Opinião
Formação na dose certa: “Será que temos mais olhos que barriga?”

Quantas foram as vezes que ouvimos na nossa infância “tens mais olhos que barriga”? E quantas são as vezes que, ainda hoje, repetimos aos nossos filhos? Muitas. Demasiadas. Como se ouvíssemos e repetíssemos uma vida inteira, sem qualquer efeito.
Hoje, quando olhamos para trás e nos recordamos das vezes que os nossos pais diziam para tirar apenas a quantidade de comida suficiente para a capacidade da nossa barriga, percebemos bem o que pretendiam. Aos poucos fomos interiorizando a mensagem e hoje, lá está, vemo-nos a repeti-la aos nossos filhos. Mas a verdade é que parecia mesmo que estávamos esfomeados e a comida tinha tão bom aspeto que nos apetecia tudo. Em grande quantidade, de preferência. Mas a verdade é que foram raras as vezes que conseguíamos comer tudo até ao fim, deixando sobras avultadas no prato. Foi assim há muitos anos. E é assim hoje. Hoje, muitas vezes, continuamos a querer mais do que aquela que é a nossa capacidade de resposta.
E afinal do que estamos a falar?
A verdade é que cada vez mais, principalmente, nestes 14 meses de pandemia, houve como que uma explosão de programas de formação, webinars, workshops e todo um infindável mundo de programas prontos a contribuir para o nosso desenvolvimento pessoal e profissional. Programas de muita qualidade e com formatos muito ajustados à nova realidade. Que delicia! Têm todos um ótimo aspeto, que apetitosos. Queremos tudo. Queremos fazer todos. Queremos desenvolver mais competências, adquirir novas ferramentas, completar e embelezar os nossos CV’s e perfis nas redes sociais.
Mas também diziam os nossos pais que “os olhos também comem”. E é tão verdade. Olhamos para o prato e vemos tanta coisa que não sabemos por onde começar e, de repente, até parece que perdemos a fome.
Será que todas estas formações nos prepararam realmente? Será que desenvolvem exatamente as competências que queremos? Será que promovem a mudança de comportamento desejável para a nossa evolução enquanto profissionais? Serão elas um bom investimento para nós e para as nossas organizações? Diria que nem sempre. Menos pode ser mais.
A “escolha” assume aqui um papel fundamental. Uma escolha consciente. Uma escolha sensata. Uma escolha criteriosa. Temos que fazer escolhas. Cada um de nós deve escolher o que mais e menos gosta e colocar no prato a dose certa dos petiscos da mamã. Assumir a responsabilidade pelo seu percurso de desenvolvimento pessoal e profissional e conseguir, de forma consciente, selecionar as competências que mais precisa e mais poderão ser um added value para a sua função. Mais do que posturas reativas aos planos (fechados) de formação apresentados pelas organizações, pretende-se, cada vez mais, que sejamos agentes ativos, que possamos colaborar no nosso próprio desenvolvimento, partilhando ideias e sugerindo, inclusivamente, programas que respondam, efetivamente, às nossas necessidades reais. Este deve ser um trabalho em parceria.
De nada adianta fazermos formações que nos fazem gastar tempo e dinheiro (e às vezes muito) se depois não conseguimos acrescentar valor à nossa função e mostrar no dia a dia as competências “supostamente” adquiridas. Precisamos de aprender a colocar no prato a quantidade certa. A quantidade certa de formações que vamos conseguir digerir e que nos vão satisfazer naquele momento.
É preciso estarmos conscientes das necessidades de desenvolvimento que temos, do tempo que podemos investir e da nossa real motivação para mudar. Mudança essa que nem sempre acontece no timing que queremos, nem com a facilidade que gostávamos. A mudança é um processo difícil que envolve alteração de hábitos e de comportamentos enraizados e a sua substituição por novos comportamentos, mais atuais e ajustados às exigências da realidade atual.
Assim, fazer formações por si só, para ter mais conhecimento, receber novas informações, novos dados, etc… não significa, necessariamente, desenvolver mais competências, mas antes ficar mais atualizado. E estar atualizado, nos dias que correm é fundamental. No entanto, se essa atualização não tiver impacto no nosso comportamento, na forma como agimos no nosso dia a dia pessoal e profissional, esse conhecimento nunca se transformará, verdadeiramente, numa nova competência. Nunca proporcionará a mudança a que a formação nos propôs.
A diferença está assim, mais uma vez, nos petiscos da mamã… e na sua sanduiche especial: Saber – (Querer) – Fazer. Aprendemos porque temos a vontade de fazer diferente.
Não queremos mais sobras no prato.