Opinião
O desamor nas organizações
Há fins de semana que nos marcam e, para mim, o primeiro fim-de-semana de 2024 foi um deles. Primeiro, fui surpreendido pelo António Pedro Monteiro ao ouvi-lo dizer que: “A vida começa quando (fomos) amados, (…) quando nos sabemos amados”. (aquele que habita os céus sorri – o que diz a escritura? como lês tu?)
No domingo, a pedido da minha mulher, imprimo um texto publicado no Sete Margens com a seguinte mensagem:
“Queria resumir em alguns princípios o que creio que nos pode dar confiança e firmeza para não nos perdermos num futuro desconhecido:
Cultivar a verdade, o bem e o belo.
Escolher o que é permanente e deixar o que é efémero.
Ser, e, se for preciso, renunciar ao Ter.
Cultivar a esperança.
Reconhecer os nossos erros e repará-los.
Guardar os valores essenciais que os nossos pais e avós nos transmitiram, e transmiti-los aos nossos filhos (pobreza, simplicidade, respeito, sabedoria).
Preferir a qualidade e não a quantidade.
Compreender o que se passa à nossa volta sem nos deixarmos iludir.
Saber dialogar, compreender, esperar, durar. Não ter pressa.
Na luta e no jogo, procurar mais o prazer e a conciliação do que a vitória.
Descobrir e cultivar a semente da vida.
Amar a alegria, a beleza e a harmonia.
Servir e ser útil, sem procurar o poder.
Confiar mais no amor do que na técnica.”
Ouvir o António Pedro Monteiro e ler José Mattoso fizeram-me pensar como o desamor pode destruir a cultura de uma organização. Porque as organizações são feitas de e para as pessoas, a falta de amor dado e recebido (isto é, o desamor) mina a confiança, cria tensões e conflitos, desconfianças, suspeições, juízos na praça pública. O desamor incentiva ao individualismo e à maledicência. Se não nos sentimos amados não podemos amar e, por isso, centramo-nos sobre nós próprios e predispomo-nos a ouvir apenas o que queremos; ou seja, tudo o que alimente (ainda que inconscientemente) a nossa falta de amor. Porque não nos sentimos amados, temos uma dificuldade tremenda em amar. Ora, não tem de ser necessariamente assim, nem na vida pessoal nem na vida profissional.
António Pinto Leite é claro quando defende o amor como critério de gestão. Sim, o amor também tem de estar presente nas organizações. Cabe, pois, aos líderes serem o primeiro exemplo dessa capacidade de se dar sem limites e de promover uma cultura em que o desamor não tem lugar. O líder amado, e que se sabe verdadeiramente amado, tem uma capacidade natural de retribuir esse sentimento à organização que lidera e às equipas com quem trabalha. Já o líder desamado ou carente de amor, terá tendência para projetar essa amargura naqueles com quem lida diariamente. O líder que não foi (é) amado deixa-se envolver pela aridez do deserto.
O que fazer perante o desamor de um líder? O que fazer em organizações dominadas pelo desamor?
Ao desamor temos de responder com Amor, evitando espirais descendentes e autodestrutivas. Perante o desamor, nas suas diferentes formas de se revelar, devemos responder com o seu contrário. Perante a desconfiança, construímos a capacidade de ser confiável. À condenação respondemos com misericórdia, aos problemas com soluções e às dificuldades com alternativas.
Deve ser nosso Propósito, inspirados em José Mattoso, começar a construir, já em 2024, organizações em que, em conjunto:
- Cultivamos a verdade, o bem e o belo;
- Cultivamos a esperança;
- Reconhecemos os nossos erros e reparamo-los;
- Preferimos a qualidade à quantidade;
- Sabemos dialogar, compreender, esperar, durar e não ter pressa;
- Servimos e somos uteis, sem procurar o poder;
- Confiamos mais no amor do que na técnica.
Para tal, não precisamos de esperar que os líderes comecem a fazê-lo. Cada um de nós pode começá-lo a fazer já amanhã à sua escala, com os seus meios e com as suas equipas.
O Amor superará sempre o Desamor.
Bom Ano de 2024.