20reabertura%20do%20país&utm_medium=newsletter&utm_campaign=b56e1a71e5&utm_source=expresso-edd