Opinião

O “voo” das novas gerações

Tiago Rodrigues, CEO da AEDL, Auto-Estradas do Douro Litoral

Carta a um filho: “Uma parte da geração dos teus avós emigrou para fugir à miséria. Quando terminares o teu curso, se tiveres de partir, fá-lo com alegria e determinação, não como um castigo, mas antes como mais uma oportunidade de crescimento na tua vida, para mais tarde regressares e contribuíres para um Portugal mais desenvolvido, próspero e competitivo não apenas para a tua geração, mas também para a dos teus futuros filhos.”

“Querido filho,
Foi há pouco mais de 18 anos que olhei o teu pequeno rosto pela primeira vez, ao início da manhã daquela solarenga sexta-feira de março de 2005, ainda bem presente na minha memória.

Lembro-me do teu primeiro e curto “voo”, quando balbuciaste as tuas primeiras palavras. Hoje, todos estes anos volvidos, que gratificante é ver como “voas” em várias línguas, socorrendo os teus Pais quando o vocabulário escasseia nas nossas viagens pelo estrangeiro… Recordo-me bem, também, de um outro importante “voo”, quando, lento e desconfiado, mas de forma decidida, deste os teus primeiros passos.

Hoje, todos estes anos volvidos, que gratificante é ver como “voas” ao volante da tua bicicleta, encorajando e puxando pelo teu Pai, que nem sempre tem fôlego para te acompanhar. Obrigado por nunca me deixares para trás…

E ainda hoje me questiono como foste capaz de viver e suportar os constantes “voos” da tua juventude, qual ponte aérea, com sucessivas mudanças entre dois continentes, cinco cidades e várias escolas.

Todos estes anos volvidos, que gratificante é ver como foste tão competente na gestão de todo esse agitado fluxo de “voos”, culminando nos resultados académicos pelos quais tanto te esforçaste e que tanto me orgulham. Muito obrigado pela tua perseverança e determinação…

Lembrei-me de te dirigir estas palavras, agora que te preparas para enfrentar um mundo cheio de novos “voos”. Um mundo diferente e ainda desconhecido para ti, no qual os teus Pais não mais estarão fisicamente ao teu lado no dia a dia. Assumes agora, no fundo, o papel de piloto dos próximos “voos” da tua vida, sabendo que continuarás a ter dois copilotos sempre disponíveis para te ajudar nos “voos” mais turbulentos…porque eles vão acontecer.

Hoje muito se fala da tristeza que é ver os jovens portugueses terem de partir do nosso país, por falta de oportunidades profissionais. Compreendo essa tristeza, mas gosto de pensar que é melhor fazê-lo nas condições em que a maioria dos jovens o faz hoje, por comparação com a forma como jovens e menos jovens o tiveram de fazer décadas atrás.

Sabes que uma parte importante da geração dos teus avós emigrou, nas décadas de 50, 60 ou 70, para fugir à miséria, trabalhando, na sua maioria, na construção civil, em linhas de produção fabris ou na limpeza de casas ou hotéis.

Gente de fibra, como são os nossos conterrâneos, muita da qual conseguiu vingar além-fronteiras fruto da sua coragem e perseverança.

Gente com a 4.ª classe, que rumou ao estrangeiro, muitas vezes sem saber proferir uma palavra que não fosse em português.

Gente que esteve anos, demasiados em alguns casos, sem regressar a casa e que telefonava uma vez por ano para saber dos seus, que internet era coisa que não existia e telefonemas eram um luxo.

Se o teu destino passar por partires quando terminares o teu curso superior, não o farás nessas condições. Como tantos da tua geração, sabes falar outras línguas e serás procurado, certamente, para funções de elevado valor acrescentado.

Sabes que o nosso País tornou-se, progressivamente, um verdadeiro formador de talento. E se é verdade que o tecido social e económico (incluindo o empresarial) não conseguiu acompanhar o ritmo, também acho que teria sido muito difícil que o conseguisse fazer, dada a dimensão do nosso País, mesmo com outras (e melhores) opções políticas e económicas nas últimas quatro ou cinco décadas – e não apenas nos últimos anos, como se diz por aí.

Portugal poderia (e deveria) ter as condições para que mais jovens por cá se mantivessem, mas sabes que, neste caso em particular, prefiro elogiar o que de bom se tem feito nas últimas duas décadas na formação de talento, do que criticar o que não se fez e deveria ter feito nas últimas quatro ou cinco em matéria económica.

Quando terminares o teu curso, se decidires ou tiveres de partir, fá-lo com alegria e determinação, não como um castigo, mas antes como mais uma oportunidade de crescimento na tua vida, para quiçá mais tarde regressares e contribuíres para um Portugal mais desenvolvido, próspero e competitivo não apenas para a tua geração, mas também para a dos teus futuros filhos.

E é por isso que te digo, quando, espero, concluíres o teu percurso académico, não te esqueças de continuar a “voar”. Em Portugal ou por esse mundo fora, nunca deixes de “voar”, sem medo, como cedo aprendeste e sempre fizeste ao longo da tua vida.

Com amor, do teu Pai”.

Comentários
Tiago Rodrigues

Tiago Rodrigues

Tiago Rodrigues conta com mais de quinze anos em funções de gestão e administração em empresas de energia, infraestrutura, turismo e imobiliário e oito anos como consultor, com experiência de vida, profissional e académica em Portugal, Brasil, Reino Unido e EUA. Concluiu um programa de liderança em Harvard, uma pós-graduação em finanças, uma licenciatura em economia e um bacharelato em contabilidade e administração. Foi palestrante em dezenas de eventos de negócios na Europa e em programas de universidades portuguesas. Gosta... Ler Mais..

Artigos Relacionados