Entrevista/ “Há dois tipos de venture capital: os que são entrepreneur-friendly e os abutres”

Patric Gresko, chefe dos investimentos em inovação e tecnologia do FEI*

Patric Gresko é chefe da divisão dos investimentos em inovação e tecnologia do Fundo Europeu de Investimento. Nesta entrevista, partilha a sua visão do ecossistema português e europeu, dá-nos o seu insight sobre a indústria e deixa alguns conselhos aos leitores do Link to Leaders.

Depois de 174 mil milhões de euros injetados em fundos e dois milhões de PME apoiadas, qual é o balanço que faz destes primeiros 20 anos do Fundo Europeu de Investimento (EIF)?
Temos dois objetivos no EIF. O primeiro é o suporte político do fundo e o segundo, que é tão importante quanto o primeiro, é criar retornos financeiros. Do ângulo político, estávamos lá há 20 anos para apoiar a emergência de um bom funcionamento do mercado de capital de risco. Duas décadas passaram e vemos um boom do ecossistema de capital de risco. O número de players neste campo explodiu, já não se trata apenas de alguns hubs como Londres ou Berlim. Agora também se trata de Paris, dos países do Norte, do Sul e do Sudeste. E sobre Lisboa, que está a tornar-se num hub tecnológico.
O ecossistema está a espalhar-se pela Europa. Atualmente, a inovação e o sucesso podem vir de qualquer país. Temos muitas empresas unicórnio que vêm da Europa emergente. Um dos últimos exemplos foi a UiPath a sair da Roménia. Quem é que acreditaria, há cinco anos, que teríamos um unicórnio a nascer na Roménia? Este é o primeiro ponto do balanço geral que faço à Europa. O mercado de capital de risco está a vir de vários sítios. O número de intervenientes aumentou e já não se trata apenas de VCs. Nós temos financiado muitas equipas e fundos que querem entrar no mercado pela primeira vez e que têm sido bem-sucedidos. E também assistimos ao crescimento do número de business angels.
Atualmente, todas as cidades têm as suas incubadoras e aceleradoras. Temos o mercado de venture capital a crescer, mas também a emergência de fundos com “bolsos mais fundos” de 400 e 500 milhões de euros. Na Europa temo-nos focado em tentar apoiar empresas que crescem para além do continente, como o Spotify.
A cadeia de valor também está mais completa porque há mais diversidade entre os investidores. Não só temos os investidores mainstream, mas também corporações que estão a investir neste campo que está a tornar-se tão atrativo que players americanos estão a entrar no mercado europeu, não só em fases mais avançadas como também estão a olhar cada vez mais para empresas em fases mais embrionárias. Isto acontece porque na Europa somos capazes de criar empresas muito boas da perspetiva tecnológica, mas que precisam de muito menos capital quando comparadas com os Estados Unidos.

E do ponto de vista financeiro?
Do ponto de vista financeiro estamos a tornar-nos bastante atrativos. Se for um gestor de ativos é impossível não alocar algum dinheiro para o mercado de capital de risco europeu. De facto, nos últimos 20 anos temos um rol de 50 gestores de fundos com uma taxa interna de retorno líquida (net IRR) de dois dígitos, ou seja, é mais alta que 10%. Quando se diz isso a investidores que não têm conhecimento do mercado de VC na Europa ficam absolutamente surpreendidos.
Portanto, temos tido um grande progresso, mas ainda temos muito que fazer. Um dos motes definidos para a EIF é que temos de abordar o mercado enquanto investidor público de maneira a tornar-nos redundantes a longo-prazo. Existimos porque há uma lacuna no mercado. Mas o objetivo final é que o investidor público se retire porque o mercado se vai tornar atrativo para os investidores privados. E estamos a chegar lá. Vemos cada vez mais gestores de fundos a melhorar e a precisarem de menos apoio de entidades como a EIF ou outros players a nível nacional. Ainda estão à nossa procura, mas já não precisam de dinheiro, mas sim da nossa qualidade porque somos o maior fundo-para-fundos da Europa – e provavelmente do mundo – e, portanto, temos muita experiência. E os gestores de fundos, mesmo os que já estão mais estabelecidos, estão à procura da nossa experiência.

“O objetivo final é que o investidor público se retire porque o mercado se vai tornar atrativo para investidores privados.”

Numa visão geral, o ecossistema europeu está a crescer bastante. Mas o que é que ainda falta à Europa para ser capaz de competir com a Ásia ou com os Estados Unidos?
É verdade, o trabalho não está feito. O mercado amadureceu e o que nós estamos a aferir é que, para completar a cadeia de valor, precisamos de gestores de fundos com bolsos mais fundos. Portanto, gestores que são capazes de recolher 400, 500 e 600 milhões de euros em fundos para financiar as empresas europeias que estão a amadurecer. Temos um crescente número de empresas bem-sucedidas. As mais recentes – e que toda a gente conhece – foram a TransferWise e o Spotify, mas estas empresas estão a levantar valores a norte de 200 milhões de euros quando um fundo europeu médio tem cerca de 100 milhões de euros. Ou seja, não são capazes de financiar este tipo de empresas. Portanto, precisamos de mais investidores europeus que apoiem empresas em fases mais avançadas.
Do outro lado do espectro, não nos devemos esquecer que os gestores de fundos estão a investir em projetos em fase embrionária e seed quando estas estão a sair da fase de investigação. Portanto, devemos continuar a esforçar-nos e a apoiar a transferência de tecnologia a sair dos laboratórios e dos centros de investigação e desenvolvimento das universidades e passá-los para a fase de comercialização. Neste campo, o EIF está não só a desenvolver ideias para estes projetos se tornarem mais fortes financeiramente, mas também para potenciarem a transferência de projetos universitários para o mercado privado.

Vê o surgimento de fundos como o de 100 mil milhões de dólares da multinacional nipónica Softbank como uma ameaça?
Não diria que é uma ameaça, mas sim uma oportunidade para as empresas na Europa. Acho que é importante termos esse tipo de player. Vamos ser francos, não podemos viver num ecossistema fechado e financiar a Europa só com players europeus. O facto de haver uma entidade asiática como o Softbank, com bolsos tão fundos, acho que é uma oportunidade para as empresas na Europa. No entanto, devemos ter a certeza de que somos capazes de apoiar as empresas europeias com tanta eficácia [quanto este fundo japonês]. Somos capazes de os afastar do mercado europeu? Acho que não, mas o facto de eles estarem cá presentes é uma boa validação de que o nosso mercado se tornou sólido.

“Vamos ser francos, não podemos viver num ecossistema fechado e financiar a Europa só com players europeus.”

As pessoas tendem a falar da maturidade dos empreendedores, mas pouco ou nada se fala da maturidade dos investidores. Como é que consegue perceber se alguém é um bom gestor de fundos?
Precisaria de algumas horas, senão alguns dias para explicar como é que avaliamos a maturidade de um gestor de fundos. Na verdade, em poucas palavras, este precisa de ser um gestor de fundos e não um investidor individual. Não se trata apenas de financiar empresas, mas também de acrescentar valor. Portanto, somos muito cuidadosos em não dar dinheiro a pessoas que “espalham o dinheiro e rezam” [spray and pray], mas em que existe um método de investimento e um modelo de criação de valor que é consistente.
O segundo elemento passa por os gestores de fundos perceberem que estão a gerir um portfólio e que têm de devolver o dinheiro em portfólio. É muito bom ter um unicórnio num portfólio, mas se tiver apenas 1% dos mil milhões são apenas 10 milhões. Se o tamanho do seu fundo for de 50 milhões pode fazer uma saída do seu unicórnio, mas só consegue 1/5 do tamanho do seu fundo.
Depois vemos os gestores de fundo a andar pelas conferências a dizer que têm um unicórnio no portfólio. E depois vão angariar fundos e nós olhamos para eles e dizemos: “uau, desculpa, mas onde é que estão os restantes 40 milhões? Só devolveste 10 milhões com o teu unicórnio”. Esta skill de ser capaz de gerir um portfólio é algo realmente muito importante que temos de avaliar.

“Depois vemos os gestores de fundo a andar pelas conferências a dizer que têm um unicórnio no portfólio.”

Um terço do negócio do EIF é dar dinheiro a fundos novos. Se eu fosse um antigo CEO de uma start-up bem-sucedida e quisesse criar o meu próprio fundo, o que teria de fazer para vos ter como parceiros?
Eu diria que ser bem-sucedido com uma empresa não é suficiente para avançar para o mundo do capital de risco. É ótimo porque passou pela experiência de criar uma start-up bem-sucedida e deve ter contacto com outros empreendedores, porque eles perceberiam que passou pela mesma situação que eles e vão compreendê-lo, mas precisaria de uma equipa à sua volta. Uma pessoa não é capaz de fazer o portfólio e criar valor a dezenas de empresas. Teria de ter uma equipa que o apoiasse e que complementasse as suas skills.

Pela sua experiência, estes novos fundos são bem-sucedidos?
Muito. Na verdade, mais de 50% dos nossos fundos novos estão com desempenhos acima dos 6 e dos 7%. Ou seja, estão a devolver valor acima destas percentagens. Alguns até estão a ter desempenhos equiparáveis aos mais experientes.Todos os anos, no top 10 dos fundos do EIF, temos sempre um fundo novo (às vezes até três) que consegue entrar nesta tabela. O desempenho tem sido muito bom. E depois temos muitos fundos que não estão com bons números, mas isso faz parte do negócio. É um risco que tomamos e não estamos à espera que sejam todos super bem-sucedidos. O que nos surpreendeu na nossa análise é que as primeiras equipas/primeiros fundos não significam necessariamente fracasso, mas que têm boas possibilidades de prosperar. Um exemplo recente é a UiPath da Roménia que recebeu investimento de um fundo novo.

Patric Gresko VC's Link to Leaders

Patric Gresko foi um dos oradores convidados da Lisbon Investment Summit.

A presença do EIF em Portugal comemora o décimo aniversário este ano. Qual é o balanço desta primeira década?
Tremendo. Uma grande mudança. Estou aqui com frequência porque tenho algumas ligações ao país, porque estudei e vivi aqui durante algum tempo. Olhava para Lisboa e Portugal na perspetiva de investidor e não conseguia ver nada. Voltei há quatro anos, quando a Beta-i organizou uma conferência, e fiquei absolutamente surpreendido não só porque estava a ver investidores portugueses, como também investidores e gestores de fundos do Reino Unido, da Alemanha e de França. Acho que o ecossistema se transformou e foi capaz de atrair investidores estrangeiros, e isso foi um feito muito importante. Agora, precisamos de mais players locais e de histórias de sucesso. Precisamos de um unicórnio, que não é assim tão importante, mas tem importância para o efeito de marketing. O facto de o país ter conseguido gerar uma avaliação de mil milhões de dólares traz um foco para o território e chama mais investidores. E é disso que precisamos aqui.

“Acho que o ecossistema [português] se transformou e foi capaz de atrair investidores estrangeiros para o mercado e isso foi um feito muito importante.”

Em relação ao Brexit, que medidas estão a tomar ou vão tomar depois do processo estar finalizado?
Depende do resultado do processo. Não sabemos qual vai ser o acordo final entre o Reino Unido e a União Europeia. Por agora, o Reino Unido faz parte da EU. Portanto, continuamos a investir.

No que toca a encontrar os investidores certos, que conselhos pode dar aos nossos leitores?
Façam uma pesquisa cuidada. Não fiquem simplesmente com o dinheiro. Olhem para os históricos deles, falem com outros empreendedores que receberam financiamento deles, tenham a certeza de que, para além do dinheiro, acrescentam valor aos projetos, e vejam a maneira como trataram os empreendedores. Há dois tipos de VCs: os que são entrepreneur-friendly e os abutres. Enquanto empreendedor, a única maneira de descobrir isto é fazer uma pesquisa cuidada desses investidores ao questionar os responsáveis pelos projetos em que eles investiram anteriormente.
Sejam seletivos. Porque estão à procura de dinheiro e assim que o conseguem não olham para o resto. Se não tomarem os devidos cuidados podem ter problemas.

Há dois tipos de VCs: os que são entrepreneur-friendly e os abutres.”

Trabalha na EIF desde 2001. Quais foram as maiores barreiras que encontrou pelo caminho?
Honestamente, acho que tive muita sorte em acabar numa organização que é uma instituição europeia e que tem sido flexível o suficiente para permitir a emergência de produtos e soluções que estavam em sintonia com o mercado. Os colaboradores da EIF tem muita liberdade no terreno para propor soluções. Somos a parte da equipa que propôs um sistema de coinvestimento com business angels, que propôs que, para além de recebermos dinheiro das instituições europeias, pudessemos começar a receber dinheiro de países como a Alemanha, onde o ministro da economia nos confiou um fundo que já excede os dois mil milhões de euros para reconstruir o mercado alemão. Portanto, não me posso queixar que tenham havido muitas barreiras. Claro que há barreiras, como a burocracia, o excesso de documentação sobre o que fazemos, mas no final do dia somos uma instituição europeia e temos gerido parte do dinheiro pago pelos contribuintes. Portanto temos de ser absolutamente transparentes e capazes de responder a qualquer questão de auditores externos. Diria que, por enquanto, está tudo bem.

*Fundo Europeu de Investimento

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