Opinião

Valorizar a Escola-Empresa

Carina João Oliveira, membro da direção da Associação Portugal Agora*

Centrar o objetivo de uma escola num conceito de empresa, chega a parecer ficção científica neste país. E não estou a falar nem de equipamentos nem de tecnologias, porque essa é apenas a parte em que falamos de ferramentas. E uma escola é mais, tem de ser mais, que as ferramentas com que opera.

A aproximação das escolas às empresas é um conceito que começa a despertar por cá no debate público, sobretudo em tempos de escassez de recursos e como grito de alerta das próprias empresas, que se viram para as escolas na tentativa de ver as necessidades das suas áreas cobertas.

Tenho referências destas permanentemente, em áreas absolutamente fundamentais para a sociedade, como a construção por exemplo. Diziam-me há uns tempos: não tenho nenhum encarregado com menos de 50 anos, não consigo formar ninguém para os substituir.

Este ciclo natural nas empresas está colocado em causa com o problema demográfico agravado que temos. Não havendo por cá, as portas abriram à imigração, mas a imigração substitui em número, não colmata em conhecimento, know-how e cultura de empresa. Coisas que levam tempo e etapas próprias.

Adequar as necessidades das empresas à formação de profissões qualificadas para as mesmas, tem sido um encontro muito difícil de conseguir.

Não somos o único país que se debate com isto, mas somos provavelmente o país mais lento a reagir. Temos um sistema de ensino nacionalizado e perfeitamente estatizado, muito por culpa da desvalorização social a que o ensino profissional tem sido vetado e pelas opções políticas no sentido da uniformização do ensino. Nada mais errado.

Países como a Alemanha por exemplo, têm um sistema dual perfeitamente instituído que combina salas de aulas com qualificação em empresas. Suíça com taxas na ordem dos 70%, Finlândia idem, entre muitos onde o percurso se faz independentemente de se prosseguir para uma etapa universitária.  Não podemos falar de baixa escolaridade nestes países, pois não?

A França percebeu o desafio de começar cedo e de forma geral, e vai reformar o ensino. O Plano 2030 francês destaca de forma concreta que “a soberania industrial, digital e energética exige colocar o ensino secundário profissional no centro dos desafios formativos e repensar os percursos dos alunos do ensino secundário.”

Todo o panorama europeu se debate com as mesmas preocupações, sobretudo a valorização social de escolas que ensinam profissões.

Esta discussão é absolutamente necessária, mas implica falar de uma reforma muito profunda no paradigma das opções e dos investimentos. Esqueçam tudo o que de forma primária se digladia entre “esquerda/direita” ou “público/privado”. Para enfrentar este desafio de forma séria e concreta temos que colocar muita coisa em causa. E não falo só das escolas (onde falta tudo). Quantas empresas têm tempo, paciência e vocação, para acompanhar alunos, pedagogicamente, por curtos períodos de tempo? E quantas empresas estão ali ao lado da escola onde nem seja preciso transporte? É deste desfasamento de país que falo.

A maioria dos alunos tem contacto com práticas simuladas ou contexto de trabalho numa fase muito tardia do percurso. O velho adágio “de pequenino se torce o pepino” tem uma raiz de sabedoria que não é despicienda, pese embora a falta de atualidade da agricultura. Mas se o transformarmos pode ser que ilustre melhor: quanto mais cedo houver insights técnicos maior será a expertise futura.

Para esta relação Escola e Empresa ser efectiva, há que se começar por algum lado, mas há, sobretudo, que começar…

*E diretora executiva da Insignare


Carina João Oliveira é Engenheira Civil com grau atribuído pela Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra pré-Bolonha, com uma pós-graduação em Gestão e Liderança pela AESE Business School.

Exerce o cargo de diretora-executiva da Insignare, Associação de Ensino e Formação, entidade proprietária da Escola de Hotelaria e Turismo de Fátima, da Escola Profissional de Ourém, entre outras áreas funcionais de serviços e formação empresarial. Em 2019 foi eleita interpares europeus como Secretária do Comité Executivo do EfVET – European Forum of Technical and Vocational Education and Training, sedeado em Bruxelas, a representante europeia de escolas e empresas de Formação Profissional.

Encabeçou um projeto piloto da Comissão Europeia com a União Africana, para abertura do Erasmus do Ensino Profissional a África – SAAM, tendo por isso tido várias representações internacionais para implementação do sistema, nomeadamente no Quénia, Cabo Verde, Angola, Camarões, Nigéria e Bruxelas, sendo um projeto em curso e que engloba ainda mais 17 países africanos.

É membro efetivo da Ordem dos Engenheiros, eleita membro da Assembleia Nacional de Representantes para o mandato 2022-2025, tendo no mandato 2019-2022 sido eleita vogal do Colégio Nacional de Engenharia Civil.

Teve grande parte da sua atividade profissional nas Infraestruturas de Portugal, cujo último cargo exercido foi como Gestora da unidade de Estudos e Estratégia no Departamento de Marketing Estratégico. Exerceu o cargo de Gestora Operacional nas Estradas de Portugal. Foi deputada efetiva e em exclusividade ao Parlamento português nas XI e XII legislaturas eleita pelo círculo de Santarém, onde esteve como membro efetivo das comissões de Economia e Obras Públicas e Negócios Estrangeiros e Comunidades, bem como em 2 comissões de inquérito. Foi a coordenadora da área Logística e Transportes do Programa Parlamento-Empresas do FAE (Fórum de Administradores de Empresas), programa sobre o qual foi editado um livro apresentado em Lisboa, 2014.

Conta com prémios e distinções nos cargos por onde passou, sendo reconhecida nacional e internacionalmente por projetos que liderou. Já como diretora-executiva viu reconhecido o projeto educativo que liderou, pelos Hospitality Education Awards como “Best Educational Project” em 2020, e em 2021 com a distinção de “Best I&D” na categoria inovação em Turismo, entre outras distinções nacionais e internacionais nos projetos que liderou. Foi fundadora do Think-Tank Portugal Agora!

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