O governo é a nova start-up da Índia

Na Índia, a mais inovadora das start-ups poderia bem ser o Estado, que desenvolveu a plataforma India Stack e que impulsiona a transformação de numerosas indústrias.

Bengaluru é o segundo maior hub tecnológico do mundo, a seguir a Silicon Valley. A cidade conta 4.000 start-ups ativas, com um valor médio de 3,3 milhões de dólares (cerca de 3,1 milhões de euros). “Bengaluru é um porta-bandeira da revolução tecnológica na Índia”, declarou Priyank Kharge, ministro da Informática e do Turismo do governo de Karnataka durante o seu discurso de inauguração da TechSparks 2016, um dos eventos para start-ups mais importantes do país.

Mas qual é realmente a start-up mais inovadora da Índia? Segundo Nikhil Kumar, membro do think tank iSPIRT, “a plataforma mais disruptiva foi, na verdade, desenvolvida pelo governo”, avança o site francês Maddyness. “O governo é a nova start-up da Índia. Ele está a construir uma plataforma, a India Stack, que transforma muitas indústrias, como a indústria financeira”, explicou.

A India Stack baseia-se numa decisão política vanguardista, ou seja,  “na política da API aberta” que impõe a todas as grandes plataformas tecnológicas construídas pelo governo a abertura de API’s, para permitir a todos tirar partido dos dados ao lançar novos produtos e serviços.

Este conjunto de API’s comporta vários níveis:

  • O Aadhaar é a chave de identificação. Este identificador único de 12 algarismos “diz quem é e onde vive”. O número Aadhaar foi atribuído a todos os residentes na Índia e guarda os seus dados biométricos e demográficos.
  • O e-KYC (Know Your Customer), fornecido pelo Aadhaar, permite às empresas identificar os seus clientes online. Fornece uma prova de endereço e uma prova de identidade.
  • O e-Sign é um mecanismo de assinatura digital de documentos, igualmente aceite e validado pelo Aadhaar e-KYC.
  • A Unified Payment Interface (UPI) é a chave de pagamento, que permite a transferência de fundos entre bancos, com a ajuda de um identificador único. Foi concebida pela iSPIRT e lançada em abril de 2016.

Em breve também será lançada uma chave válida para os impostos pelo Goods and Services Tax Network (GSTN).

Através da India Stack poderá demorar 2 minutos a pedir um empréstimo. Os cidadãos não terão mais necessidade de se deslocar a um banco para obter serviços financeiros. As start-ups poderão crescer em grande escala. Já há mil milhões de pessoas com um número Aadhaar na Índia. Foi a aquisição de utilizadores jamais vista, ainda mais rápida do que o WhatsApp ou o Facebook. E tudo isso se fez em cinco anos e meio”, explicou Nikhil Kumar.

A UPI é, provavelmente, a tecnologia mais disruptiva na fintech atual. Ela torna o pagamento mais fácil e mais económico, oferecendo grandes esperanças para a inclusão financeira da população indiana.  “As operações bancárias são feitas, a partir de agora, numa API. A UPI é a Apple Pay dos esteroides”, afirma o membro do think tank iSPIRT.

“Todos vão acabar por utilizá-la. 22 bancos já estão integrados na UPI. Um mês depois, já havia 150.000 comerciantes que aceitam este meio de pagamento. O nosso objetivo é alcançar um milhão de utilizadores num ano, o que corresponde ao número de indianos que, atualmente, têm uma conta bancária e um telemóvel”, acrescenta Nikhil Kumar. Bancos, como o DBS, a unicórnio fintech indiana Paytm ou empresas de telecomunicações, como a Airtel, Vodafone ou Reliance Jio, já a adotaram. O governo organizou um hackathon para o developers, a fim de trabalharem com os novos produtos e serviços e compreenderem o potencial da UPI. Atualmente, há outros governos a estudar o modelo Aadhaar.

“Penso que é um conceito fantástico. Oferece uma interoperabilidade entre os diferentes atores financeiros, introduz o fator de confiança no negócio e integra o smartphone no conjunto do processo. Não há, atualmente, outra tecnologia que apresente uma inovação assim. A Índia tornou-se uma montra para o mundo, que mostra como os bancos podem colaborar e tornar-se interativos sem intervenção de operadores estrangeiros, como a Mastercard ou a Visa”, acrescenta Ritesh Agarwal, fundador da fintech FonePaisa, que criou a primeira plataforma de pagamento omnicanal na Índia e um entusiasta da UPI.

Esta tecnologia não foi construída do dia para a noite. “O e-KYC foi desenvolvido em 2013, mas lançado somente agora, porque o governo não tinha ainda considerado conveniente fazê-lo”, explica Nikhil Kumar. O Aadhaar e a UPI fazem parte da campanha Digital India, lançada no ano passado pelo primeiro-ministro Narendra Modi, para permitir a todos os cidadãos indianos estarem conectados através das novas tecnologias. Um projeto desta magnitude jamais tinha sido visto na Índia até agora. A iniciativa compreende também planos para ligar zonas rurais através da rede de internet de banda larga e para a educação digital na Índia.

Embora a UPI seja um conceito que vai “atrapalhar” a estratégia de centenas de fintech indianas, que trabalham com carteiras mobiliárias, o governo apoia o movimento de inovação iniciado pela nova geração de empreendedores indianos. Lançou um fundo consolidado de 64 milhões de dólares (cerca de 61 milhões de euros) para incentivar o crescimento das start-ups e deverá conseguir reunir mais de 320 milhões de dólares (aproximadamente 303 milhões de euros) ao longo dos próximos dois anos.

O Estado de Karnataka, de que Bengaluru faz parte, acaba de lançar o Startup Booster Kit que contém ferramentas de software, acesso a mentores, conselheiros jurídicos e de contabilidade, acesso a incubadoras e subsídios do Estado, entre outros. O governo organizou o seu primeiro hackathon dedicado à indústria do turismo e financiou 8 start-ups neste processo. “Karnataka está pronta para o futuro”, declarou Priyank Kharge naTechSparks.

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