Entrevista/ “Há muitas mulheres que são potenciais business angels”

Cíntia Mano, diretora de Negócios na OilFinder e business angel

A Sifted identificou oito investidoras portuguesas que têm contribuído para dinamizar o panorama nacional. A Cíntia Mano, que é diretora de Negócios na empresa brasileira OilFinder e business angel, é uma delas. O Link To Leaders falou com a investidora sobre o crescimento da liderança feminina no ecossistema empreendedor em Portugal.

O talento nacional no ecossistema empreendedor também se faz no feminino. Que o diga Cíntia Mano, uma business angel que ajuda empresas a crescer em Portugal e no Brasil.

Cíntia Mano é membro da rede CORE Angels network, um grupo de business angels que investe em start-ups brasileiras em expansão para a Europa, e da REDangels, uma rede portuguesa de business angels. Esteve envolvida em mais de 25 investimentos nos últimos cinco anos. Cinco dessas start-ups tinham uma mulher na equipa fundadora.

A Sifted identificou-a como uma das mulheres que tem contribuído para dinamizar o panorama nacional.  O que tem a comentar sobre este reconhecimento?
Fiquei feliz por estar ao lado de outras mulheres tão ativas no ecossistema português. Mas ainda mais feliz pelo interesse da Sifted em falar sobre mulheres investidoras em Portugal. Penso que quanto mais falarmos sobre a atuação de mulheres em diferentes espaços, mais as mulheres jovens irão considerar diversos caminhos para si e mais os homens jovens não nos irão estranhar nesses caminhos. E isto é muito importante, não por fazer um favor às mulheres, mas para o benefício da economia e da sociedade.

É fácil ser-se business angel e mulher em Portugal?
Ser mulher não é fácil em nenhum lugar do planeta. Mas há países mais focados no combate às suas expressões de machismo. Cada país apresenta nuances próprias de acordo com aspetos culturais e históricos. E em Portugal isto não é diferente. Por outro lado, ser uma investidora anjo não tem sido difícil na relação com meus colegas anjos ou investidores em geral. Alguns inclusive percebem as dificuldades que enfrento e são verdadeiros parceiros. Neste ponto sinto-me completamente à vontade. Às vezes há alguma barreira pelo lado dos empreendedores. Não todos, claro, e cada vez menos, mas aqui e ali ainda se vê alguma surpresa ou estranheza.

Ainda há uma grande disparidade no nosso país em relação a mulheres business angels?
Sem dúvida. E acredito que há muitas mulheres que são potenciais business angels. Mulheres com experiência, com vontade de contribuir e capacidade de investimento, que na maioria das vezes não consideram a atividade de business angel por falta de informação ou por conta de alguns mitos. Precisamos de contribuir com informação e educação para que estas pessoas percebam que podem tornar-se anjos. Isto dinamizaria o ecossistema e traria maior representatividade.

“Portanto, além de educar as meninas para serem independentes e protagonistas nas suas vidas, precisamos de educar os meninos para serem pais e companheiros de verdade, pessoas domesticamente independentes”.

O que pode ser feito para melhorar a participação das mulheres no setor empresarial em Portugal?
Como este é um problema de múltiplos fatores, são muitas as ações que precisam de ser realizadas. Como noutros países, a dificuldade de crescimento das mulheres no meio empresarial está relacionada, entre outros fatores, com a responsabilidade de cuidar dos outros. Uma responsabilidade que não é, na maioria dos casos, partilhada com figuras do sexo masculino, sejam maridos, irmãos ou pais.

As mulheres ainda deixam as suas carreiras ou procuram trabalhos menos exigentes para criar os filhos, para cuidar dos idosos. Enquanto os homens forem apenas ajudantes (e não corresponsáveis), nada vai mudar. Portanto, além de educar as meninas para serem independentes e protagonistas nas suas vidas, precisamos de educar os meninos para serem pais e companheiros de verdade, pessoas domesticamente independentes.

Em Portugal, a lei que obriga a maior representação de mulheres nos cargos de topo foi um avanço, sem dúvida. Mas a lei é apenas um gatilho, as empresas precisam de abraçar esta questão como uma causa. Ainda há muito discurso vazio, como acontece sempre com “temas da moda”, como foi com a sustentabilidade, com o compliance, com a inovação e tantos outros.

Esses temas só são plenamente vividos numa organização quando se percebe o benefício. Então não se trata de lançar um programa sobre género porque é bonito, mas porque é inteligente. As empresas mais inteligentes estão a movimentar-se melhor neste sentido. E perceberão os benefícios e avançarão ainda mais. Mas é preciso um olhar corajoso, projetos com prioridade da alta direção e um questionamento sincero dentro das organizações.

De acordo com as previsões da CB Insights, o financiamento desacelerará durante os próximos trimestres, com alguns a mostrarem um “desinvestimento” mais frequente nos países mais atingidos pela Covid-19. Qual a sua visão sobre isto?
Acredito que em alguns segmentos o financiamento vai sofrer, mas de forma temporária. Em outros o impacto será mínimo ou nulo. Com a pandemia alguns setores perceberam o quanto estavam atrasados ou acanhados em relação ao digital. Quem se organizar mais rapidamente para isso, terá vantagens, claro. Além disso, não podemos perder de vista que, num cenário de juros baixos como o que vivemos hoje, os investidores precisam de procurar alternativas de investimento.

O que mudou na sua estratégia enquanto business angel depois do surgimento da Covid-19?
Durante os meses de março, abril e maio a nossa preocupação foi cuidar das start-ups investidas. Saber como estavam emocionalmente os empreendedores, como estavam as comunicações com as equipas, partilhar informação sobre apoios disponíveis. As start-ups são incríveis porque conseguem adaptar-se muito rapidamente. E nós vimos isso acontecer no nosso portefólio. Mas é preciso ajudar os empreendedores a manter a mente tranquila e focada num momento de tantas incertezas, para que toda essa agilidade seja de fato produtiva.

Depois de maio voltamos a avaliar oportunidades de investimento, normalmente. E não fizemos nenhuma mudança na nossa tese de investimento.

De que forma o novo coronavírus está a afetar o ecossistema europeu de start-ups, no geral, e o português, em particular?
Seria pretensão minha responder sobre o ecossistema europeu como um todo, não tenho este conhecimento. Em Portugal acredito que no curto prazo há um impacto inegável, pois cenários de incerteza fazem com que os investidores sejam mais cautelosos. Mas o cenário da pandemia colocou luz nas start-ups. Seja porque vimos um movimento incrível das start-ups a procurar ou adaptar soluções para apoiar o combate à Covid-19, seja porque ficou claro que os negócios tradicionais demoram muito a responder a crises como esta.

“Os founders precisam de fazer um diagnóstico honesto do impacto da crise. E trabalhar este impacto pode significar lançar um novo produto ou rever o modelo de negócio, temporariamente ou em definitivo”.

Quais são as maiores necessidades de uma start-up, além de investimentos, é claro, neste momento difícil?
Nestes momentos, a liderança revela-se quer na condução estratégica do negócio, quer na comunicação com os diversos stakeholders. Os founders precisam de fazer um diagnóstico honesto do impacto da crise. E trabalhar este impacto pode significar lançar um novo produto ou rever o modelo de negócio, temporariamente ou em definitivo.

Além disso, a comunicação deve ser reforçada. Na minha opinião, nestas situações não há excesso de comunicação. É preciso falar com os funcionários, clientes, fornecedores, investidores, sempre. Manter o fluxo de informação, nutrir os relacionamentos, partilhar. Nem sempre as start-ups têm todas essas competências dentro de casa. Então, é preciso pedir ajuda.

De que forma a Cíntia tem ajudado as empresas a crescer em Portugal e no Brasil?
Desde que comecei a empreender, apaixonei-me por esse mundo. No começo participava como jurada de competições de pitches e também como mentora voluntária em programas de aceleração (até hoje tenho um espaço na minha agenda para isso). Hoje, invisto em start-ups juntamente com dois grupos de business angels.  A REDangels investe em start-ups na Europa e a COREangels Atlantic investe em start-ups brasileiras que se querem expandir para a Europa.

Além da atividade de investimento anjo, realizo mentorias com empreendedores nos dois países, focadas em desafios específicos do negócio ou do empreendedor.

O que leva as start-ups a escolherem Portugal?
Claro que há muitos empreendedores que gostariam de viver em Portugal, porque é mesmo um país incrível. Mas a escolha de vir para Portugal deve fazer sentido para o negócio. Para as start-ups brasileiras, Portugal é um excelente hub na Europa, uma porta de entrada mais acolhedora devido à proximidade cultural e com um ecossistema vibrante. Há estímulos do Governo, há gente cada vez mais organizada para investir, aceleradoras, eventos interessantes, pessoal qualificado e custos baixos quando comparados com o resto da Europa.

“Nesta modalidade já fizemos 29 investimentos. Não fazemos restrições a setores, já investimos em empresas de IoT, na agricultura urbana, ecommerce, beleza, saúde”.

Em quantas start-ups e de que áreas já investiu até ao momento?
Invisto juntamente com outros business angels em grupos. Nesta modalidade já fizemos 29 investimentos. Não fazemos restrições a setores, já investimos em empresas de IoT, na agricultura urbana, ecommerce, beleza, saúde.

Neste momento onde estão as principais janelas de oportunidades de investimento?
Há investidores a apostar em tecnologias para combate à Covid-19, mas temos aí também um risco, pois não sabemos quanto tempo irá durar a pandemia e se os impactos serão temporários ou definitivos. Entendo que tudo o que está relacionado com o ecommerce (não só a oferta, mas também a performance de ecommerce, gestão de stock, entrega, otimização de tempos, etc.) terá oportunidade, tanto no B2B, como no B2C.

Além disso há muita oportunidade nos setores paralisados, quando estes retomarem. Como vão retomar? Que funcionalidades e atributos serão indispensáveis? Que novas funções serão valorizadas?

Como concilia a função de business angels com a de diretora de Negócios na OilFinder?
Uma coisa que aprendi ao empreender foi a gerir o meu tempo. Quando deixamos o mundo corporativo para empreender, como foi o meu caso, ganhamos de presente toda a gestão do nosso tempo. Isso é muito bom, mas também é bastante difícil no início.

Antes de ser business angel eu já tinha outros investimentos, como no mercado de ações. Então sempre conciliei o meu trabalho com tempo para estudar, ler relatórios, análises e fazer a gestão desses investimentos. Quando comecei a investir em start-ups, surgiu uma nova classe de investimentos no meu portefólio. Tive que realocar o tempo para estudar start-ups, conhecer pessoas e participar das atividades da REDangels e da COREangels.

E sem dúvida, é o investimento de que mais gosto. Mas uma coisa nutre a outra. Muito do que aprendo como investidora é útil para a OilFinder e minha experiência empreendedora também me ajudou muito, especialmente a compreender os desafios das start-ups.

Projetos para o futuro…
Há muito que fazer. Tenho-me envolvido em iniciativas relacionadas com a educação empreendedora e investidora e também com a representatividade feminina. Continuar a ajudar empreendedores através do investimento ou das mentorias. É importante a proximidade e o engagment para entender onde estão os pontos de melhoria no ecossistema.

Respostas rápidas:
O maior risco:
 não tomar riscos.
O maior erro: achar que o dinheiro é um fim.
A maior lição: saber dizer não.
A maior conquista: o tempo.

 

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