Opinião

Vamos falar um pouco de finanças? (III)

Tiago Rodrigues, economista e gestor

“Com as taxas de inflação e de juro a subirem de forma rápida e significativa, multiplicam-se as mensagens nos media: “amortize o seu crédito” ou “negoceie uma taxa fixa com o seu banco”, diz-se. Parece-me que quem o afirma não deve saber fazer contas ou então do que está a falar.”

 A difícil conjuntura económica que o mundo atravessa tem merecido algum destaque nos media, com as agora muito faladas taxas de inflação e de juro a ocuparem parte do tempo de antena.

Tratando-se de “taxas”, coisa boa não são.

A inflação representa o aumento do custo dos bens e serviços, ou, vista de outra forma, a desvalorização do dinheiro contra essas coisas, na medida em que uma certa quantia de dinheiro vai permitindo adquirir um cada vez menor número de coisas.

Já o juro representa o custo do dinheiro, pelo que quem o pede emprestado, recorrendo a um crédito, terá de suportar o respetivo encargo financeiro.

Com a forte subida da taxa de inflação nos últimos meses, os bancos centrais – os mesmos que imprimiram dinheiro de forma massiva ao longo dos últimos anos, um dos catalisadores da elevada inflação – apressaram-se a aumentar as taxas de juro, visando o abrandamento do consumo e, com isso, a desaceleração e normalização do preço dos bens e serviços.

Diz-se que uma má notícia nunca vem só e a uma desvalorização do dinheiro estimada em 10% só este ano, junta-se o aumento do custo do mesmo para um nível que poderá vir a atingir os 3% a 4% ao ano, uma novidade, admito, para muitos dos que têm créditos contratados.

Está dado o mote para a exploração deste assunto pelos media, com os habituais lugares comuns, aconselhando as pessoas e famílias a negociar uma taxa fixa e/ou a amortizar antecipadamente os seus créditos, nomeadamente os contratados para aquisição de habitação. Até o Governo aprovou medidas de incentivo a este respeito.

Assumindo, como creio ser o caso, que tais conselhos visam a proteção e a segurança financeira das pessoas e famílias, não posso deixar de pensar que quem os produz não deve saber fazer contas ou então do que está a falar.

Num momento de incerteza económica e financeira como o que atravessamos, importa, acima de tudo e a meu ver, privilegiar a liquidez financeira no imediato (curto-prazo) das pessoas e famílias e não me parece que aqueles conselhos contribuam (primordialmente) para isso.

Em relação à fixação da taxa de juro, o momento para o fazer há muito que passou e quando voltar – se voltar – será provavelmente o momento de usufruir de apetecíveis taxas variáveis, à semelhança dos últimos anos. Fixar agora uma taxa de juro – se isso ainda for possível – diminuirá a liquidez financeira no imediato, não sendo certo que a beneficie no longo-prazo.

Quanto à amortização antecipada de créditos, ainda que tecnicamente tal até possa fazer sentido em determinadas circunstâncias (isso daria conteúdo suficiente para um outro artigo), prejudicará inequivocamente a liquidez financeira no imediato, pese embora contribua para a redução dos encargos financeiros futuros.

Imaginemos uma família com um crédito de 200.000€, prazo de pagamento de 25 anos e taxa de juro variável indexada à Euribor com margem (spread) de 1%. Até há poucos meses esta família pagava uma prestação mensal na ordem dos 700€, situando-se atualmente nos 1.000€, podendo subir aos 1.150€, caso a Euribor atinja o patamar de 4%.

O aumento na prestação mensal já ascende a 300€ (+40%), podendo atingir os 450€ (+65%), ao qual há que somar a subida do custo de vida em geral, pelo que não é de excluir que esta família venha a estar sujeita a um esforço financeiro significativo nos próximos meses.

Admitamos, por hipótese, que esta família disponha de uma poupança de 50.000€. Esta verba será suficiente, no cenário de taxa de juro mais adverso, para pagar um total de 42 prestações mensais do crédito…três anos e meio! Ou para absorver integralmente o impacto do aumento das referidas prestações durante mais de 100 meses…mais de oito anos! Já a sua utilização na amortização antecipada do crédito, permitirá reduzir apenas parcialmente o aumento da prestação mensal.

Assim, com a expectável pressão financeira para as famílias associada ao aumento do custo de vida, em geral, e das prestações de créditos à habitação, em particular, fará algum sentido abdicar de uma eventual poupança acumulada (para quem tenha esse privilégio), para reduzir, de forma limitada, o impacto da subida da taxa de juro? Generalizando, não (aceitando que esta resposta não será universal).

Existem múltiplas formas, mais ou menos intuitivas ou complexas, para melhorar a liquidez financeira, sendo que no que aos créditos contratados concerne apenas vejo duas maneiras de o fazer: por via do aumento do prazo de reembolso (se viável) ou por um acordo de carência de pagamento por um determinado período, ambas as opções, todavia, com um aumento dos encargos financeiros futuros.

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Tiago Rodrigues

Tiago Rodrigues

Tiago Rodrigues conta com mais de quinze anos em funções de gestão e administração em empresas de energia, infraestrutura, turismo e imobiliário e oito anos como consultor, com experiência de vida, profissional e académica em Portugal, Brasil, Reino Unido e EUA. Concluiu um programa de liderança em Harvard, uma pós-graduação em finanças, uma licenciatura em economia e um bacharelato em contabilidade e administração. Foi palestrante em dezenas de eventos de negócios na Europa e em programas de universidades portuguesas. Gosta... Ler Mais..

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