Entrevista/ “Nos Açores, temos jovens empreendedores incríveis e a fazer a diferença”

Eládio Braga, presidente da AVEA

“A formação e a capacitação na área da restauração são fundamentais para elevarmos o nível da experiência de visitação da região dos Açores. Queremos criar experiências sensoriais e envolventes através da restauração”, afirma Eládio Braga, presidente da AVEA, em entrevista ao Link to Leaders.

A AVEA – Associação para a Valorização Económica dos Açores, que é responsável pela gestão da Escola de Formação Turística e pelo Anfiteatro Restaurante Lounge, pretende ter um papel decisivo na valorização da gastronomia açoriana e na capacitação dos recursos humanos, bem como na evolução contínua dos serviços turísticos oferecidos.

Quem o diz é Eládio Braga, presidente da AVEA, que defende que a região oferece atrativos para o lançamento de negócios. “Os Açores oferecem estabilidade fiscal e política, num clima de paz social e vivência coletiva saudável. A criminalidade é baixa e as condições de vida são favoráveis ao estabelecimento de projetos de vida pessoais e profissionais. Atraindo as pessoas, atraímos as empresas, porque será aqui onde haverá mais força de trabalho”, revela.

No entanto, ressalva que um dos desafios da região “tem a ver com as qualificações e nível de escolaridade, sendo necessário investir na capacitação dos jovens e dos recursos humanos”.

Qual o papel da AVEA?

A AVEA – Associação para a Valorização Económica dos Açores é uma Associação sem fins lucrativos, cujo associado maioritário é a Região Autónoma dos Açores, e que integra ainda como associados a SATA e a Câmara de Comércio e Indústria dos Açores. Os principais objetivos da AVEA são o de promover a valorização dos recursos humanos e dos serviços conexos à área turística, bem como a promoção dos produtos e matérias-primas dos Açores.

Uma das nossas valências é ainda a formação profissional nível IV de técnicos na área da Restauração, Cozinha, Eventos e Turismo. Contudo, o nosso papel passa também pela capacitação contínua de ativos e a promoção de formação certificada de curta duração em áreas relevantes para atividade turística na Região. O nosso restaurante-escola Anfiteatro Restaurante Lounge permite, por um lado, que possamos complementar a formação dos nossos formandos com a aplicação e conhecimentos em contexto real de trabalho e, por outro, criar oportunidades de valorização da enogastronomia dos Açores, com eventos formativos e jantares temáticos.

“A nossa ambição é garantir que a AVEA, através da excelência da sua formação, do network e know-how, e da qualidade da sua gastronomia, possa contribuir para a contínua valorização do turismo (…)”.

Qual a missão a que se propõe à frente da AVEA?

Quando tomei posse em maio de 2023 da presidência da AVEA, os compromissos que a nossa direção assumiu foi de contribuir decisivamente para o cumprimento da missão da AVEA. É do senso lato que a pandemia causou muitos constrangimentos na atividade económica do País e da Região e a área do turismo experienciou desafios exigentes de retoma do setor. Neste sentido, o que nos propusemos no exercício do nosso mandato foi numa primeira instância dinamizar e consolidar o papel da AVEA, através da EFTAZORES – Escola de Formação Turística dos Açores, a formação de jovens e ativos nas áreas da cozinha e restauração, considerando a falta de mão-de-obra que se verifica neste setor.

Por outro lado, era importante reativar, de forma sustentada, a atividade do Anfiteatro Restaurante Lounge e promover eventos que garantissem, novamente, notoriedade ao Restaurante. Por isso, colocámos logo como prioridade a contratação de um chefe executivo que liderasse este novo projeto e a verdade é que, em novembro de 2023, conseguimos recrutar o Chefe Paulo Freitas, que congrega a sua incrível capacidade técnica, com a consciência da sustentabilidade na gastronomia e as preocupações com a formação dos jovens que com ele trabalham.

A nossa ambição é garantir que a AVEA, através da excelência da sua formação, do network e know-how, e da qualidade da sua gastronomia, possa contribuir para a contínua valorização do turismo, em particular da cozinha e restauração dos Açores.

Quais têm sido os desafios que tem enfrentado enquanto presidente da AVEA?

Na verdade, os principais desafios que tenho encontrado dividem-se em duas áreas. Por um lado, está a ser uma tarefa árdua mostrar a uma percentagem dos jovens formandos da nossa Escola de Formação a importância e o valor das profissões relacionadas com a restauração. Há um certo estigma e prejuízo que se recebe mal e trabalha-se demasiado e alguns jovens vão acreditando nestas premissas e abandonam o seu percurso nos primeiros anos do curso. Sinto que esta questão está a desvanecer-se. O Governo dos Açores, através da Secretaria Regional da Juventude, Habitação e Emprego, que tutela a formação profissional, está muito empenhado em criar uma visão diferente da qualificação profissional e tem apostado em programas robustos de formação especializada na área do turismo.

Por outro lado, considerando que a AVEA procura formar também profissionais já estabelecidos, tem sido difícil sensibilizar estes técnicos para a importância da formação contínua e a especialização em determinadas áreas, pelo que é importante que os players possam cada vez mais apostar na formação dos seus colaboradores. Naturalmente que a sustentabilidade financeira de um associação que não tem fins lucrativos é sempre um desafio acrescido, mas temos conseguido estabilizar a nossa performance financeira, muito por via do financiamento público da tutela governamental e em concreto pela sensibilidade acrescida da Secretária Regional, Maria João Carreiro, que reconhece o papel importante da nossa Associação na valorização dos recursos humanos ligados ao setor do turismo.

” Os açorianos disseminaram técnicas de conserva e de salga, porque não tínhamos frigoríficos ou arcas (…)”.

De que forma têm ajudado a valorizar a essência da gastronomia açoriana?

Este é, de facto, um dos desígnios da AVEA. Manter contemporâneo a essência da gastronomia açoriana. A tradição secular da cozinha dos Açores ensina o presente. Quando, atualmente, se fala em sustentabilidade e desperdício zero, a verdade é que nos Açores esta forma de cozinha era uma realidade, fruto da nossa condição insular, onde a nossa gente tinha de aproveitar tudo para subsistir. Os açorianos disseminaram técnicas de conserva e de salga, porque não tínhamos frigoríficos ou arcas; os povos das Ilhas usavam todas as peças das carcaças dos animais porque não reinava abundância, ou ainda, em cada casa se plantava um quintal para que se colhesse frescos para as sopas do dia-a-dia.

E é importante relembrar e preservar estes ensinamentos e tornar a nossa comida de conforto em experiências sensoriais distintas, mais gastronómicas, mais contemporâneas, usando o que é típico e elevando, através da formação, as técnicas de preparação da matéria-prima e dos produtos derivados.

A AVEA tem também procurado destacar a importância da produção e consumo local. Que iniciativas têm lançado para este fim?

Temos promovido várias iniciativas que potenciem a valorização dos produtores locais e do consumo dos produtos dos ou feitos nos Açores. Em 2023, de outubro a dezembro, integrado no projeto do Intereg – Mac, Saborea, promovemos a divulgação, formação e sensibilização para 4 ex-libris da gastronomia da Região – o vinho, a carne, o peixe e o queijo. Forma quatro momentos, de 2 dias cada, onde se aliou a formação sobre estas matérias-primas e a confecção de quatro jantares temáticos, baseados nos 4 ingredientes já referidos.

Iniciamos ainda uma rubrica mensal “Do Mercado/Atlântico para o Anfiteatro onde se promovia uma visita de campo do staff do Anfiteatro ao(s) mercado e à(s) peixaria(s) para estabelecer uma ligação mais estreita entre produtor/transformador e staff de cozinha e sala. Este ano inauguramos ainda O Week Food Lab que será o nosso evento âncora anual, onde durante 7 dias juntamos Chefes Michelin, Chefes Regionais, Produtores/Transformadores e Distribuidores num evento de grande impacto para a gastronomia regional.

O Week Food Lab agrega uma formação avançada em gastronomia, com roteiros por produtores das mais variadas áreas e com a preparação de 3 jantares que culminam o processo de partilha de conhecimento e de experiências. Esta simbiose permite que os chefes convidados conheçam o ecossistema gastronómico e produtivo da Região e cria uma oportunidade única dos nossos Chefes locais poderem estar em contato intensivo com Chefes galardoados em contexto formativo e experiencial.

“A formação e a capacitação na área da restauração são fundamentais para elevarmos o nível da experiência de visitação da Região dos Açores”.

Como avalia a importância da formação na área da restauração na promoção da região?

Em consequência da alteração do perfil do turista que tem visitado os Açores nos últimos tempos, verifica-se um imperativo de pensarmos a oferta como a promoção de um momento memorável. A formação e a capacitação na área da restauração são fundamentais para elevarmos o nível da experiência de visitação da Região dos Açores. Queremos criar experiências sensoriais e envolventes através da restauração.

Eu refiro-me muitas vezes ao momento da refeição onde ativamos a memória. A nossa mente associa os paladares a ocasiões especiais ou a pessoas especiais. É isto que se pretende nos Açores. Que quem nos visite, associe imagens visuais a memórias sensoriais e que este sentimento de saudade, muito nosso, propicie a intenção e o desejo de regressar aos Açores. Fidelizar pela saudade.

Como carateriza os jovens empreendedores açorianos?

Os jovens açorianos têm, recentemente, mostrado muita apetência para o desenvolvimento dos seus próprios negócios. Diria que esta nova geração de empreendedores nos Açores é muito mais qualificada e preparada, fruto de um percurso académico superior, com a prevalência de jovens com mestrado e com o aumento dos doutorados, e ainda da especialização técnica através do ensino profissional e de nível IV, sobretudo.

Não obstante o setor primário ter ainda um peso relevante na criação de novos empresários, a verdade é que se nota um aumento exponencial em novas empresas nas áreas dos serviços e das tecnologias. Pelo contrário, prevalece ainda na sociedade açoriana a ideia de que fechar um negócio é um falhanço e alguns jovens podem ficar retraídos com a ideia de investir face ao receio de não terem sucesso logo na primeira tentativa.

Como avalia a evolução do setor empreendedor no arquipélago nos últimos anos?

Tem havido uma grande evolução no ecossistema empreendedor dos Açores e mais recentemente verifica-se muitos jovens a serem promotores do seu próprio negócio, investindo na valorização dos recursos endógenos e naturais, aproveitando as oportunidades da singularidade do nosso território, com uma relação direta, naturalmente, com o crescimento do turismo na Região.

Nos Açores, temos jovens empreendedores incríveis e a fazer a diferença em várias áreas de atividade. Dou três exemplos muito paradigmáticos. O João Rocha, jovem natural da Terceira é considerado um dos melhores barbeiros de Portugal e reconhecido em todo o mundo. A Paula Rego, Jovem das Furnas, criou um queijo extraordinário usando a água termal férrea das Furnas na sua salmoura e é reconhecido como um lacto que compete com os melhores queijos do mundo. A Cátia Laranjo é uma enóloga do Pico que lançou os Vinhos ETNOM e que são, sem dúvida, uma pérola vínica do Atlântico. Poderia enumerar uns quantos mais, mas estes são só três casos que exemplificam bem o ecossistema empreendedor que se vive na região.

“Quando olhamos para o Mundo verificamos que a instabilidade e a incerteza reinam na maior parte do Globo”.

Que argumentos podem os Açores usar para atrair empresas e investimento?

Fundamentalmente a qualidade de vida e a estabilidade. Quando olhamos para o Mundo verificamos que a instabilidade e a incerteza reinam na maior parte do Globo. Guerras, conflitos económicos, políticas ultranacionalistas e protecionistas, alterações climáticas, são só alguns exemplos do caos socioeconómico vigente.

Os Açores oferecem estabilidade fiscal e política, num clima de paz social e vivência coletiva saudável. A criminalidade é baixa e as condições de vida são favoráveis ao estabelecimento de projetos de vida pessoais e profissionais. Atraindo as pessoas, atraímos as empresas, porque será aqui onde haverá mais força de trabalho.

Por outro lado, temos excelentes infraestruturas digitais, conexões aéreas e marítimas facilitadas e uma posição estratégica pela centralidade atlântica. Tudo isto aliado a um clima ameno e às oportunidades do território, em áreas emergentes, como a economia verde, azul e espacial podem constituem fatores decisivos para que as empresas tenham sede ou atividade nos Açores.

Como fazer dos Açores um lugar com interesse estratégico nacional e internacional?

Garantir, sobretudo, a vanguarda na aposta em áreas emergentes, aliás como tem sido feito nos últimos anos pelo Governo da Região. Os Açores são centrais no Mundo. Ficam literalmente no meio do Atlântico Norte, entre o Continente Americano e Europeu e África e têm de se posicionar nas áreas que o diferenciam. Na sustentabilidade, através de uma transição verde da sociedade, na exploração do mar em termos extrativos, mas também científicos e de investigação e, na economia do espaço, por ocupar geograficamente um local privilegiado para o envio e recepção de vaivéns espaciais e para a monitorização do espaço profundo.

Na área do turismo, os Açores devem continuar a aposta de um turismo sustentável, inclusivo e cada vez menos sazonal. Os recentes números mostram uma forte crescida durante o ano inteiro no número e qualidade dos visitantes, o que denota um reconhecimento internacional do destino Açores.

“Outro handicap da região tem que ver com as qualificações e nível de escolaridade, sendo necessário investir na capacitação dos jovens e dos recursos humanos”.

Que melhorias existem a fazer nos Açores?

Como qualquer região ultraperiférica existem, naturalmente, constrangimentos associados à descontinuidade territorial e à condição insular, nomeadamente os sobrecustos nos circuitos logísticos e será cada vez mais premente superar estes obstáculos com criatividade e com a valorização dos produtos locais, apostando assertivamente na produção em menor escala, mas em qualidade superlativa.

Outro handicap da região tem que ver com as qualificações e nível de escolaridade, sendo necessário investir na capacitação dos jovens e dos recursos humanos.

Alguma das ilhas está mais bem posicionada para assumir um lugar de destaque neste trabalho de promoção dos Açores?

Não colocaria a questão pela individualização de alguma ilha em particular, mas pela aposta na criação de um sentido de “açorianidade” e de identidade coletiva da Região. O essencial será vender a marca “Açores” como um todo, complementar entre todas as Ilhas.

Na gastronomia, por exemplo, é fundamental alargar o conceito de produto local para a ideia de um produto dos Açores, que carrega em sim mesmo a singularidade das nossas Ilhas. O alho da Graciosa deve ser usado em todas as Ilhas, o Queijo de São Jorge é um ex-libris dos Açores e o Borrego de Santa Maria ou a lapa das Flores tem de estar na mesa dos restaurantes de todas as Ilhas.

Projetos para o futuro da AVEA?

Neste momento, o que queremos fazer é consolidar o projeto e sustentar os eventos já criados e melhorar o impacto da nossa ação no território. Por exemplo, queremos que o Week Food Lab seja uma oportunidade regular e contínua de formação em alta cozinha dos Chefes dos Açores e estamos já a pensar na segunda edição deste evento.

Para além da formação de base nível IV, a nossa prioridade passa por criar programas de formação on job, oferecendo cursos e formações à medida das necessidades específicas das empresas.

No Anfiteatro Restaurante Lounge queremos também solidificar o conceito de gastronomia sustentável, honesta, estreitando a ligação com fornecedores, produtores e transformadores com a intenção clara de constituir um espaço de referência na inovação gastronómica dos Açores.

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