Opinião

Liderado: vítima ou cúmplice?

Sónia Jerónimo, cofundadora da GO IT Concept*

A liderança é um tema frequentemente abordado sob a perspetiva do líder, enfatizando as suas qualidades, ações, comportamentos e atitudes.

Hoje, com um título em tom de provocação “Liderado: vítima ou cúmplice?” convido-vos a refletir sobre a natureza da relação de liderança e a importância das atitudes e responsabilidades do liderado. É uma chamada de atenção para quebrar o paradigma de que apenas o líder é responsável pelo sucesso ou fracasso de uma equipa ou de uma organização, reconhecendo que o liderado também desempenha um papel essencial na conquista de resultados positivos.

A liderança é uma relação de duas vias, composta por dois atores principais, o líder e o liderado. O líder pode desempenhar o seu papel com excelência, mas se o liderado não assumir as suas responsabilidades, a dinâmica de liderança vai deteriorando-se e vai afetar negativamente a organização ou a equipa. Por isso, ao analisarmos o impacto da liderança no ambiente de trabalho, é crucial considerar também as atitudes e os comportamentos do liderado.

É amplamente conhecido que a má liderança pode levar à desmotivação e ao desprendimento dos liderados, contribuindo para as altas taxas de rotatividade nas empresas. Alguns estudos referem que, 80% das pessoas deixam as organizações devido à má liderança. No entanto, é válido questionar: e se parte dessa responsabilidade recair sobre o próprio liderado? Será que ele também pode ser classificado como um bom ou mau (liderado) no seu papel?

Um bom líder deve fornecer orientação, apoio e inspiração à sua equipa, mas é necessário que o liderado esteja disposto a receber esses elementos. A atitude e os valores do liderado desempenham um papel fundamental na relação de liderança. Um liderado com falta de atitude, descomprometido ou desinteressado não apenas prejudica sua própria produtividade, mas também afeta todo o ambiente de trabalho como um todo.

É essencial que o liderado esteja ciente também das suas responsabilidades e contribua ativamente para o sucesso da equipa. Ele deve demonstrar empenho, proatividade e envolvimento nas missões que lhe são atribuídas. Além disso, valores importantes, como a ética, o respeito, a colaboração, a cordialidade e a responsabilidade, devem fazer parte do comportamento do liderado.

Um bom liderado compreende que a liderança não é apenas de uma via, mas sim uma parceria colaborativa. O bom liderado procura constantemente melhorar as suas competências, aprimorar o seu desempenho e apoiar o líder e os colegas da equipa. Um bom liderado está aberto ao feedback, e é capaz de aprender com os seus erros e assume a total responsabilidade por todas as suas ações.

Por outro lado, um mau liderado tende a agir de maneira contraproducente, gerando atritos e conflitos no ambiente de trabalho. Ele pode resistir às diretrizes do líder, adotar uma postura defensiva, criar um clima de negatividade ou ser resistente às mudanças necessárias. Um liderado descomprometido muitas vezes procura apenas cumprir o mínimo necessário, sem se preocupar com o sucesso coletivo ou com a qualidade do trabalho realizado. Adotam comportamentos negligentes ou negativos, que prejudicam a relação de liderança. Isto pode incluir a resistência, a falta de compromisso, a deslealdade, o desrespeito pelos colegas da equipa ou ao líder, a falta de integridade e até a falta de ética profissional.

A falta de atitude por parte do liderado pode ser resultado de vários fatores, como a falta de motivação, a desconexão com os valores organizacionais, desafios pessoais ou insatisfação no trabalho. No entanto, é importante ressaltar que cada pessoa é responsável pelas suas próprias ações e comportamentos, independentemente das circunstâncias. 

A meu ver, uma liderança eficaz requer um alinhamento entre líder e liderado, com ambos os lados a assumir as suas responsabilidades com maturidade e cada um desempenhando o seu papel de forma adequada. Um liderado comprometido e responsável é capaz de influenciar positivamente os seus colegas de trabalho, criando um ambiente de colaboração e de alto desempenho. O liderado deve incorporar que o seu papel vai além de seguir meramente ordens, procurando constantemente novas formas de agregar valor, trazendo ideias inovadoras, assumindo responsabilidades extras e compartilhando o seu conhecimento com os seus pares e até junto dos lideres.

Acrescento que um bom liderado é aquele que desenvolve competências de auto-liderança, auto-motivação, auto-conhecimento e uma elevada capacidade de empatia. Hoje, um bom liderado, tornar-se-á amanhã, inequivocamente, um bom líder. Ele é capaz de se motivar, estabelecer metas pessoais e monitorizar o seu próprio progresso. Em vez de depender exclusivamente do líder para orientação e supervisão, o liderado assume a responsabilidade pelo seu próprio crescimento profissional, identificando as suas áreas de melhoria e oportunidades de aprendizagem e desenvolvimento, quer pessoal, quer profissional.

A relação entre líder e liderado é baseada na confiança e na reciprocidade. Um líder confia na capacidade e no compromisso dos seus liderados, delegando responsabilidades e empoderando-os para tomar decisões. Por sua vez, o liderado confia no líder, reconhecendo a sua expertise e valorizando as suas orientações.

Na minha opinião, a liderança é uma relação simbiótica em que tanto o líder como o liderado têm responsabilidades. Ambos desempenham um papel crucial no sucesso da organização como um todo. Um líder eficaz procura desenvolver os seus liderados, mas é responsabilidade do liderado abraçar essa oportunidade e fazer também a sua parte. Ele não deve ser apenas uma vítima passiva das circunstâncias ou das ações do seu líder, mas um participante ativo e consciente da dinâmica da organização. Um agente cocriador de um ambiente corporativo saudável, próspero e inovador.

Portanto, para se discutir liderança, é importante não apenas focar nas qualidades e ações do líder, mas também reconhecer a importância das atitudes e valores do liderado. Liderança é uma dança harmoniosa entre líder e liderado, na qual ambos têm a responsabilidade de contribuir para um ambiente de trabalho saudável, produtivo e inspirador.

Em conclusão, e ao refletir sobre o título “Liderado: vítima ou cúmplice?”, é importante reconhecer a complexidade e a responsabilidade compartilhada na relação de liderança. Embora seja fácil atribuir todo o ónus do sucesso ou fracasso ao líder, devemos lembrar que o liderado também desempenha um papel fundamental nessa dinâmica.

Ao se tornar um cúmplice, o liderado reconhece a sua influência e poder para contribuir para o sucesso coletivo. Ele entende que a liderança é uma parceria colaborativa, onde ambos desempenham papéis importantes. Em vez de se colocar na posição de mero recetor de instruções, o liderado assume a responsabilidade pelas suas ações, toma a iniciativa e encontra formas inovadoras de agregar valor à equipa. Porém, é fundamental reconhecer que nem todos os liderados são iguais, e alguns podem enfrentar desafios e obstáculos externos que dificultam o seu compromisso e desempenho.

Nesses casos, é papel do líder fornecer suporte, orientação, compaixão e compreensão e ajudar a construir um ambiente propício para o crescimento e desenvolvimento dos liderados, enquanto pessoas e profissionais. Ao assumir a responsabilidade pelas suas próprias ações e adotar uma postura de cumplicidade positiva, o liderado torna-se um agente de mudança e transformação, impulsionando a equipa em direção ao sucesso compartilhado e preparando o seu caminho para se tornar um bom líder!

*E Ambassador na Fábric@ Empreendedorismo Município de Seia

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