Entrevista/ “Portugal é um país impecável, mas ainda não é o mais fácil para fazer negócios”

Sebastião Queiroz e Mello, fundador e CEO da Lisbon Tech Guide

Ajudar start-ups a instalarem-se em Portugal e a formar equipas, agilizando os processos logísticos e burocráticos associados, é o core business da Lisbon Tech Guide, empresa que teve como primeiro cliente em Portugal a Oto Systems. Sebastião Queiroz e Mello, fundador e CEO, explica ao Link To Leaders como começou e em que consiste o projeto.

A Lisbon Tech Guide (LxTG) é uma entidade de gestão e apoio operacional à transferência de tecnológicas para Portugal. Trata-se de uma spin-off da The Code Venture, com sede na Suíça e Lisboa, uma empresa que desde 2016 cria equipas tecnológicas em nearshore para desenvolver projetos de inovação e MVP’s para PME’s.

Foi o contacto com players internacionais levaram o jovem Sebastião Queiroz e Mello, 26 anos, a perceber uma lacuna no mercado: uma empresa que ajudasse a descomplicar a atividade de deslocalizar empresas internacionais para Portugal e, desta forma, contribuir também para o tecido empresarial e económico e, ainda, combater o desemprego e emigração no país. E assim fundou a Lisbon Tech Guide que começou a sua atividade com um cliente de peso, a Oto Systems, a spin-off da empresa que desenvolveu a SIRI (vendida à Apple em 2009), que se está a instalar em Lisboa.

Como é que projeto Lisbon Tech Guide deu os primeiros passos?
Em 2015, quando tive a primeira oportunidade de trabalho numa start-up suíça achei que fazia sentido uma estrutura que ajudasse as start-ups a montarem a sua estrutura num país que fosse mais eficiente, que lhes permitisse com o mesmo dinheiro fazer mais coisas e entregar mais valor aos possíveis investidores.
Questionei-me porque é uma start-up suíça que recebe muito dinheiro logo na primeira ronda, quer começar a montar a equipa toda na Suíça, onde o dinheiro se calhar só lhe dá para seis meses. Faz muito mais sentido pegarem em parte desse budget e começarem uma equipa num local que seja mais eficiente, neste caso, em Portugal, e que lhes permita com o mesmo dinheiro, conseguir ter mais tempo, para fazerem mais coisas.

Em 2016 sai dessa start-up e comecei  a The Code Venture, que é a minha empresa principal, digamos assim, e desde o primeiro momento que a nossa visão foi desenvolver os MVP para as start-ups validarem as suas ideias de negócio. Começamos a falar sobre o projeto Lisbon Tech Guide em 2017, mas agora em 2019 decidimos efetivamente lançá-lo e começar a comunicar. E desde aí que temos estado a trabalhar muito com start-ups suíças e com entidades governamentais suíças fazendo projetos de inovação.

E porquê a Suíça?
Passa um pouco por aquilo que sempre quis fazer quando pensei em ir trabalhar para fora. Acho que a Suíça é muito parecida connosco em algumas coisas, em termos de dimensão, do mindset que existe. O suíço e o português alinham-se muito bem porque o português é um executer muito bom  e os suíços são pessoas muito pragmáticas e o pragmatismo juntamente com a execução é certamente uma coisa que contribui para o sucesso. Desde que comecei a trabalhar sempre tentei estar junto deste mercado porque acho que há um mar de oportunidades gigante. No fundo, a ligação à Suíça desenvolveu-se mais pela minha ambição pessoal de querer trabalhar com o mercado suíço do que propriamente por ter uma ligação com o mercado.

“(…) o Web Summit tem estado a ser uma iniciativa muito interessante para nós enquanto país ao promover não só as start-ups que vêm de fora, mas também a promover Portugal como um tech hub (…)”

Então a The Code Venture que é a casa mãe da Lisbon Tech Guide… Como surgiu a ramificação para este projeto?
O que acabou por acontecer foi que o Web Summit  tem estado a ser uma iniciativa muito interessante para nós enquanto país ao promover não só as start-ups que vêm de fora, mas também a promover Portugal como um tech hub, a ser o tech hub da Europa.

As start-ups que querem ter algum futuro querem-se afastar da Inglaterra, por causa do Brexit, Berlim, teoricamente, já passou de moda, Barcelona está super crowded… e Lisboa apareceu como uma alternativa interessante. E o facto de ter vindo este afluxo gigante de pessoas para Portugal, e do turismo também ajudar a vender Lisboa e, trabalhando nós numa área tão procurada como é a de tech, achamos que seria interessante começar a olhar para o negócio de outra forma. E pensámos: já vendemos o talento nacional, sabemos que muitas das start-ups ou empresas com que trabalhamos preferem ter as suas próprias equipas do que terem uma empresa de outsosurcing. Assim, como estamos muito próximos da área das start-ups, ajudamos desde a ideiação até à parte do mercado.

A The Code Venture e a Lisbon Tech Guide andam lado a lado porque vamos acompanhando as etapas todas das empresas desde a ideia, ao desenvolvimento, ao mercado… mas a Lisbon Tech Guide aparece para as ajudar a montar o que será a equipa. As empresas complementam-se.

Em termos práticos em que consiste exatamente aquilo que vocês fazem?
Utilizando outra vez o exemplo de uma start-up suíça (até porque somos membros da Câmara de Comércio e Indústria Suíça em Portugal), que queira vir para Portugal, a Lisbon Tech Guide acaba por aparecer como um partner para simplificar o processo. Ou seja, as pessoas vêm ter connosco, dizem o que querem  fazer, quais são os objetvos e em vez de terem de andar a lidar inúmeros intervenientes, como um contabilista, um advogado…  nós tomamos conta do processo todo enquanto eles só têm de se focar no negócio e fazer a empresa crescer. Nós estamos desde a parte de recrutamento, à criação da empresa, ajudamos na gestão, temos os nossos advogados, a equipa de contabilidade. São profissionais com quem trabalhamos há muito tempo, e que temos a perfeita confiança de que são pessoas que podem ajudar e trazer valor para estas start-ups. Em suma, a agimos enquanto parceiro local com um plano de ação integrado que facilita a transferência de negócios para Portugal (serviços financeiros, legais e recrutamento) de modo a que qualquer empresa consiga montar o seu hub tecnológico no país.

Nós somos um one-stop shop para uma empresa que se queira instalar em Lisboa de forma rápida e eficiente.

Então a Lisbon Tech Guide  acaba por fornecer um serviço chave na mão é isso ?
Exatamente. Tudo aquilo que é preciso para uma empresa se instalar. Nós somos um one-stop shop para uma empresa que se queira instalar em Lisboa de forma rápida e eficiente.

Para além do mercado suíço quais são os vossos horizontes em termos de alargamento de mercado?Neste momento temos três clientes. Um deles público que é a Oto Systems, os outros são uma start-up inglesa e outra alemã com quem já estamos a trabalhar. Mas há mais coisas a caminho.

Então já há alguma abrangência territorial…
Sim. Nesta primeira fase, diria que esta é a nossa aposta. Até porque temos de ter em consideração as times zones. Queremos ganhar mais estrutura, primeiro na Europa e só depois pensar noutros mercados.

Quantas pessoas têm na equipa?
Na parte da Lisbon Tech Guide, neste momento, somos duas pessoas. Se bem que temos algumas pessoas da The Code Venture a trabalhar connosco. Estamos a desenvolver algumas soluções tecnológicas que vamos lançar em breve, para ajudar as empresas tanto na parte de recrutamento como na parte de organização e estruturas, que estão a ser desenvolvidas pela equipa da The Code Venture.

“Daí também estarmos a tentar trabalhar com um nível de start-ups, muito, muito bom para conseguir reter o talento em Portugal”.

Até onde vão as suas suas ambições para este projeto?
Até ao final do ano gostava de conseguir criar 10 postos de trabalho com estas start-ups. Acho que vai ser possível. Mas no próximo ano gostava de já te conseguido trazer para cá mais umas 5 a 10 start-ups, refletindo-se isso entre 50 a 100 pessoas, mais ou menos. Esse é o meu grande objetivo para o próximo ano. Acho que era muito interessante. No final do dia, também sinto algum dever nacional. Gosto de Portugal e o meu objetivo final é promover Portugal como a opção a considerar sempre. Daí também estar muito ligado às Câmaras de Comércio para conseguir puxar um bocadinho esse lado.

Até porque o que acaba por acontecer é que ainda há algum estigma na Europa em relação a Portugal, e, principalmente, em relação a empresas de outsourcing, que nos coloca no mesmo pé de uma Ucrânia, de uma Polónia ou uma Roménia e, na verdade, não somos nada disso. Somos muito mais do que isso. Não discuto se eles têm pessoas boas, se são melhores ou piores. Acho que pessoas boas há em todo o lado, mas efetivamente o que me dá gosto é promover o que de melhor se faz cá, arranjar pessoas que procuram oportunidades que só encontram lá fora. E vemos muito bons profissionais a sair de Portugal e não é só por uma questão financeira, é por uma questão de potencial de crescimento e de carreira.

E no final do dia o objetivo da Lisbon Tech Guide é também trazer estas empresas para cá para que consigamos manter cá essas pessoas, muito boas e competentes, e dar-lhes cá oportunidades que eventualmente só encontrariam lá fora, em Londres, Zurique, Nova Iorque…. Daí também estarmos a tentar trabalhar com um nível de start-ups, muito, muito bom para conseguir reter o talento em Portugal.

Estão focados em alguma área em particular?
Não, porque uma empresa que perceba como montar uma estrutura, uma equipa sólida e competente, é um pouco irrelevante se é para a área de fintech, agrotech ou healthtech. Têm é de ser pessoas que percebam de pessoas e do que é preciso para, ao final do dia, entregar e executar o plano que é proposto.

“Precisamos das pessoas e queremos dar oportunidade às pessoas e ajudá-las a crescer”.

O que espera que a Lisbon Tech Guide venha a fazer pelo ecossistema empresarial em Portugal?
Não queremos ser só uma empresa de recrutamento. Precisamos das pessoas e queremos dar oportunidade às pessoas e ajudá-las a crescer. Contudo, aquilo que acho que é muito importante e que falta às empresas que querem vir para cá, é efetivamente o apoio na gestão da equipa e da empresa cá. O que acaba por acontecer é que é preciso ter muita atenção ao detalhe e muitas vezes falham coisas.

Nós somos a equipa que vem trazer essa sensibilidade para cima da mesa, para ajudar a que o projeto funcione e seja um sucesso. Portugal é um país impecável, temos muita coisa boa, mas ainda não é o país mais fácil para se fazer negócios. E é preciso ter cuidado.

Onde vão buscar as pessoas? Há uma relação próxima com as universidades, com o mundo empresarial..
Neste momento estamos a ir diretamente ao mercado. Curiosamente organizei a primeira conferência de empreendedorismo e tecnologia quando estava no Instituto Superior Técnico, e por esse facto temos uma relação muito próxima com eles. Assim, para cargos mais juniores ou estágios estamos muito próximos deles, mas como as contratações para uma equipa acabam por precisar de pessoas mais seniores, acabamos por ter de ir ao mercado, ver quem tem um perfil interessante e tentar contratar essas pessoas.

Que argumentos usa para “vender” Portugal  a que se quer instalar no nosso país?
A  primeira coisa que é muito importante é olhar pela janela e ver céu azul e a luz. Por exemplo, olhando para o dia a dia de algumas empresas em Londres, as pessoas levam uma hora a chegar ao trabalho porque apanham dois transportes, possivelmente nem veem a rua porque saem porta a porta. Muitos almoçam à secretária, continuam a trabalhar e voltam para casa. Não há a cultura de sair para almoçar, de apanhar sol o que de facto faz falta.  Isto é o nosso dia a dia, a nossa comida é ótima… isto são argumentos, para além daquilo que são as pessoas.

Muitas destas empresas procuram um sitio onde possam instalar uma equipa competente, que seja mais eficiente em termos financeiros do que se calhar no país original. Contudo, o work life balance é uma coisa que é muito, muito importante e algumas empresas têm estado a descurar esta vertente. E é importante continuar a investir e é isso que as empresas querem: pessoas que para além de fazerem o seu trabalho possam ser sociáveis, que estão satisfeitas e chegam ao escritório com um sorriso. A produtividade é diferente e é isto que o nosso país tem para oferecer. Mesmo os founders, quando podem, acabam por gostar de passar mais tempo em Lisboa do que estar a trabalhar a partir de Londres ou Zurique.

Outra coisa importante é o nosso track record enquanto país para incubar start-ups. Efetivamente, hoje em dia já temos quatro unicórnios, e enquanto país que forma e cria grandes start-ups e tem equipas que fazem parte de start-ups que estão lá fora, é o país perfeito: temos tecnologia, entrega, associamos work life balance, e o nosso sol é espetacular… temos as receitas todas para conseguir ser um país que vai vencer nessa área.

Como perspetiva a evolução do mercado das start-ups em Portugal?
Eu tenho uma visão muito pragmática quanto ao mercado das start-ups em Portugal. É preciso perceber qual é a grande diferença. Há muita gente a fazer muita coisa, mas também há muita gente que, pelas mais variadas razões, acaba por desistir do projeto. E há muita gente que está sempre em idea stage.

Mas olhando para aqueles que efetivamente são os que estão a  trazer valor, acho que cada vez mais se tem estado a fazer coisas interessantes em Lisboa. O  mercado de investimento em start-ups tem estado a crescer, eu tenho estado a ver, por exemplo, uma iniciativa como o Programa 200M, a plataforma de coinvestimento, que é uma coisa interessante para atrair fundos estrangeiros, para investir não só em start-ups estrangeiras como em empresas que queiram vir para Portugal.

Acho interessantes algumas das iniciativas que estão a ajudar a incubar alguns bons nomes que conhecemos no mercado e que continuem a tentar manter o standard de algum nível para conseguir separar o trigo do joio e ficar só com aquelas que são realmente as que adicionam valor.
Mas vejo com bons olhos o crescimento do mercado das start ups e aquilo que vai ser entregue nos próximos tempos. Por exemplo, ainda há pouco tempo falei com uma start-up que está entre Berlim e o Porto, a dashdash, e que acho que, possivelmente, vai ser uma das que vai dar cartas. Se não me engano já levantaram uma serie A,  ainda não são propriamente muito falados, mas acho que é uma start-up com muito potencial em escalar, principalmente porque data é o ouro dos dia de hoje. Há outros projetos que eventualmente vão ser muito interessantes e trazer muito valor e continuar a pôr Portugal no mercado. Contudo, é preciso ter em atenção como vai evoluir a parte dos recursos humanos.

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