Entrevista/ “Na próxima década poderemos ver um aumento significativo na participação das mulheres no setor científico”

“É importante enfrentar e eliminar as barreiras sistémicas e preconceitos que podem desencorajar as mulheres de seguir carreiras em campos de STEM”, afirma Maria Oliveira, diretora de negócios da UPTEC.
“Seria importante que se invista mais em campanhas e programas que promovam a importância da participação das mulheres na ciência e tecnologia, e que sensibilizem a sociedade para a necessidade de igualdade de oportunidades para todos, independentemente do género”. A opinião é de Maria Oliveira que desafiamos a falar – hoje que se assinala o Dia Internacional das Mulheres e Raparigas na Ciência – sobre o papel das mulheres na ciência. A responsável pela área de negócios da UPTEC – Parque de Ciência e Tecnologia da Universidade do Porto, onde 24% das start-ups são criadas por mulheres, destaca “a capacidade das mulheres de liderar e inovar, promovendo a translação da investigação para o mercado”.
Assinala-se hoje o Dia Internacional das Mulheres e Raparigas na Ciência. Enquanto responsável pela área de negócios da UPTEC, que avaliação faz do papel das investigadoras/empreendedoras que integram o vosso portefólio de incubadas na dinamização do ecossistema nacional?
É inegável que a diversidade e a inclusão na indústria científica e tecnológica contribuem para um ecossistema de inovação mais forte, resiliente e com maior capacidade de adaptação. A crescente participação das mulheres permite incorporar perspetivas e abordagens distintivas e são imprescindíveis para alcançar soluções equilibradas e inclusivas. Isso pode levar ao desenvolvimento de novas tecnologias, produtos e serviços que atendam melhor às necessidades de uma ampla gama de clientes, incluindo aqueles tradicionalmente sub-representados na indústria de tecnologia.
Alguns exemplos de start-ups da UPTEC criadas por mulheres vindas da academia, como a FastInov, AgroGrIN Tech, Bandora Systems, Corium Biotech e Didimo, entre outras, destacam a capacidade das mulheres de liderar e inovar, promovendo a translação da investigação para o mercado. Estas empreendedoras demonstram a importância da presença de mulheres na liderança e inovação, e são exemplos para outras mulheres que procuram seguir carreiras na ciência e tecnologia.
No entanto, ainda há espaço para melhoria, pois apenas 24% das start-ups da UPTEC são criadas por mulheres. Existe ainda uma desigualdade persistente no acesso das mulheres a oportunidades de carreira que lhes permitam assumir posições de liderança, na indústria em geral e no setor tecnológico em particular, e é importante continuar a trabalhar para remover obstáculos, quebrar preconceitos e promover a igualdade de género em todas as áreas científicas e tecnológicas.
Que características/ potencialidades encontra nas mulheres cientistas que as distingam da forma como os homens encaram a atividade científica?
Não sou da opinião que existam características eminentemente masculinas ou femininas na abordagem à atividade científica ou na criação de uma start-up. Além disso, é importante destacar que a ciência é uma atividade humana e, assim como em qualquer outra área, as pessoas são únicas e trazem pontos de vista distintivos que resultam da sua vivência, contexto cultural, personalidade e experiência. É fundamental reconhecer e valorizar a diversidade individual em vez de fazer generalizações sobre grupos de género.
Uma vez que a UPTEC assumiu como a missão de ligar a academia ao mundo empresarial, como tem sido a performance feminina da universidade neste processo de transformar ideias académicas de investigação em potenciais negócios?
A UPTEC tem procurado promover ativamente o debate e a consciencialização da sua comunidade para a importância da diversidade e da inclusão. Não poderia ser de outra forma, pois apoiamos por ano mais de 200 projetos, entre os quais mais de 32 empresas estrangeiras, com 2100 colaboradores de 37 nacionalidades. Destes colaboradores 34% são mulheres.
A nível da própria estrutura da UPTEC existe a preocupação em assegurar a paridade de género, sendo a Direção constituída maioritariamente por mulheres (66%) e com representatividade na equipa de 50%. Temos orgulho da nossa comunidade diversa e multidisciplinar, um ambiente aberto para todos arriscarem, aprenderem e criarem negócios responsáveis.
Ainda assim é preciso fazer mais sendo um dos grandes desafios dar visibilidade a este tema, pela sua inclusão entre os principais indicadores que medem a competitividade, inovação e potencial empreendedor de um ecossistema, região ou país. Não podemos atuar e melhorar sobre aquilo que não medimos e desconhecemos.
“(…) temos uma boa representatividade de áreas de conhecimento nos negócios criados e liderados por mulheres na UPTEC”.
No caso da universidade do Porto, e por inerência na UPTEC, em que áreas do conhecimento (biomédicas, biologia, matemática, química, neurociências…) as mulheres têm tido mais destaque?
Embora seja necessário continuar a promover o empreendedorismo feminino para conseguir atingir a tão desejável paridade, temos uma boa representatividade de áreas de conhecimento nos negócios criados e liderados por mulheres na UPTEC. Desde biotecnologia com a FastInov e a Corium Biotech, às áreas criativas e culturais com foco na arquitetura, com a Galula, Frenesim e a Rosmaninho e Azevedo, a Inteligência Artificial, Machine Learning e dados como a DiDiMo, Defined.ai e Bandora Systems, apenas para citar alguns.
Estes projetos destacam a criatividade e a capacidade empreendedora das mulheres na UPTEC e inspiram outras mulheres a seguir os seus sonhos e a criar novos negócios.
Regra geral, o universo da ciência ainda é maioritariamente masculino. O que falta fazer para atrair e sensibilizar mais as jovens para este setor, para o papel que podem ter no desenvolvimento cientifíco?Acredito que na próxima década poderemos ver um aumento significativo na participação das mulheres no setor científico e tecnológico assim como na criação de novas empresas, graças a esforços já em curso para fomentar a inclusão e a diversidade.
Por exemplo, é importante enfrentar e eliminar as barreiras sistémicas e preconceitos que podem desencorajar as mulheres de seguir carreiras em campos de STEM. Começar desde cedo nas escolas com o acesso a modelos femininos de sucesso nas áreas e setores empresariais, tradicionalmente ocupados por homens, como seja o domínio político, computação, espacial, etc.
Encorajar oportunidades de mentoria e networking que possam ajudar a construir uma comunidade de apoio, corrigir assimetrias no acesso a capital de risco, que é ainda predominantemente gerido e captado por homens, e aumentar a sua confiança em criar uma empresa de base tecnológica.
Por fim, seria importante que se invista mais em campanhas e programas que promovam a importância da participação das mulheres na ciência e tecnologia, e que sensibilizem a sociedade para a necessidade de igualdade de oportunidades para todos, independentemente do género.
*UPTEC – Parque de Ciência e Tecnologia da Universidade do Porto