Entrevista/ “O nosso software também é utilizado por equipas de músicos como Hans Zimmer e Peter Gabriel”

Um convite do Skywalker Sound, de George Lucas, para fazer uma apresentação do seu software, abriu as portas de Hollywood à Sound Particles. Desde então a start-up de Leiria “está nos cinemas do mundo” e continua a inovar no mercado dos jogos e da música. “O que fizemos até ao momento é apenas a ponta do iceberg”, confidenciou ao Link To Leaders Nuno Fonseca, fundador e CEO da Sound Particles.
Hollywood voltou a recorrer ao software de áudio da portuguesa Sound Particles numa das suas mais recentes produções. Desta vez, foi no filme Dune, que estreou nas salas de cinema nacionais na quinta-feira passada. Um filme de ficção científica onde o software da start-up de Leiria contribuiu para a criação de um ambiente sonoro épico. Nada a que a Sound Particles não esteja habituada, já que, em cinco anos de atividade, o projeto criado por Nuno Fonseca, atualmente com uma equipa de mais de 20 pessoas, já participou em produções bem conhecidas como Game of Thrones ou Star Wars.
Em entrevista ao Link To Leaders, o fundador da Sound Particles explica como começou a ligação aos estúdios de Hollywood, fala dos projetos na área da música que tem em agenda e da ronda de investimento que está a preparar. As ambições são grandes, porque ainda há muitas formas de usar esta tecnologia nas diversas áreas do entretenimento, assegura.
Como se proporcionou este novo projeto com o filme Dune?
A Sound Particles apenas cria o software, que depois é usado pelos Sound Designers para a criação dos milhares de sons necessários para um filme. Em muitos casos, nós nem acabamos por saber em que filmes o nosso software é usado. Por vezes, como aconteceu com o Dune, os utilizadores informam-nos que o software foi usado no filme A ou B. Neste caso, um dos sound designers, que já é nosso cliente há algum tempo, decidiu usar o software da Sound Particles.
O que é que o vosso software aportou de mais valia ao projeto?
Essencialmente três coisas: a produtividade, permitindo aos profissionais de som a capacidade de criar situações complexas de forma muito mais rápida; a escala, permitindo coisas que seriam impossíveis de criar com as abordagens existentes. Por exemplo, nós temos renders com mais de um milhão de sons ao mesmo tempo; e a qualidade do som, obtendo um som muito mais natural e orgânico.
Quais as caraterísticas mais relevantes de um bom áudio que só a Sound Particles consegue fazer?
Todos nós conhecemos a computação gráfica e as coisas que conseguimos fazer com esta tecnologia. A Sound Particles pegou nos mesmos conceitos e adaptou-os ao som. Em vez de criarmos um mundo virtual com modelos 3D captados por uma câmara virtual, fazemos o mesmo com som: criando um espaço virtual com sons, que são captados por câmaras virtuais.
Um exemplo prático: imagine que alguém precisa de criar o som de uma batalha. A abordagem normal é usar um programa de edição áudio e começar a acrescentar sons: um tiro aqui, outro tiro acolá, uma explosão aqui, outra acolá, e passado um dia, temos 60 sons a tocar ao mesmo tempo.
Com o Sound Particles conseguimos dizer ao computador que queremos criar 10.000 partículas (fontes sonoras), espalhadas por 1 km2 (como se os soldados ocupassem um terreno de 1km de largura), importamos 200 sons de guerra, acrescentamos movimentos aleatórios e em menos de 15 minutos, temos o som épico de uma batalha com 10.000 sons, em vez de demorar um dia e ter 60 sons.
“A primeira resposta veio do Skywalker Sound, o estúdio de som criado por George Lucas para o StarWars, que me convidou para ir ao Skywalker Ranch (ligeiramente a norte de S. Francisco) fazer uma apresentação”.
Qual o segredo para que uma pequena start-up de Leiria tenha conseguido chegar aos gigantes estúdios de Hollywood? Como se iniciou essa relação?
Eu poderia ter uma história muito complicada, mas na realidade foi muito fácil. Em 2014, eu ia a Los Angeles a uma conferência científica e duas semanas antes resolvi enviar cinco ou seis emails a alguns profissionais de Hollywood a dizer que estava a trabalhar numa determinada tecnologia, que poderia ser particularmente interessante para grandes produções e que iria estar na vizinhança dentro de duas semanas.
A primeira resposta veio do Skywalker Sound, o estúdio de som criado por George Lucas para o StarWars, que me convidou para ir ao Skywalker Ranch (ligeiramente a norte de S. Francisco) fazer uma apresentação. Num espaço de seis meses, acabei por dar palestras na Warner Bros, Universal, Sony, Paramount, Fox, e mais tarde na Disney, Pixar, etc.
Os americanos são muito pragmáticos e pouco snobs – se nós temos algo que pode ser do interesse deles, eles facilmente dão-nos “uns minutos” de atenção, independentemente se vimos de Portugal ou do outro lado da rua.
“(…) um bom som, permite elevar a produção, dando a sensação que o filme é muito melhor e que foi feito com um grande orçamento, mesmo quando isso não é verdade”.
O que é que um bom ambiente áudio pode fazer por uma produção cinematográfica?
Um bom ambiente áudio pode conseguir duas coisas muito importantes: por um lado, transportar-nos para um mundo diferente, e fazer-nos sentir que estamos lá, e este efeito de imersão é muito importante. Por outro lado, um bom som, permite elevar a produção, dando a sensação que o filme é muito melhor e que foi feito com um grande orçamento, mesmo quando isso não é verdade.
Por exemplo, o filme “Mad Max: Fury Road” estava a ter alguns problemas com o som inicial e contrataram o Marc Mangini para refazer o som (que acabou com ganhar o Oscar nesse ano com este filme). Os estúdios fazem muitas vezes testes com audiências, e só a mudança ao nível do som, permitiu que o filme melhorasse em 20% a pontuação que a audiência deu ao filme.
Já “salvaram” algum projeto/filme com as vossas propostas áudio?
Os sound designers são pessoas criativas e acabam sempre por arranjar alguma solução para os desafios mais problemáticos que possam aparecer, mas posso contar uma pequena história. A última temporada do Game of Thrones tem várias batalhas épicas, e inicialmente a Sound Designer estava muito preocupada de como iria conseguir fazer o som de uma batalha com centenas de milhares de “zombies”. Mas acabou por confiar no Sound Particles para a tarefa e o resultado final foi espetacular.
“(…) sem dúvida que foi o “pensar fora da caixa” que nos permitiu criar um software verdadeiramente único”.
No desenvolvimento do vosso trabalho quanto é resultado de tecnologia e quanto de criatividade humana? Como equilibram essa relação?
Eu acho que o sucesso do nosso trabalho passa exatamente por conseguir juntar as duas coisas. Sem dominarmos muito bem a tecnologia, não seria possível haver o Sound Particles, que é tecnicamente muito complicado. Mas sem a criatividade, não saberíamos como juntar as peças, e sem dúvida que foi o “pensar fora da caixa” que nos permitiu criar um software verdadeiramente único.
“O facto de sermos convidados para darmos palestras na Apple, Google, HP, Netflix, etc., significa que estamos no radar destas empresas”.
Ao longo dos vossos cinco anos de atividade, de vários sucessos acumulados, já foram “assediados” por algum gigante da área?
Depende do conceito de assédio. No passado já recebemos uma proposta de aquisição por parte de uma grande empresa mundial na área (mas achámos que era muito cedo), e obviamente trabalhamos com alguma proximidade com algumas das maiores empresas tecnológicas. O facto de sermos convidados para darmos palestras na Apple, Google, HP, Netflix, etc., significa que estamos no radar destas empresas.
Alguma ronda de investimento nos planos?
Sim, estamos a preparar uma nova ronda de investimento para o próximo ano, mas atempadamente, daremos mais detalhes.
“O nosso software também é utilizado na indústria da música, por equipas de músicos como Hans Zimmer e Peter Gabriel (…)”.
Depois de Game of Thrones, Star Wars e agora do Dune, o que se segue? Até onde vão as vossas ambições?
Para além de continuarmos a trabalhar o nosso produto, com vista à utilização no mercado do cinema, estamos também empenhados no desenvolvimento de novas funcionalidades para o mercado dos jogos, onde já entramos (o Sound Particles já está a ser utilizado por estúdios como a Blizzard, Epic Games – nomeadamente no Fortnite – Ubisoft, Playstation, entre outros).
O nosso software também é utilizado na indústria da música, por equipas de músicos como Hans Zimmer e Peter Gabriel, entre outros, mas queremos desenvolver ainda mais este campo com a criação de features para experiências de música ao vivo.
Para nós, o que fizemos até ao momento é apenas a ponta do iceberg – ainda há muito para fazer, e muitas formas de usar esta tecnologia nas diversas áreas do entretenimento.
Respostas rápidas:
O maior risco: Fazer software para estúdios de Hollywood, a partir de Leiria, Portugal.
O maior erro: Não ter começado mais cedo.
A maior lição: Por vezes é preciso ser ingénuo (ou convencido, dependendo do ponto de vista).
A maior conquista: A utilização num filme do StarWars.