Opinião

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Belén de Vicente, CEO da Medical Port

Recentemente um amigo reencaminhou-me um artigo do El Confidencial que aborda o facto da geração dos Millennials não gostar de falar pelo telefone, em contraste com a geração baby boomers. Parece que o problema é que o telefone é um canal que nos deixa mais expostos, que exige reação em tempo real.

É mais fácil escrever texto, pois para além da comunicação ser assíncrona, dando tempo a pensar a forma e o conteúdo, pode ser gerida conforme nos interessar. Por isso é mais simples e menos arriscado trocar mensagens curtas. Mesmo quando o tema é importante. Mesmo quando a mensagem não deve ser curta. Está baseado num artigo de Amit Kumar – It’s Surprisingly Nice to Hear You: Misunderstanding the Impact of Communication Media Can Lead to Suboptimal Choices of How to Connect With Others (Journal of Experimental Psychology, 2020), que explora essencialmente as relações pessoais. O tema parece-me também muito relevante para as relações profissionais.

Na faculdade, na disciplina de comunicação ensinam-nos que temos de adaptar a forma e o canal ao interlocutor e ao momento. Isto é fácil de entender quando analisado de um ponto de vista asséptico, isto é, quando não somos nós os envolvidos na comunicação. Mas deve ser sempre assim por muito desconfortável que seja, o interlocutor e/ou o conteúdo. No contexto empresarial, é fundamental comunicar bem. Isso pode fazer toda a diferença entre ganhar um negócio, conquistar um investidor, recrutar ou reter um colaborador.

Depois de 30 anos de experiência profissional, privilegio o canal cara a cara para comunicar mensagens realmente importantes. Só assim é possível gerar o máximo de empatia com o interlocutor, ouvir o dito e “ler” o não dito, praticar a escuta ativa e perceber se a mensagem passou da forma correta. Dois exemplos claros disto são os despedimentos e os investimentos. Para não focar apenas o assunto nas más notícias, que obviamente devem ser dadas cara a cara. O primeiro porque é necessário estar totalmente presente quando estamos a passar uma mensagem que afeta a vida do nosso interlocutor e porque queremos garantir que quem está do outro lado percebe os motivos e tem a possibilidade de colocar questões. O segundo porque se vamos estabelecer uma relação que se pretende longa com um parceiro, o contexto tem de ser aquele que proporcione maior confiança às duas partes e nada como estar frente a frente e ver, observar, escutar, sentir o outro lado.

O telefone é um canal muito superior ao e-mail para comunicar em situações em que o assunto é delicado. A forma como se escreve pode ser tão desadequada que as consequências das interpretações e a impossibilidade de clarificar no momento o que está escrito pode ser suficiente para desencadear reações que danificam as relações e quebram a confiança. Por exemplo, será desadequado enviar um e-mail para criticar o comportamento de um membro da equipa ou para resolver um problema que quem está do outro lado não conhece bem. O telefone é um canal que se deve utilizar quando a troca de informação é grande, e quando é preciso dar mais disponibilidade. No momento em que se transpõe uma mensagem para escrito, vigora o que foi escrito e não o que ficou por dizer e por explicar. Estar disponível para escutar e para responder é fundamental para quem tem funções de gestão. Por muito duro que seja o que se ouve e por muito tempo que consuma. A nossa disponibilidade para os outros é a nossa ferramenta mais valiosa para quem profissionalmente depende de nós. Disponibilidade não é só generosidade, é boa gestão.

E sobre os outros meios de comunicação? Whatsapps, SMS? Sim, claro, para factos como marcação de reuniões, perguntas de resposta sim/não, para dar informações curtas. Podemos falar hoje ao final do dia? / A reunião das 15:00 foi cancelada / X não estará na negociação, vem Y em substituição. É só informação a fluir, não requer um grande exercício de empatia (há quem diga que a empatia nas mensagens é substituída pelos emoticons, mas estes se podem controlar, e mesmo assim já tive alguns sensabores por colocar imagens erradas…).

Seja como for, e respeitando obviamente os gostos pessoais, corro o risco de que me intitulem de velha, mas sinto que é necessário falar mais no contexto profissional para evitar mal entendidos, para encontrar melhores soluções, para sentirmos que estamos todos alinhados, para não nos escondermos atrás de textos que são sempre mais limitativos e pobres do que uma conversa presencial ou telefónica. Podemos deixar os textos para quando não seja necessário esclarecer nada, apenas formalizar o que já foi falado ou informar de factos que não requerem qualquer interpretação. Podemos como gestores, ter o propósito de ter em 2022 mais disponibilidade para falar como os nossos pares, com os nossos colaboradores e escutar o que têm para nos dizer.

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Belén de Vicente

Belén de Vicente

Belén de Vicente é fundadora e diretora geral da Medical Port, a porta de entrada para cuidados médicos em Portugal, para quem vem de outros países. É também fundadora da Stuward Health. Foi diretora do MBA Lisbon, contando com mais de 20 anos de experiência em consultoria de gestão na Península Ibérica e na gestão de parcerias internacionais nos setores do Ensino Superior e da Saúde. É apaixonada por projetos desafiantes que envolvam transformações com pessoas e para pessoas.

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