Entrevista/ “O “não” e o “sim” são duas faces da mesma moeda”

António Sacavém, formador e autor do livro “Aprenda a dizer não”

Os portugueses são avessos ao risco e tendem a evitar o “não” como forma de se protegerem da rejeição. Quem o diz é António Sacavém que, em entrevista ao Link to Leaders, analisa os conceitos espelhados no seu recente livro “Aprenda a dizer não sem culpas”.

Como surgiu a ideia de escrever este livro?
Começou a sedimentar-se depois de constatar que a temática do “não-competente” surgia com alguma regularidade no coaching executivo que facilito, geralmente associado à liderança, à produtividade, à negociação, ao equilíbrio trabalho/família, à performance, à confiança, etc. A temática integra, também, o nosso curso de gestão de conflitos: como transformar o conflito em produtividade e o nosso programa de liderança. Pensei que um livro acerca do “não” poderia ser útil às pessoas, em especial, para as ajudar a libertarem-se da culpa que, frequentemente, lhe está associada e a aproximarem-se, simultaneamente, de um “sim” maior. Em liderança, nos mais diversos contextos, este processo é crucial.

Quais as mensagens chave do livro?
Costumamos dizer que “não é não”. Mas será que é assim tão fácil? Concordo que pode ser simples dizer “não” mas é mais desafiante dizer um “não-competente”, que nos permite manter focados naquilo que é essencial sem desrespeitar a relação com o outro. Por isso, em primeiro lugar, o livro ajuda os leitores a dizerem “não” ao acessório, para dizerem “sim” àquilo que é realmente importante nas suas vidas. Em segundo lugar, o livro ensina as pessoas a gerirem melhor o sentimento de culpa e ansiedade que o “não” pode trazer. Em terceiro, pretende inspirá-las a evitarem a manipulação logo num estádio inicial e, por último, a manterem uma relação saudável com o outro (se for o mais ecológico) depois de lhe terem dito que “não”.

Como se aplica o “não positivo”?
O “não-positivo” é um dos tipos do “não-competente” que tem a virtude de manter as pessoas focadas no seu objetivo, desejavelmente ao serviço de um bem maior, e ao mesmo tempo manter uma relação habilitadora com os outros. O não-positivo só pode existir se soubermos realmente aquilo que queremos. Por isso, é tão importante para os líderes. Repare, existem líderes que dizem facilmente que não, mas fazem-no sem empatia e competência, o que os leva a criar muito espaço entre si e a sua equipa, é o que designo no livro de “não-negativo”. Este deve ser evitado, pois confunde o comportamento com a pessoa e, por isso, geralmente, não apoia o crescimento dos colaboradores e a produtividade. Existem outros líderes que, por terem receio de desmotivar a equipa, dizem “sim” como uma fuga ao conflito, mas sabem que este comportamento não é o melhor caminho para a equipa ou para a empresa pois, invariavelmente, existem limites a serem traçados. O “não-positivo”, aquele que recomendo os líderes a explorarem com mais atenção, é um processo de três passos: Passo 1: inicie o diálogo de forma positiva e partilhe o quão importante é aquilo que está a fazer para benefício de algo mais abrangente; Passo 2: demonstre que entende aquilo que o outro sente e aquilo de que necessita no momento;  Passo 3: empenhe-se em descobrir com o outro uma ou mais soluções habilitadoras que tenham em consideração a sua necessidade de se manter focado naquilo que é realmente importante, sem descuidar aquilo que são os sentimentos e as necessidades dos outros.

O livro contém um conjunto de casos e exemplos práticos, em contexto profissional e pessoal, que o ajudarão a aplicar o “não-positivo” mais vezes e de forma mais competente. Porém, é a prática consciente do “não-positivo”, que contribui para aproximar o líder do caminho da excelência.

Existem líderes que têm muita facilidade em dizer um “não-competente” aos seus filhos e, depois, na empresa têm mais dificuldade, pois sentem que isso os pode afastar dos seus objetivos.

Quais os contextos onde é mais difícil dizer não? Por exemplo, é mais constrangedor dizer não na vida pessoal ou na vida profissional?
Existem líderes que têm muita facilidade em dizer um “não-competente” aos seus filhos e, depois, na empresa têm mais dificuldade, pois sentem que isso os pode afastar dos seus objetivos. Já acompanhei outros líderes que dizem o “não-negativo” na empresa com facilidade, por vezes com demasiada facilidade dado o diferencial de poder que por vezes existe entre líder e seguidor, e na sua vida pessoal têm mais dificuldade. Por isso, depende muito da experiência, da maturidade e da personalidade da pessoa. A mensagem principal é que não tem que ser constrangedor dizer um “não-positivo” e um “não-assertivo”, que são duas maneiras diferentes de dizer “não” de forma competente, pois apoiam o nosso crescimento e a qualidade da relação que estabelecemos com os outros.

Os portugueses sabem dizer não?
Somos uma cultura com imensas valências e é isso que a história nos ensina. Somos também tipicamente avessos ao risco e, por isso, em situações mais desafiantes, tendemos a evitar o “não” como forma de nos protegermos da rejeição. Uma das principais necessidades que o ser humano procura ativamente satisfazer é a de pertença. Fazer parte de um grupo, de uma tribo, é fundamental para as pessoas, seja no trabalho, no ginásio, no clube desportivo, na comunidade, na universidade, na igreja, etc.

Enquanto espécie, nunca fomos os mais altos, os mais rápidos ou os mais fortes, mas, porque aprendemos a unir-nos em tribos, somos aquilo que somos hoje. Ora, por vezes, não nos sentimos confortáveis em dizer “não”, porque sentimos que isso pode gerar conflitos e conduzir a uma eventual rejeição. O problema é que dizermos “sim”, quando queremos dizer “não”, pode gerar um outro conflito, o interno, que nos retira o drive para conquistarmos. Por outro lado, afasta-nos daquilo que é mais importante para nós, retira-nos o foco. Steve Jobs, o icónico antigo CEO da Apple, disse que: “Foco, é dizer não”. Warren Buffet, acerca do mesmo tema, disse que aquilo que separa as pessoas sucedidas das muito sucedidas, é que estas últimas dizem “não” a quase tudo na sua vida.

O “não-positivo”, ajuda-nos a satisfazer a necessidade de pertença (que é uma necessidade básica) e, em simultâneo, satisfazer as necessidades de crescimento, que apoiam o nosso processo de transformação pessoal e nos aproximam dos nossos sonhos, ao serviço de todos aqueles que nos rodeiam. Liderar é, acima de tudo, servirmos antes de nos servirmos, ajudarmos as pessoas a conectarem-se com o seu propósito e, por último, formarmos líderes desejavelmente melhores do que nós fomos. Para que tal aconteça, o líder é convidado a dar o exemplo e, em paralelo, a utilizar o “não-positivo” mais vezes, no decorrer da interação com os diversos stakeholders, e com cada vez mais competência.

 O “não-positivo” é um caminho para um “sim” maior, pois incita-nos a não trocarmos um objetivo de longo prazo, pelo prazer do momento.

Há alguma idade para se dizer não e para aprender a dizer não?
Acima de tudo é importante ensinarmos os nossos filhos que o “não” e o “sim” são duas faces da mesma moeda, que é o processo de tomada de decisão. Utilizar um e outro de forma competente e equilibrada, pode fazer a diferença nas suas vidas. Por outro lado, um “não-positivo” pretende ser um caminho para um “sim” maior. Gosto de recordar os meus filhos acerca do “efeito marchmallow”. Este efeito ensina-nos que é a gratificação adiada, que envolve a capacidade de saber esperar por aquilo que se deseja, que nos aproxima do sucesso.

Nos estudos de gratificação adiada, conduzidos nos anos 70 pelo psicólogo Walter Mischel, da Universidade de Standford, era oferecida à criança a possibilidade de ter uma pequena recompensa agora, um chocolate por exemplo, ou a possibilidade de receber uma recompensa melhor, por exemplo dois chocolates, se estivesse disposta a esperar algum tempo (ex.: 15 minutos). Basicamente, os investigadores concluíram que adiar a gratificação não é apenas uma parte importante da concretização do objetivo, mas também pode ter um grande impacto no sucesso ao longo da vida e no bem-estar geral. Vivemos numa sociedade que apela, insistentemente, à gratificação imediata. Quero o gelado, agora. Quero o tablet, agora. Quero, a nova playstation agora. Neste contexto, é crucial os pais apoiarem, progressivamente, os seus filhos, a desenvolverem o nível de confiança e maturidade que lhes permita desenvolver, de forma equilibrada, a competência de dizer “não” ao acessório e aos impulsos internos reativos. Na vida, as grandes conquistas implicam trabalho árduo, espírito de sacrifício, e capacidade de gerirmos o diálogo interno “distrator” que nos afasta da excelência. Nesta perspetiva, repito, o “não-positivo” é um caminho para um “sim” maior, pois incita-nos a não trocarmos um objetivo de longo prazo, pelo prazer do momento.

Considera que as empresas portuguesas ainda continuam a penalizar os funcionários que dizem não?Penso que os líderes, cada vez mais, querem estar rodeados de uma equipa diversificada, com diversas valências e perspetivas, e onde a comunicação entre as pessoas acontece num registo de maior autenticidade e abertura. Um líder maduro, no caminho da excelência, recebe um “não”, com a mesma qualidade de consciência que recebe um “sim”. Quer estar rodeado de pessoas que são melhores do que ele e cria o terreno fértil para que outros possam conduzir projetos de forma bem-sucedida e autónoma. A “birra” e a reatividade emocional, de uma forma geral, devem ser progressivamente transformadas em comportamentos mais habilitadores, como a manifestação da curiosidade e a capacidade para colocar questões poderosas, mesmo nos momentos mais difíceis. Isto se o líder pretende, realmente, fazer a diferença na sua equipa, na sua empresa, na sua comunidade e no mercado em geral.

Em muitas empresas ainda existe a cultura de que quem é disponível e raramente diz não é mais profissional. Concorda?
O ser disponível é uma coisa, o estar sistematicamente a desviar-se daquilo que é realmente importante, para lidar com o urgente, é outra. Nesta última situação, perde a empresa e perde a pessoa. Cria-se uma dinâmica perder-perder. Através do “não-positivo” e do “não-assertivo” as pessoas podem valorizar-se profissionalmente e, em simultâneo, manter relações positivas e saudáveis com a liderança, com os pares e com a sua equipa. Mais, o equilíbrio trabalho/família tende a melhorar, pois permite-lhes exercer a sua liberdade e poder de escolha com mais competência e sem se prejudicarem profissionalmente. Sabemos, hoje, que o equilíbrio trabalho/família, apoia a produtividade e o bem-estar geral.

Se a pessoa não respeita a sua necessidade de criar limites, porque é que os outros a vão respeitar?

Que tipo de consequências se manifesta​ na vida de uma pessoa que não saiba dizer um “não”?
O sentimento de culpa é talvez a consequência mais imediata. A pessoa sente-se culpada porque disse que “sim”, quando queria dizer “não”, ou então, sente-se culpada porque disse que “não” ao outro e assume para ela própria que foi egoísta. Não tem que ser assim, e o livro oferece um conjunto de ferramentas para ajudar o leitor a dizer “não” sem culpas. Outra consequência negativa está relacionada com a dificuldade em ser respeitado. Se a pessoa não respeita a sua necessidade de criar limites, porque é que os outros a vão respeitar? No entanto, talvez a consequência mais nociva, porque é existencialista, seja a de morrermos, como disse Wendell Holmes, com a nossa “música” dentro de nós, ainda por tocar. Se não sabemos dizer que “não” na nossa vida, perdemos o foco sobre aquilo que é realmente importante. Daí, o “não-positivo”, ao contrário dos outros tipos de “não”, envolve sabermos claramente aquilo que é mais importante para nós, na fase da vida em que nos encontramos, e como sustentar a manifestação do nosso propósito, o significado maior que damos à nossa vida.

Curiosamente, um artigo recente da Harvard Business Review, indica que apenas 20% dos líderes sabem qual é o seu propósito pessoal, apesar deste estar associado a um aumento da performance nas organizações e a uma melhoria na qualidade de vida. No entanto, um estudo realizado pela Deloitte em 2014, revela que a geração Millennial pretende trabalhar para organizações com um propósito, o que estimula a liderança a compreender de que forma o seu propósito pessoal está alinhado com o da empresa.  O livro apoia os leitores, através de um processo acessível, a articularem o seu propósito, a definirem os objetivos mais importantes, em cada momento, e a construírem a força interior para prosseguirem com o plano de ação que definiram. Este processo é essencial ao “não-positivo”. Todos podemos aprender a dizer um “não-competente”, se decidirmos praticá-lo conscientemente, no nosso dia a dia. E quando sentir que o processo do “não” correu menos bem, lembre-se de dizer a si próprio: eu não faço erros, os erros é que me fazem a mim.

O que devemos fazer para dizer não no local de trabalho sempre que é necessário?
No caso do “não-positivo” somos estimulados a utilizar os três passos acima mencionados. No caso do “não-assertivo” que, por exemplo, contribui para evitar a manipulação num estado inicial, é importante deixarmos clara a nossa posição e partilharmos os nossos limites de forma respeitosa sem, no entanto, os impormos aos outros. O livro contém diversos exercícios que facilitam a aplicação dos diversos tipos de “não”, no nosso dia a dia.

Como coach, abord​a​ este tema nas suas ações de formação? ​Qual a reação geral a esta questão de dizer “não”?
Sim, enquanto formador, o tema é abordado, sobretudo, nos cursos relacionadas com gestão de conflitos e produtividade e, também, liderança. A reação é muito positiva porque as pessoas não estão habituadas a refletir sobre questões essenciais. Tomam o “não” e o “sim” como algo corriqueiro e que acontece de forma quase espontânea no decorrer de uma conversa. Quando decidem aprofundar e compreendem que existem diversos tipos de “não”, e refletem sobre o potencial que estes têm, tanto para as aproximar como para as afastar daquilo que é mais importante para as suas vidas, geralmente existe uma tomada de consciência. O “não”, nas nossas formações, é encarado, sobretudo, como um caminho para um “sim” maior.

Nas sessões de coaching individual, quando um líder chega e pretende trabalhar a sua capacidade para estabelecer limites, porque sente que não é respeitado pela sua equipa, este é um tema que pode ser relacionado com o “não-assertivo”. Quando outro executivo traz para as suas sessões o tema da falta de empatia e menor capacidade para criar laços afetivos com a equipa, pode chegar à conclusão que usa abusivamente do “não-negativo”. Quando um CEO traz o tema da falta de foco e da baixa produtividade, pode no decorrer da sessão tomar consciência da associação que existe com o “não-positivo”, neste caso, a necessidade de desenvolver esta competência. E por daí em diante. As implicações, geralmente, são muito positivas.

Alguma vez passou por esse constrangimento de dizer não? Como conseguiu dar a volta à questão?
Sim, sem dúvida. No livro até dou um exemplo prático que efetivamente me aconteceu. Aprender a dizer um “não”, e também um “sim”, de forma cada vez mais competente e com presença, é um processo que tem sempre um nível seguinte. A repetição consciente é a mãe da competência. Escrever este livro, como deve imaginar, implicou dizer muitos “nãos” a algo acessório no momento, com a expetativa que esta empreitada pudesse servir e ser verdadeiramente útil às pessoas. No fim, observo que esses “nãos”, nalguns casos, até trouxeram para as minhas relações, mais maturidade, autenticidade e liberdade. Dizer um “não-positivo” é, sobretudo, um caminho para um “sim” maior.

 

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