Opinião
Os ricos estrangeiros

Tenho seguido com muita atenção, seja por motivos claramente profissionais, seja também por interesse pessoal, as recentes questões relacionadas com o possível fim dos golden visa em Portugal ou as ideias de bloqueio de aquisição de propriedades por parte de estrangeiros, à semelhança do que foi mais recentemente aprovado no Canadá enquanto forma de potenciar o crescimento da oferta do mercado residencial para os nacionais.
Não há, como em tudo, respostas fáceis para esta questão, mas seguramente que a demagogia que tem sido utilizada pelos diferentes partidos políticos na apresentação das ideias e posições não tem ajudado muito a esclarecer a opinião pública acerca dos méritos e falhas de cada ponto de vista.
É assumido que algures está a razão – se é que alguém a tem, efetivamente –, mas procurando analisar as posições em confronto, podemos resumir a sua argumentação a dois pontos fundamentais.
Por um lado, defende-se que a existência dos programas de golden visa e a contínua venda de propriedades residenciais a cidadãos estrangeiros tem levado a um aumento do preço das habitações que, invariavelmente, as tornam totalmente incomportáveis para o mercado português, forçando assim as famílias, jovens ou mais velhos, a fugirem dos principais centros urbanos e a necessitarem de se refugiar em cidades periféricas onde o valor por metro quadrado ainda roça o aceitável. Esta realidade, associada ao aumento do custo de vida reflexo da subida descontrolada dos juros e taxas de inflação, ainda assim cria constrangimentos sérios a quem pretende adquirir habitação própria, mesmo que já bastante longe dos centros urbanos mais comuns.
Por outro lado, postula-se que o programa dos golden visa tem permitido a captação para Portugal de avultadas quantias, injetadas na nossa economia diretamente (através das variadas aquisições efetuadas por cidadãos estrangeiros a cidadãos portugueses, individuais ou promotores imobiliários), contribuindo ainda para um aumento da receita fiscal do Estado. A maior capacidade financeira de vários povos mundiais, associada a estes benefícios que são concedidos quanto à obtenção da residência e circulação no espaço Schengen tem colocado Portugal na mira de vários investidores – alguns de natureza duvidosa, admito – que sem dúvida têm contribuído para alimentar o setor imobiliário ao longo dos últimos anos, tendo tal reflexos também na criação de emprego (ou manutenção) e circulação de riqueza.
Dito isto, penso que qualquer extremismo que seja ponderado para a situação não contribuirá para uma solução efetiva para este problema. Se por um lado proibir os estrangeiros de comprarem casas em Portugal pode abrir mais mercado para os nacionais, tal é também um prenúncio de crise para várias empresas construtoras e promotoras face aos elevados custos de aquisição de terrenos, de construção, atrasos intermináveis no licenciamento camarário de projetos, etc., que pode ditar várias insolvências e futuras situações de desemprego. O problema aqui está claramente a montante e podemos cair em situações onde o custo atual do metro quadrado não é apenas determinado pela existência de clientes estrangeiros que o paguem, mas pelo contrário, é condicionado pelos constrangimentos nacionais e internacionais existentes e, esses mesmos, colocam o produto fora do alcance das já depauperadas carteiras nacionais.
Ao invés, uma total liberalização do mercado como existe é assumir o capitalismo na sua forma mais direta, o que num Estado Social não é fácil de aceitar, especialmente quando começamos a sentir-nos todos como compradores de segunda linha, um pouco como os portugueses que passam férias no Algarve e nem sequer os empregados de mesa falam a nossa língua. Deve sem dúvida existir um sistema de controlo, um mecanismo que permita evitar a pura especulação imobiliária, evitando agiotas e branqueamentos, mas nunca limitando, porém, o livre funcionamento do regular mercado, ou seja, das leis bases da oferta e da procura, independentemente da origem do consumidor. O que não poderá nunca é ser colocado o consumidor estrangeiro numa posição injusta de benefício face ao consumidor nacional.
Claro que tudo isto enforma numa realidade imutável, a maioria dos estrangeiros tem maior poder de compra face aos nacionais. Num mercado como o nosso, as melhores casas serão para esses que têm maior poder de compra, não há volta a dar. O problema não está no poder de compra que os estrangeiros têm, está sim no poder de compra que nós temos, e isso não é culpa dos estrangeiros, mas sim da economia portuguesa e da forma como tem sido governado o país ao longo de vários anos.
Parece um comentário frio, eu sei. Mas sinceramente, quantas vezes nós portugueses pensamos nisso ao contrário? Um exemplo prático. Quantas vezes fazemos nós férias no México, República Dominicana, Cabo Verde, São Tomé, etc.? E quando vamos de férias quantas vezes acontece pensarmos que os bens que estamos a consumir ou os serviços que estamos a usufruir (por exemplo uma noite num quarto de hotel, um café ou uma sobremesa, etc.) são totalmente incomportáveis para os cidadãos desses países? J
á me aconteceu pagar 60 euros numa refeição e saber que o empregado que me atendeu recebe apenas metade disso de salário mensal. É o mesmo fenómeno, não vos parece? Mas nunca pensamos que para esses povos, nós somos os estrangeiros ricos que abusamos do país deles e tornamos incomportáveis tais bens para as populações locais. Será que quem cá compra casa faz esse raciocínio? E deve ser penalizado apenas porque tem maior poder de compra? Fica a questão.