Entrevista/ “Os restaurantes pensavam que nós eramos da ASAE”
A entrada da Zomato em Portugal começou com uma chamada de Miguel Ribeiro, em pleno Bairro Alto, a um dos cofundadores do serviço de pesquisa de restaurantes. Conheça a história, o caminho percorrido e os projetos futuros nesta entrevista do Link To Leaders ao homem à frente da plataforma de eleição dos foodies portugueses.
O projeto Zomato Portugal começou há cinco anos com uma chamada telefónica de Miguel Ribeiro para Deepinder Goyal, cofundador e CEO da empresa internacional. Desde então, a plataforma de pesquisa de restaurantes e a comunidade à sua volta elevaram a fasquia dos serviços de restauração portugueses, prezando não só pratos mais bem confecionados, como também um atendimento mais profissional.
O crescimento tem sido exponencial e ainda ontem a Zomato internacional fechou uma nova ronda de investimento de 180.5 milhões de euros com a Alipay Singapore, uma spin-off da gigante de ecommerce chinesa Alibaba. Esta foi a segunda ronda de investimento fechada em 2018 pela plataforma indiana, totalizando, assim, mais de 350 milhões de euros recebidos.
Como é que começa a sua história na Zomato?
Ajudei no lançamento da Best Tables há uns anos [plataforma que foi adquirida pelo TripAdvisor]. Entretanto, passado algum tempo, decidi dar um salto diferente e tentar abrir a minha própria empresa na área do marketing da restauração. Na altura, a outra empresa estava encaminhada, as coisas estavam relativamente bem, portanto, senti que o meu trajeto ali já tinha sido feito e que estava na altura de procurar outra coisa.
Numa viagem de comboio entre Cascais e Lisboa, em que estava a falar num chat com um colega, disse-lhe que estava à procura de parceiros para Portugal e ele falou-me do Zomato. Eu, que já tinha estado com um dos fundadores do Zomato há alguns anos, disse-lhe “sim, parece-me uma boa altura para os contactar outra vez”. Mandei uma mensagem no LinkedIn [ao cofundador] e cinco minutos depois recebo a uma resposta a dizer que podíamos fazer uma chamada via Skype. A caminho do meu escritório, antigo fiz uma ligação Skype no meio do Bairro Alto e expliquei-lhe o que queria fazer: abrir uma agência de marketing digital para a restauração porque achava que havia uma lacuna muito grande em Portugal, que estava em plena crise, mas achava que esta área ainda era um setor importante para nós e que havia muita necessidade de formação e até passar por esta fase.
E ele responde-me, nestas exatas palavras, “Miguel, deixa-te de coisas, larga lá os teus projetos e junta-te a nós. O que achas de vires para a Índia durante seis meses a um ano?”. Imediatamente disse-lhe que sim porque tudo aquilo que ele me tinha dito fazia muito sentido. Depois é que me lembrei que sou casado, tenho filhos e uma série de responsabilidades, mas já tinha dito que sim e, portanto, ia.
Foi um projeto que caiu do céu. O Deepinder [Goyal], CEO e fundador, diz muitas vezes que não foi ele que me contratou, mas que eu é que me contratei porque senti a necessidade de ter a Zomato na Europa.
Quando cheguei à Zomato tínhamos apenas um investidor. Só estávamos presentes em dois países e estávamos em plena negociação para novas fases de investimento. Eu entrei em outubro e em novembro conseguimos negociar com a Sequoia Capital – já comigo presente nessas reuniões – os primeiros 37 milhões de dólares [≈32M€]. E aí começámos a pensar que tínhamos de expandir e olhar para a Europa. Então pensámos em Portugal e vim para cá.
Para além de country manager em Portugal, é head of growth para a Europa…
Sim, sendo que para a Zomato a Europa é tudo o que é da Turquia para este lado, África do Sul e América Latina. Só não tomo conta dos Estados Unidos e Canadá porque isso é tratado pela Índia.
…um dos erros que cometemos: quisemos crescer muito rapidamente e uma pessoa não se consegue desdobrar. O desfoque é algo que afeta o negócio de uma forma brutal.
Como é que há tempo para fazer isto tudo?
O tempo já foi mais reduzido porque antigamente estava muito mais envolvido em tudo o que eram operações na Europa. Tínhamos novos escritórios abertos na Europa. Daqui, de Portugal, lançámos nove países e 13 cidades, portanto temos muita experiência em tudo o que sejam lançamentos de internacionalização. Eu fazia a gestão desses escritórios. Aí sim, era muito difícil ter tempo para desenvolver o trabalho em Portugal. Testar novas coisas em Portugal e ainda gerir os outros escritórios que, apesar de terem country managers, reportavam a mim.
No final de 2016, decidimos fechar esses escritórios todos e centralizar tudo em Lisboa. Ou seja, fazemos a gestão remota dos outros países a partir de Portugal. Desta forma, tenho tido muito mais tempo quer seja para testar, lançar, criar estratégias e até fazer implementações noutros países. E acho que esse foi um dos erros que cometemos: quisemos crescer muito rapidamente e uma pessoa não se consegue desdobrar. O desfoque é algo que afeta o negócio de uma forma brutal.
aquilo que fizemos em Portugal é a receita indicada para a expansão para outros países.
Se tivessem oportunidade, o que é que alteravam na expansão depois da ronda de investimento?
Lógico que naquela altura não sabíamos que íamos ter novas rondas de investimento. Sempre que fechamos uma ronda pensamos que vai ser a última. Portanto, temos de fazer o máximo que conseguimos com aquele dinheiro. E naquela altura sabíamos que tínhamos de dar um passo maior do que a perna – tínhamos de dar nas vistas e conseguir ter operações espalhadas pelo mundo.
Não pensámos foi nas consequências que aquilo poderia vir a ter. Fizemos a aquisição de uma empresa muito grande nos Estados Unidos – a Urbanspoon – que nos deu uma boa expressão na América do Norte, Austrália, Nova Zelândia e Reino Unido. Também fizemos aquisições na Europa Central: Polónia, República Checa, Eslováquia e Itália. [Com isto,] houve um clash de culturas porque o que devíamos ter feito era comprar as empresas, fazer-lhes um reset e colocar lá pessoas nossas e fazer o drive da cultura Zomato. Mantivemos algumas pessoas das empresas antigas e houve uma colisão de culturas que nos custou dinheiro, tempo e foco.
Mas acho que era necessário cometermos os mesmos erros porque se não os cometêssemos naquela altura, se calhar íamos cometer agora e ia-nos custar muito mais caro. Portanto, acho que foi uma fase de aprendizagem muito boa. Já sabemos exatamente o que temos de fazer: aquilo que fizemos em Portugal é a receita indicada para a expansão para outros países. Um country manager no local, uma equipa contratada por essa pessoa, uma relação local com toda a comunidade da área da gastronomia, média, etc., e assim conseguimos crescer e ganhar estrutura. Agora, fazer uma aquisição porque achamos que têm tráfego não é boa ideia. Isso não é um shortcut que funcione – pelo menos para nós não funcionou. É um negócio muito relacional e cultural para basearmos todas as nossas decisões em tráfego. Não é isso que é o mais importante.
Em relação ao modelo de negócio da Zomato. Como é que implementam com eficácia o mesmo modelo para os vários países?
Temos fases. Quando fazemos uma implementação num país temos aquilo a que chamamos de “fase 1”, que é toda a parte de construção da marca, da imagem e do tráfego. Estabelecemos a empresa no país, fazemos crescer tudo o que sejam as comunidades, redes sociais, bloggers e a relação com os média e restaurantes. Ou seja, implementamos o nosso negócio e visibilidade nesta primeira fase.
Segunda fase: já temos o tráfego, a notoriedade, o brand awareness e aí sim, começamos a vender publicidade a um preço mais baixo. E ao longo do tempo, com o crescimento da relevância e do tráfego, vamos aumentando os preços e vamos introduzindo mais produtos – que também têm várias fases.
Temos o front office [numa primeira instância], ou seja, tudo o que seja atrair pessoas para dentro do restaurante, como a visibilidade, posicionamento e gestão de reservas. E depois temos a fase de implementação de tudo o que sejam POS [points of sale], gestão de stocks, pagamentos, etc.. Aqui começamos a entrar na parte operativa. Em Portugal, ainda estamos, na primeira fase.
Com a entrada do Zomato Gold, um novo produto por subscrição, tentaram diversificar o modelo de negócio…
O Zomato Gold foi um produto desenvolvido e lançado pela primeira vez em Portugal. Daqui passámos para o Dubai e depois para a Índia. Tentámos trazer uma nova maneira de olhar para os descontos. Tentámos criar algum glamour à volta dos descontos e acho que estamos a ter algum sucesso. As pessoas que apresentam o Zomato Gold já são reconhecidas como foodies, portanto, em muitos dos restaurantes os empregados já tratam estas pessoas de forma diferente porque quase com toda a certeza que vão escrever um review. Há aqui todo um engagement que funciona a favor do utilizador e do restaurante.
Quantas pessoas já aderiram a este novo produto em Portugal?
Estamos a chegar às 9000 subscrições. E repare, se fizermos um rewind, muitas vezes, eu e mesmo nós Zomato, dizemos que o cliente é o dono do restaurante e que nunca lhe íamos pedir dinheiro. Mas nesta fase achámos que se encaixa e que já podemos pedir dinheiro. Tem sido o produto que mais crescimento tem tido e temos tido bastante sucesso e os donos dos restaurantes estão cada vez mais a valorizar este serviço.
No entanto, houve, e ainda há, um estigma por parte dos restaurantes em relação às Groupons e empresas do género. Mas isso ficou para trás. Nesta nova era digital não queremos chamar a este produto uma área de descontos, mas sim de benefícios. Estamos a trabalhar, numa primeira fase, para dar benefícios ao utilizador, mas vamos também, muito rapidamente, começar a dar benefícios aos donos dos restaurantes. Se ele é subscritor Zomato Gold vai ter benefícios e parceiros Zomato também.
Que fatia é que a Zomato Gold já ocupa nas vossas receitas?
Em agosto estava a chegar aos 20% da nossa faturação.
Portanto, vocês passaram de um modelo de negócio relativamente tradicional, com a venda de publicidade na vossa plataforma, para um modelo que é utilizado pelas grandes tecnológicas, como o Spotify e a Netflix.
Toda a equipa executiva da Zomato acredita que as subscrições são o futuro para muitas coisas. Porque é que eu haveria de comprar um carro, uma televisão ou um computador – que eventualmente vão ficar desatualizados – se posso ter uma subscrição.
Eu acho que as subscrições vão fazer parte do nosso dia-a-dia num futuro muito próximo. Fazia sentido que nós também tivéssemos um serviço de subscrição para clientes muito direcionados e pessoas muito mais próximas da Zomato. Muitas vezes havia donos de restaurantes que nos diziam que queriam saber quem eram os clientes Zomato. Quem são aqueles heavy users que realmente escrevem. Esses utilizadores são os que estão subscritos à Zomato Gold, portanto, sempre que entram num restaurante identificam-se. Se o dono do restaurante souber trabalhar este produto vai ter benefícios altíssimos. Se ele sabe que aquela pessoa vai escrever, vai tratá-la melhor (apesar de o dever fazer com todos os outros clientes).
E quem são estas pessoas? Quem são os utilizadores típicos da Zomato?
Não há um típico utilizador, há vários. Há aqueles que usam só para pesquisa, ou seja, não escrevem nada, não tiram fotografias e não interagem. Depois temos aquelas pessoas que se servem da plataforma quando têm uma experiência melhor e escrevem ou tiram apenas uma fotografia. E depois há os heavy users, que são as pessoas que vão mesmo aos restaurantes e que comentam tudo ao pormenor.
Algo que nós temos visto, e que é giro, é que antigamente as pessoas escreviam de uma forma pouco cuidada, mas hoje são muitíssimo mais elaboradas. A qualidade das fotografias inseridas na plataforma são bastante melhores do que as que eram tiradas há três anos. Tem sido engraçado ver esta evolução no decorrer do caminho.
Temos de ser “donos e senhores” do mercado e sentir que somos a app mais relevante na cidade onde estamos.
Só estão disponíveis em Lisboa e Porto. Porque é que ainda não cobriram Portugal com a vossa plataforma?
Porque há alguma coisa que se mete sempre no meio, sendo que uma delas foi a Europa. E achamos que temos de atingir um certo nível de tráfego. Temos de ser “donos e senhores” do mercado e sentir que somos a app mais relevante na cidade onde estamos. E achamos que ainda há muito por fazer em Lisboa e ainda mais no Porto. Portanto, porquê lançar uma terceira cidade quando ainda não temos estas duas cidades no topo. É uma questão de foco. Tenho muita ambição para lançar outras cidades e vamos, muito em breve, começar a expandir as zonas onde nós estamos. O Porto ainda tem de crescer muito para os lados porque ainda só temos o centro da cidade. Ainda temos de nos introduzir em Matosinhos, Gaia…
Este verão quase que duplicamos a equipa e com isso já temos a capacidade de fazer esse crescimento. Agora, Portugal é um campo de testes. Estamos sempre a testar produtos e ideias novas. Eu já estive duas ou três vezes os planos elaborados para lançar Faro, mas depois há sempre qualquer coisa que aparece no meio. Tenho muita ambição e espero que em 2019 já consigamos – finalmente – começar a expandir para outras áreas geográficas.
Quais foram as grandes dificuldades da Zomato em Portugal?
Houve várias e cada fase tem as suas. Portanto, a primeira foi chegar a Portugal e ninguém nos conhecer. Os restaurantes pensavam que nós eramos da ASAE porque tirávamos fotografias e pedíamos os menus e tudo mais. Essa foi a primeira grande dificuldade.
Mas depois acho que tivemos sorte. As pessoas receberam-nos muito bem. Quando abrimos o conteúdo acho que havia uma necessidade para uma aplicação como a nossa. Já havia reservas online, mas não havia uma plataforma que fosse abrangente e tivemos muita sorte nesse sentido.
Tivemos muitas dificuldades em várias fases, como a fazer a primeira venda, a primeira parceria, mas acho que isso são as dores de crescimento de qualquer empresa.
Em Portugal, estamos numa fase de crescimento e de consolidação do negócio, de aprender qual é o produto certo para o ponto do mercado onde estamos…
Olhando para o futuro. Quais são os vossos planos?
Posso-lhe falar em duas visões diferentes. Em Portugal, estamos numa fase de crescimento e de consolidação do negócio, de aprender qual é o produto certo para o ponto do mercado onde estamos, porque pode fazer sentido nas Filipinas lançarmos o delivery, mas em Portugal pode não ser a altura certa. Temos de deixar o mercado amadurecer mais um bocado. A estratégia não é igual para todos os países. Temos timings diferentes para variadíssimos produtos.
Para Portugal, a estratégia neste momento é alargar, crescer a nossa base de clientes ativos, ou seja, de donos de restaurantes que utilizam os nossos serviços, de crescermos “estupidamente” a nossa base de reservas online e, a partir daí, decidimos o que lançamos primeiro. Vamos ver o que é que o mercado nos pede. Não podemos ter a arrogância de dizer “é isto que funciona em Portugal”. Temos de esperar que o mercado nos diga o que precisa, dentro das soluções Zomato que temos preparadas.
E fora de Portugal?
Fora daqui a nossa missão é muito clara: “better food for more people” e isto passa por uma consciencialização do cliente dono do restaurante do seu serviço e do alimento que está a pôr em cima da mesa. Portanto, a nossa visão a longo-prazo é tentar elucidar os empresários da área da restauração que temos de ter cuidado com aquilo que oferecemos ao cliente e com a forma como o servimos.
Temos alguns planos, projetos e estratégias já montadas, inclusivamente em Portugal, para ajudar o agricultor local a fazer crescer o seu negócio, a fornecer produtos orgânicos, quer seja a fornecedores em massa, quer mesmo a restaurantes. Queremos criar algumas plataformas de facilitação de flow desse processo.
Essa é a nossa ambição e missão e é algo em que estamos a trabalhar com muita força. Como é óbvio, aqui no meio, há um sentido de urgência e de missão muito grande da nossa parte que é também educar o dono do restaurante a tornar-se um pouco mais digital, a entender o quão importante é este canal para a sua área de negócio. Uma pessoa que faz um investimento num telefone que custa mais de mil euros e que usa uma app para escolher os seus restaurantes é um cliente extremamente valioso. Portanto, o nicho de mercado em que nós tocamos, os utilizadores da Zomato, é extremamente interessante. São pessoas mais informadas, que esperam mais dos restaurantes e que podem, ou não, ter dinheiro e disponibilidade para gastar. É extremamente importante que o dono do restaurante entenda o trabalho que fazemos nesse sentido e que alimenta cada vez mais essa cadeia.
*fotografia tirada por Luís Ferraz.