Opinião
O CDO: Chief Disappearing Officer
Tenho tido o privilégio de conhecer executivos provenientes de todos os setores, mas, mais recentemente muitos com o título de ‘CDO’. Sendo que o ‘D’ geralmente significa Digital ou Dados. Contudo, ao observar grandes CDOs em ação apercebi-me que estes trabalham ativamente para se retirar de determinados trabalhos ou para tornarem o seu trabalho desnecessário.
Estes executivos precisam de ser diferentes, não podem ser apenas criadores de novas ideias sem propósito e objetivos, ou estar simplesmente presentes para digitalizar o que já está a ser feito.
Tomemos como exemplo o Chief Digital Officer. Os CDOs trazem experiência na construção de aplicações, mas o seu papel principal é incitar a organização a adotar novas formas de trabalho. Esta não é uma mudança em massa. Trata-se, sim, de considerar os pontos fortes de uma empresa e fundi-los com as características demonstradas por organizações que são mais recetivas, objetivas e orientadas para o exterior. As mudanças necessárias na mentalidade e nas competências para a adoção do ‘D’ surgem de forma crescente e persistente.
Partilho estas observações por ter falado com centenas de clientes, bem como por, há quase uma década, ter feito parte da equipa que co-desenhou a estratégia digital original e o papel do CDO no McDonald’s. Na altura, observámos que era pouco provável que essa função fosse permanente tal como tinha sido concebida. Seria uma função que teria uma duração de cerca de cinco anos. Só nos desviámos deste período em cerca de 18 meses, como se verificou no momento em que o meu colega deixou de desempenhar o papel de CDO.
Então, que funções desempenham tipicamente os grandes CDOs e por que razão são transitórios?
A cadeira vazia
Uma história incutida na cultura da Amazon é a da cadeira vazia que Jeff Bezos insistia ter em cada reunião. Representava o cliente que não estava fisicamente presente. A “centralidade no cliente” precisa de se tornar uma filosofia que está presente em todas as decisões, em vez de ser uma consideração periódica, que devido a um ritmo de trabalho diário frenético, é colocada em segundo plano. Sem isto, as companhias de seguros ou os franchisadores podem facilmente regredir e voltar a tratar os stakeholders locais, tais como corretores ou franchisados, como um representante do cliente. O CDO ajuda a colocar o cliente no centro da agenda. Faz perguntas simples; perguntas tão simples que muitas empresas ignoram e para as quais ainda hoje não têm resposta. Quem é o cliente? Qual é a sua jornada, hoje, com a nossa marca? O que frustra os clientes e como é que nós o podemos saber? O que é que o cliente realmente quer?
O reflexo organizacional
É mais fácil justificar por que razão é necessário mudar do que realmente mudar, como vimos no nosso estudo AWS de 2021, que teve como amostra 10 000 líderes empresariais. Noventa por cento dos líderes admitiram estar preocupados por não compreenderem ou não responderem aos seus clientes de forma adequada, e, no entanto, apenas 50% afirmaram precisar de se transformar para resolver esta questão. Pergunto-me, se os outros 50% esperavam que fossem os seus clientes a mudar, um mindset comum há uma década.
O CDO é capaz de refletir e dar a sua perspetiva sobre a organização, desafiando humildemente os pressupostos vigentes, ao questionar crenças subjetivas, através de dados objetivos, e ao atribuir maior destaque àqueles factos incómodos, que outros tentam resolver com uma simples justificação. Aponta lacunas entre perspetivas inspiradoras e a sua execução efetiva. Considera a organização responsável por esta lacuna entre dizer e fazer, e gera discussões sobre como utilizar métricas que captem o que realmente interessa aos seus clientes. Além disso, o CDO está disposto a apontar a não existência de uma unidade de liderança; independentemente do ‘D’ que seja, estas mudanças têm sempre que ser um trabalho de equipa.
O contador de histórias
A transformação – e a gestão da mudança em geral – exigem a capacidade de contar histórias. Um grande CDO descodifica o ‘D’ ao atribuir compreensão e contexto ao que o ‘digital’ realmente significa para o seu negócio, juntamente com outras palavras, que utilizamos com demasiada facilidade, tais como ‘agile’.
O CDO utiliza dados para demonstrar onde se desperdiça tempo e dinheiro e indica como os mesmos podem ser redirecionados para atividades mais competitivas e tomadas de decisão mais rápidas. Ao criarem estas oportunidades utilizam com frequência analogias e metáforas. A minha favorita é a contradição entre “a tecnologia é tão importante que preciso ter o meu próprio data center”.
Contudo, e seguindo a mesma lógica, porque é que não construíram também a sua própria central de energia? Para suportar um verdadeiro crescimento na empresa, os CDOs, ajudam a vislumbrar a ideia de menos burocracia e de ser possível despender menos tempo e esforços em dinâmicas e trabalhos internos que não impulsionam vantagens competitivas.
Estes grandes CDOs não têm nos dados ou no digital um resultado per si. Em vez disso, concentram-se na forma como são utilizados como ferramentas para alcançar resultados comerciais. Dão vida ao que pode representar uma melhor experiência para o cliente, produto ou serviço, e explicam por que razão estas alterações de perspetiva devem ser entusiasmantes para os colaboradores. Relacionam o que isto significa para o dia a dia de cada colaborador, enquanto respondem à pergunta que geralmente todos se colocam: “o que é que eu ganho com isso?”. Ajudam os seus colegas e equipas a ultrapassar o medo do desconhecido, com curiosidade e excitação sobre o futuro, ao olhar para o ‘digital’ não como um tópico que requer uma nova estratégia autónoma, mas como parte integrante da estratégia empresarial.
O educador
Curiosidade sem conhecimento especializado, e formação sem prática, são inúteis. Os CDOs deixam claro que o digital é mais do que uma tecnologia, é um mindset. Mas, para que isso aconteça, é necessário um upskilling, do topo à base da organização. Para um CDO a formação contínua é uma característica básica das organizações e líderes modernos, e hoje em dia o local de trabalho deve ser encarado como um local de aprendizagem. O próprio princípio de liderança da Amazon, “Learn & Be Curious”, não é aplicado com a ressalva “a menos que se seja um líder sénior!”. Os CDOs criam diferentes modalidades e oportunidades de formação, reconhecendo diferentes estilos de aprendizagem e a necessidade de, sempre que necessário, proporcionar momentos de formação.
Os CDOs ajudam todos os níveis da organização a compreender como é que os fatores tecnológicos podem (ou não) resolver as necessidades dos clientes e a desmistificar tecnologias como a cloud. Incorporam, nas discussões diárias, um vocabulário centrado no cliente e possibilitam confiança a todos os níveis, para perguntar “porquê?” ou para dizer “não sei” em vez da falsa confiança que é tão frequentemente projetada.
Navegadores culturais
Os grandes CDOs não se apresentam como o novo e melhorado departamento de TI. Fazem parceria com o CIO, e cada vez mais com o CPO (Chief People Officer), para dar vida a uma tripla transformação digital e de acesso a dados: cultural, de competências e tecnológica, centrada no cliente. São explícitos acerca da cultura que querem criar, mas testam, até descobrir que novas formas de trabalho são eficazes e quais podem ser escaladas nas suas empresas. Os papéis tradicionais do CXO criam silos verticais; os CDOs criam silos horizontais, transversais a toda a organização e que fornecem valor e capacitam os colaboradores. Encorajam diferentes experiências com os clientes, utilizando equipas multifuncionais cruzadas. Avaliam de que forma processos internos, tais como mecanismos de recompensa e reconhecimento, competências de cada função e estruturas de gestão, podem apoiar este mindset mais interativo e experimental. Promovem conscientemente os sucessos do passado e as oportunidades do futuro.
Determinado não perturbador
Por último, o CDO traz um elevado índice de inteligência emocional (EQ) às organizações. Ser especialista é insuficiente nos casos em que é necessária uma mudança de toda a organização. São modestos e apreciam o seu papel de poder desenvolver uma organização, e não de a salvar. Apresentam tipicamente três características que acredito serem fundamentais para os líderes modernos: persistência, resiliência e sentido de humor! Estas mudanças levam tempo, ao observar as organizações que evoluem com sucesso, diria três a cinco anos. Os bons CDO entendem este facto e encaram os contratempos como oportunidades de aprendizagem, estando dispostos a mostrar as suas próprias falibilidades.
Os CDOs mais bem sucedidos não se limitam a implementar projetos digitais, incitam a organização a uma cultura verdadeiramente digital. O mesmo se aplica aos Chief Data Officers. Os grandes executivos que encontro pretendem fazer dos dados um recurso que todos possam utilizar, e que efetivamente utilizem, para impulsionar a ação e não apenas o conhecimento. Compreendem a dinâmica da organização, mas agarram-se a um padrão diferente, não se entrincheirando em questões políticas.
Estas transformações nunca devem ser dadas por terminadas, mas devem, sim, incutir na organização a capacidade de melhorar continuamente. Dito isto, a dada altura, o CDO terá estabelecido um motor de mudança e poderá afastar-se do papel de orquestrador central e passar ao próximo desafio, que poderá ser, na mesma empresa, o cargo de Chief Customer Officer ou então seguir para uma nova organização e agarrar uma nova oportunidade.