Entrevista/ “O ensino superior deve ensinar a fazer, mas também ensinar a pensar e questionar”

Miguel Varela, diretor do Instituto Superior de Gestão

Com quase meio século de existência, o Instituto Superior de Gestão foi uma das primeiras business schools nacionais e continua a priorizar a inovação na formação. Em entrevista ao Link To Leaders, Miguel Varela diretor da escola, avalia o estado atual do ensino superior e executivo, apontando algumas falhas à tutela do setor.

“É absolutamente necessário um ensino superior centrado no estudante e não na carreira docente”, defende Miguel Varela, diretor do Instituto Superior de Gestão (ISG). Para este profissional, também ele professor, os desafios do setor do ensino superior e da formação executiva passam pela mudança de mentalidades, pela  desburocratização administrativa, pela investigação científica e em desenvolvimento pedagógico e pela valorização da pedagogia e transmissão do conhecimento.

Numa análise transversal ao setor do ensino, Miguel Varela lembra ainda que nada deve substituir a relação humana ou a socialização no ensino superior. A “digitalização” pode apenas ambicionar a ser um complemento no ensino, refere.

Podemos dizer que há um ISG antes e durante pandemia?
O ISG tem praticamente meio século de existência e uma personalidade e posicionamento muito próprio. Não há um ISG antes e outro depois da pandemia, existe, sim, um ISG único que continua a ser proativo e a acompanhar, como sempre, as tendências, acontecimentos e conjunturas próprias das várias décadas em que exerce a sua atividade. Estamos permanentemente preparados e continuamos a servir a educação, preparando bons cidadãos.

“A inovação na formação é produto das exigências que advêm da evolução do próprio mercado e dos seus players”.

O ISG foi a primeira business school em Portugal. De que forma têm inovado na área da formação?
A inovação na formação é produto das exigências que advêm da evolução do próprio mercado e dos seus players. Ao ISG compete responder, com pedagogia eficiente e com oferta formativa adaptada às necessidades de gestores e economistas. Os conteúdos são permanentemente atualizados.

Qual a aposta formativa para este ano letivo?
A estratégia da atual direção passa por ter pelo menos 25% dos seus estudantes em cursos não conducentes a grau académico. Nos últimos três anos passámos de 15% para 20%, mas com crescimento de alunos em ambos os segmentos. A oferta formativa atual passa por quatro licenciaturas, três mestrados e dezasseis cursos de pós-graduação e formação de executivos. A ideia é aumentar o número de licenciaturas, mestrados, mas também cursos de pós-graduação.

Temos vindo a apostar em formações mais curtas e mais adaptadas à realidade económica atual, em especial ao nível dos cursos não conducentes a grau académico, ou seja, pós-graduações e formação de executivos.

Qual tem sido a oferta formativa que mais procura tem tido?
É difícil destacar apenas uma. A nossa estratégia é de focalização nas ciências económicas e empresariais. Temos uma procura equilibrada nas diversas áreas, nomeadamente ao nível da gestão geral, ao nível das finanças, ao nível dos recursos humanos, ao nível do marketing, da estratégia, da logística e operações, entre formações de banda muito estreita como a formação para a administração pública (FORGEP/CAGEP), avaliação imobiliária, gestão de projetos ou fiscalidade.

A concorrência na formação de executivos é cada vez maior. O que tem sido determinante na oferta do ISG na formação de executivos?
Fundamentalmente destacaria um conjunto de parcerias e certificações específicas por entidades de cada setor e, claro, um corpo docente excelente.

“(…) as entidades que tutelam em Portugal o ensino superior continuam a ser, infelizmente, muito conservadoras e burocráticas no que toca ao ensino superior”.

O ISG tem acompanhado as mudanças do sistema de ensino superior em Portugal. Quais têm sido os desafios?
Destacaria dois grandes desafios futuros. Um passará pela mudança de mentalidades: as entidades que tutelam em Portugal o ensino superior continuam a ser, infelizmente, muito conservadoras e burocráticas no que toca ao ensino superior. O tempo perdido em burocracias e tarefas administrativas é tempo não ganho em investigação científica e em desenvolvimento pedagógico. O outro, passará exatamente pela valorização da pedagogia e transmissão do conhecimento. É absolutamente necessário um ensino superior centrado no estudante e não na carreira docente.

O investimento na internacionalização tem sido uma das características que definem o ISG. A pandemia trouxe alguma alteração e qual a estratégia para o próximo ano a este nível?
Temos cerca de 25% de estudantes internacionais e tem uma vasta rede de parceiros da rede Erasmus. É já tradição no ISG que praticamente 50% dos estudantes acabem por sair em mobilidade. O inverso é igualmente uma realidade – recebemos alunos de inúmeras nacionalidades. A estratégia passa pela manutenção de uma turma lecionada exclusivamente em inglês, que acolhe alunos oriundos da Alemanha, de Espanha, da Hungria, da Estónia, da Eslovénia, da Eslováquia, de Itália e de países fora da Europa, do continente americano ou africano.

“O ISG tem uma ligação forte ao meio empresarial e possui um gabinete de estágios e carreiras que dinamiza a celebração de protocolos, que tem sido uma prioridade nos últimos”.

Qual tem sido a ligação do ISG às empresas? Que tipo de protocolos têm estabelecido?
O ISG tem uma ligação forte ao meio empresarial e possui um gabinete de estágios e carreiras que dinamiza a celebração de protocolos, que tem sido uma prioridade nos últimos. Esta política tem contribuído para a forte empregabilidade dos nossos diplomados. Também existe a preocupação de transmitir em sala de aula a realidade empresarial em articulação com o conhecimento científico através de estudos de caso e palestrantes convidados.

Segundo as estatísticas oficiais, a vossa taxa de empregabilidade, a nível de gestão (dados oficiais disponíveis), é de 98,1%. O que acha que tem contribuído para este resultado?
Preocupamo-nos em desenvolver as soft skills dos estudantes, para além do conhecimento técnico e científico (hard skills). Formamos alunos conscientes, comprometidos, comunicativos, colaborativos e criativos. O impacto tem sido positivo e reconhecido no mercado.

“A tutela do ensino superior estaria muito melhor entregue ao Ministério da Educação (como já foi) do que ao Ministério da Ciência (…)”.

O que é ainda preciso fazer para reforçar ou otimizar a relação entre os mundos académico e empresarial?
É uma discussão antiga. O ensino superior deve ensinar a fazer, mas também ensinar a pensar e questionar. Aqui coloca-se a diferenciação das ciências, que a A3ES ignora por completo. Não se pode tratar um curso de química como um curso de gestão; um curso de direito como um curso de veterinária ou um curso de filosofia com um curso de agronomia. Independentemente da complementaridade das ciências, elas são diferentes entre si, com metodologias próprias e com ligações diferentes ao meio empresarial. Não pode estar tudo no mesmo saco. Umas são laboratoriais, outras com uma componente social maior, mas nem todas são testáveis em laboratório. Umas vivem da investigação permanente, da experimentação, outras vivem da transmissão de conhecimento e da crítica.

O número de licenciados que seguem carreiras de investigação não chega a 2%. A preparação para lidar com situações novas é muito mais fundamental. Hoje o ensino superior é visto pelos estudantes quase como uma continuidade do ensino secundário. A tutela do ensino superior estaria muito melhor entregue ao Ministério da Educação (como já foi) do que ao Ministério da Ciência, que tem uma dificuldade crónica em distinguir as duas realidades.

As escolas de negócios estão cada vez mais digitais. Considera que as novas tecnologias vão substituir a relação humana dentro de uma sala de aula?
Nada deve substituir a relação humana ou a socialização no ensino superior. A “digitalização” pode apenas ambicionar a ser um complemento no ensino. No entanto, as plataformas digitais permitem aproximar distâncias físicas em termos de reuniões, trabalhos e alunos internacionais.

“A diferenciação, uma vez mais, estará nas características individuais, as soft skills”.

Para a geração millennial que está a entrar no mercado de trabalho, as competências técnicas e os graus académicos são requisitos suficientes?
São requisitos necessários, mas não suficientes. O ensino superior é atualmente de acesso democratizado e de equidade. Mais de 20% da população portuguesa tem ensino superior. Esta taxa mais do que triplicou em cerca de vinte anos, em especial depois de Bolonha. A competitividade é cada vez maior entre os jovens, em que em poucos anos, mais de 50% terão instrução superior. A diferenciação, uma vez mais, estará nas características individuais, as soft skills.

O Plano de Recuperação e Resiliência aposta muito na digitalização e formação profissional  – e mesmo na transição de algumas profissões que vão deixar de existir. Acredita que este plano olha com atenção suficiente aos aspetos que são essenciais à evolução da educação?
O mundo está em acelerada mudança desde o início do século XXI. A digitalização deve permitir fazer mais depressa, com mais informação armazenada e difundida, deve facilitar e agilizar. Mas não deixa de ser um instrumento para razões superiores. Não é nem deve ser um fim em si. Primeiro devem estabelecer-se objetivos e a digitalização ser um instrumento que ajude na sua eficiência. As intenções muitas vezes chocam com as posturas conservadoras dos decisores, que tutelam o ensino superior. As palavras são tradicionalmente mais pobres que a realidade. Valha, para já, a intenção.

Respostas rápidas:
O maior risco:
O Estado querer monopolizar o ensino superior, violando o princípio da liberdade de ensinar e de aprender.
O maior erro: Acreditar na imparcialidade da tutela entre ensino superior privado e público.
A maior lição: Não acreditar na imparcialidade da tutela entre ensino superior privado e público.
A maior conquista: O reconhecido valor acrescentado do ensino superior no ISG para Portugal e para o Mundo.

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