Opinião
Que futuro para o imobiliário em Portugal?

Neste momento de grandes incertezas quanto ao futuro, sendo certo que a única garantia que temos passa pela antecipação da possivelmente grave crise económica e social no nosso país – e não só, claro está -, será talvez relevante pensar um pouco nas consequências que a atual conjuntura mundial terá no mercado imobiliário nacional, seja na vertente do absorção interna dos ativos existentes, seja também no futuro que poderá ter o investimento estrangeiro no nosso país neste tipo de bens.
Penso que não restam quaisquer dúvidas que o mercado imobiliário em Portugal tem sido nos últimos anos um dos bastiões de resistência às diversas crises que vamos atravessando pós-2008, sendo de realçar a sagacidade na criação de incentivos ao investimento estrangeiro como forma de garantir um fluxo constante de entrada de capitais no mercado nacional, oriundos das mais diferentes geografias e motivados pelas mais díspares razões.
A criação do célebre e criticado programa dos “golden visa” trouxe inequivocamente uma nova vida ao nosso desgastado mercado imobiliário, tornando Portugal num destino atrativo para o investimento estrangeiro, seja a nível da promoção imobiliária ou mesmo da compra direta de ativos para residência permanente ou temporária, garantindo assim também uma certa vivacidade neste setor a nível do emprego e tornando o mesmo num dos pilares da nossa tantas vezes frágil economia.
Não desprezando os méritos referidos, e ainda sem considerar os problemas que se avizinham, também é verdade que nos últimos tempos já se notavam vários alertas quanto ao que poderiam vir a ser os tempos difíceis adiante. Por um lado, a crescente falta de mão-de-obra que conduziu a uma certa estagnação de vários empreendimentos, o que aliado aos tradicionalmente morosos processos de licenciamento camarário levaram a um decréscimo da oferta disponível no mercado. Por outro lado, a falta de “produto” e o aumento da procura externa que determinaram uma crescente deslocalização das famílias para fora dos principais centros urbanos, já um tanto ou quanto “reservados” para clientes com outro tipo de capacidade, nomeadamente estrangeiros.
Se é certo que o setor da promoção imobiliária em Portugal foi dos que talvez melhor tenha subsistido durante a temível pandemia da Covid-19, é evidente também que tal subsistência já apresentava as “rachas” sistémicas que se apontam acima, tornando previsível que cada vez mais se verificasse um crescimento dos mercados suburbanos, isto num país onde historicamente o sentimento de posse leva à compra e não tanto à opção de arrendamento no mercado residencial, algo muito oposto ao que se verifica por exemplo nas geografias mais a norte na Europa.
É neste contexto já em si delicado, não necessariamente negativo, mas precário, que os efeitos da invasão da Ucrânia se fazem sentir. A inflação e o aumento das taxas de juro não auguram tempos nada fáceis à sociedade em geral, e a tal não escapará o mercado imobiliário, seja residencial ou comercial. Numa primeira fase o aumento dos juros poderá ter como consequência direta um crescendo de incumprimentos, despejos, execução de hipotecas, etc., colocando na banca vários ativos. Sendo que uma das opções de “recuo” para lidar com este problema poderá passar pelo aumento do mercado de arrendamento, também aí a capacidade de pagar as cada vez mais elevadas rendas não é garantida, com consequências diretas quer para as famílias arrendatárias quer para os senhorios que desses rendimentos dependem.
Esta é sem dúvida uma “bola de neve” muito preocupante, que poderá ditar uma forte recessão no mercado imobiliário no nosso país, e onde até ver as medidas de apoio são insuficientes. É facto sabido que é em tempo de crise que se deve investir a nível público, criando riqueza, gerando oportunidades e garantindo o regular funcionamento da economia, pelo menos dentro do possível face ao contexto mundial. É também assim com essa expetativa que o mercado da promoção imobiliária e os investidores internacionais aguardam para ver o que os decisores políticos irão fazer nos próximos tempos, sendo certo que Portugal não pode ter soluções que ora visem apenas o investimento estrangeiro nem tampouco que fechem o mercado sobre si mesmo. No meio estará a virtude, haja quem a consiga encontrar.