Opinião
Não deixar descarrilar a ferrovia

Todos temos consciência do potencial transformador do investimento na ferrovia. A necessidade, por um lado, de reduzir as emissões de gases com efeito de estufa e, por outro, de melhorar quer a mobilidade no interior do território, quer as ligações à Europa fazem da ferrovia um fator crítico de desenvolvimento do país.
Aliás, o Governo assumiu a modernização da rede ferroviária nacional como um desafio estratégico. E o ex-ministro das Infraestruturas e da Habitação, Pedro Nuno Santos, parecia, de facto, considerar a ferrovia uma prioridade política. Mas, entretanto, abandonou a pasta e a sua saída levanta incertezas sobre a execução do programa Ferrovia 2020. Com a TAP a viver dias de grande efervescência e a questão do novo aeroporto por resolver, o novo ministro João Galamba poderá ter de centrar as suas atenções no transporte aéreo, e não tanto no transporte ferroviário.
Esperemos que assim não aconteça, dado que a ferrovia constitui, sem dúvida, uma aposta de futuro. O transporte ferroviário é mais célere e confortável, está preparado para grandes volumes, tem menores custos logísticos e garante maior sustentabilidade ambiental. Neste sentido, a ferrovia é essencial à competitividade internacional do país e ao crescimento do seu setor exportador.
De resto, se olharmos para a História, verificamos que a introdução do caminho de ferro em Portugal, na segunda metade do século XIX, impulsionou fortemente o desenvolvimento socioeconómico do país e promoveu a sua coesão territorial. Mas, depois, seguiu-se um continuado desinvestimento na rede ferroviária, que apresenta hoje flagrantes debilidades estruturais.
As dificuldades financeiras sentidas pelo país, sobretudo a partir da crise das dívidas soberanas (2011-14), motivaram o encerramento de linhas e o cancelamento de projetos de modernização da ferrovia, designadamente o famigerado TGV. Enquanto isso, a generalidade dos países da UE desenvolveu sistemas de transporte ferroviário de última geração, que favorecem a mobilidade sustentável e a competitividade económica.
Lamentavelmente, também os investimentos do Ferrovia 2020 estão muito atrasados. A taxa de execução do programa é baixa, retardando a concretização de projetos verdadeiramente estruturantes para a nossa economia, como a linha de alta velocidade Porto-Lisboa (reduzindo o tempo de viagem para 1h15) e o corredor de mercadorias Sines-Badajoz, que implica a construção da ligação Évora-Elvas.
Está quase tudo por fazer: desde a revitalização da indústria ferroviária nacional ao saneamento financeiro da CP, passando pela estabilidade laboral nesta empresa, a renovação do material circulante, a modernização da rede ferroviária, a aceleração do projeto de alta velocidade e a retoma das ligações ferroviárias internacionais. E a pairar sobre tudo isto está o risco de perdermos os fundos comunitários para o desenvolvimento da ferrovia, caso os projetos não sejam iniciados a tempo.
Neste contexto, é fundamental que o entusiasmo que Pedro Nuno Santos demonstrava pela ferrovia não se perca com a troca de ministros. O desempenho ferroviário português é o terceiro mais baixo da Europa em 25 países, pelo que precisamos mesmo de arrepiar caminho e recuperar o tempo perdido. Para isso, é necessário que o Ministério das Infraestruturas acelere os projetos e investimentos previstos para a ferrovia e, tão ou mais importante, que o Ministério das Finanças esteja disposto a garantir o respetivo financiamento público.