Opinião

Restart: uma nova normalidade

Carlos Rocha, administrador do Banco de Cabo Verde

Efetivamente, haverá que determinar um equilíbrio, não numa balança de dois pratos, mas numa “balança de três pratos”, envolvendo a parte sanitária, a parte da atividade económica e a parte de coesão social.

A situação resultante da atual pandemia evolui de uma forma que ainda não é possível prever, com alguma certeza, o desfecho nas suas várias vertentes; epidemiológica, económica, social e ambiental. Tal como prometi no último artigo (Reset), hoje estaremos mais voltados para a parte económica.

O surgimento da pandemia provocou não apenas uma crise sanitária, mas também outros tipos de crises, nomeadamente a crise económica e a psico-social. A crise sanitária é, sem sombra de dúvidas, grave, porque provoca a perda de vida humana. As vítimas diretas mais atingidas pela crise sanitária são, de uma forma geral, as pessoas com mais problemas de saúde, com o sistema imunitário mais fraco e pessoas com certa idade, pelo que haverá, felizmente, pessoas que não serão atingidos pela crise sanitária, desde que cumpram as regras das autoridades.

Contudo, não podemos descurar os efeitos que a crise económica resultante tem sobre todos, a tal ponto de poder provocar uma crise ou caos social. Os efeitos da crise económica, social e psicológica, são também devastadores para a sociedade pois, muito mais pessoas serão atingidas, tendo a OIT, por exemplo, estimado o aumento de desemprego em mais 365 milhões de pessoas (inicialmente estimou 25, depois 195 milhões).

Assim, temos, na verdade três crises interrelacionadas e que se retroalimentam, infelizmente, pelo que devem ser tratadas simultaneamente e de uma forma concertada ao nível internacional, na medida em que é também uma crise mundial, ou não seria uma pandemia.

É pelo facto de envolver três crises, pelo menos, que deve emergir uma nova disciplina que chamo de uma solução sócio-epidemio-nómica, versando aspetos sociais, epidemiológicos e económicos.

A resposta epidemiológica tem funcionado muito bem, a ponto de achatar a tão falada curva e, em muitos países, o R0 (taxa de novas infeções por cada doente) está abaixo de 1.

Sendo assim, é chamada agora a vertente económica no sentido de contribuir para o regresso ao novo normal. Será fundamental achar um ponto de equilíbrio entre os três conjuntos de medidas adotadas, nomeadamente o confinamento e o regresso à nova normalidade, adotando novas medidas sanitárias amplamente divulgadas. Pesquisadores epidemiologistas do Harvard[1] definem o chamado confinamento intermitente, porque será a forma de obter imunidade de grupo, pois segundo especialistas, o vírus não irá desaparecer e nem haverá vacina no curto prazo. Efetivamente, haverá que determinar um equilíbrio, não numa balança de dois pratos, mas numa “balança de três pratos”, envolvendo a parte sanitária, a parte da atividade económica e a parte de coesão social.

Medida sanitária – numa primeira fase, e muito bem, foi determinado o confinamento o que permitiu controlar a pandemia, mas também determinou o fecho da maior parte das atividades económicas e sociais. Outras medidas também positivas foram tomadas, pelo que não vamos alongar neste aspeto.

Medidas de retoma da atividade económica – tal como os especialistas do Harvard defendem, há a necessidade de alterar o confinamento, para permitir o retorno à atividade económica e permitir alguma produção, pois para que o sistema sanitário funcione, precisa de energia, água, consumíveis, combustíveis, alimentação, transportes, comunicações, máquinas e equipamentos hospitalares, medicamentos, máscaras, batas, viseiras, tratamento de resíduos, higiene e limpeza industriais, etc., ou seja, alguém tem de estar no back office produzindo, distribuindo e comercializando esses bens e serviços de suporte ao sistema de saúde e da sociedade, pois não paramos de consumir (nem que seja através da solidariedade) ou de viver. Se pensarmos em tudo o que é necessário para produzir e distribuir cada um desses bens e serviços, vemos que há necessidade da economia funcionar. Vários países já têm o seu roadmap.

Medidas de coesão social e saúde mental – além de permitir alguma abertura das atividades económicas, os Governos têm adotado medidas para evitar o caos e manter a coesão social, mitigando os efeitos da perda de recursos de muitas famílias. O fecho da economia determinou o desemprego de muita gente, e grande parte acabou por ficar privado de rendimentos da noite para dia. Sem recursos e sem emprego, as pessoas correm o risco de entrar em desespero e serem empurradas a fazerem escolhas erradas e até irracionais. Baseado em outras pandemias, é de se prever o aumento de distúrbios mentais e psicológicos e mesmo de suicídio[2][3]. Os Governos devem, através de esquemas de proteção continuar a garantir o rendimento básico para as famílias.

Solução equilibrada – Sendo assim, há uma efetiva necessidade de uma solução equilibrada envolvendo estas três vertentes, a sanitária (salva vidas diretamente), a atividade económica e a social (que também salvam vidas).

Assim, tal como se determina o R0 para ver a parte epidemiológica, há que determinar um ponto mínimo a partir do qual a deterioração das condições sócio-económicas traria mais danos às pessoas (sem emprego, sem rendimentos, com problemas psicológicos e com outras doenças) e ao próprio sistema de saúde (sem consumíveis, sem equipamentos, sem manutenção). Encontrar esse ponto de equilíbrio não é nada fácil, tudo é novo, seria uma tentativa a erro, um navegar à vista e muito perto da costa. No que toca à coesão social, poder-se-ia determinar um limite (um índice composto semelhante ao índice de desenvolvimento humano, envolvendo o desemprego, as desigualdades, a desnutrição, os níveis de violência doméstica e urbana, outros patologias e mortes emergentes da situação), a partir da qual não seria recomendável ultrapassar sob pena de criar problemas no futuro.

Assim, o equilíbrio entre essas três vertentes (sanitária, económica, sociopsicológica) determinaria os períodos de confinamento e os de retorno à atividade no novo normal, sabendo de antemão que o antigo normal já não existirá, muito provavelmente.

 

[1] -Kissler, Stephen, Christine Tedijanto, Marc Lipsitch, and Yonatan Grad. Social distancing strategies for curbing the COVID-19 epidemic (March 2020).
[2] www.thelancet.com/psychiatry Published online April 21, 2020 https://doi.org/10.1016/S2215-0366(20)30171-1

[3] https://expresso.pt/coronavirus/2020-04-29-Linha-de-apoio-emocional-e-prevencao-do-suicidio-Estamos-a-receber-o-dobro-das-chamadas-que-recebiamos?utm_content=Eis%20os%20prazos%20da%20reabertura%20do%20país&utm_medium=newsletter&utm_campaign=b56e1a71e5&utm_source=expresso-edd

 

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Carlos Rocha

Carlos Rocha

Carlos Rocha é economista e atualmente é vogal do Conselho de Finanças Públicas de Cabo Verde e ex-presidente do Fundo de Garantia de Depósitos de Cabo Verde. Foi administrador do Banco de Cabo Verde, onde desempenhou anteriormente diversos cargos de liderança. Entre outras funções, foi administrador executivo da CI - Agência de Promoção de Investimento. Doutorado em Economia Monetária e Estabilização macroeconómica e política monetária em Cabo Verde, pelo Instituto Superior de Economia e Gestão – Lisboa, é mestre em... Ler Mais..

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