Entrevista/ “Eu digo sempre às empresas: estejam atentas, o social é o novo verde”

Steven Serneels, CEO da EVPA (European Venture Filantropia Association)

O CEO da European Venture Philanthropy Association, e uma das principais vozes mundiais sobre a importância das estratégias de sustentabilidade para as empresas, esteve em Portugal na semana passada no âmbito de uma iniciativa da CATÓLICA-LISBON. O Link To Leaders falou com Steven Serneels sobre negócios sustentáveis.

Steven Serneels assumiu o cargo de CEO da European Venture Philanthropy Association (EVPA) em abril do ano passado, uma entidade que reúne organizações que partilham a mesma visão e um objetivo comum: criar impacto social positivo através de Venture Philanthropy.

Líder em sustentabilidade e impacto corporativo, Serneels esteve em Lisboa na semana passada para participar como orador no evento em que a CATÓLICA-LISBON lançou o Center for Responsible Business & Leadership, onde debateu como construir um negócio responsável com foco na criação de valor.

Quando descobriu pela primeira vez sua paixão pelo negócio responsável como foco para o seu trabalho?
Sempre tive a sensação de que poderíamos fazer muito mais do que ‘”fazer o bem” ou “fazer negócios”. Tendo trabalhado com muitas equipas executivas de corporações, vi em primeira mão como o mercado pode ser uma força poderosa para escalar e pensar em “grande”. Mas notei também que o capitalismo global estava, e muitas vezes ainda está, a viver na sua própria bolha: impulsionado pelo curto-prazo, não tendo em conta implicações sociais e ambientais quando elas não aparecem nos seus números financeiros… Ao mesmo tempo, também me deparei com muitas ONGs bem intencionadas e com outros atores sociais a fazerem grandes programas, mas a lutar para lançar desafios sociais em escala.

Então, queria descobrir se não podíamos tirar o melhor dos dois mundos: podemos fazer o bem, fazendo negócios? Esta pergunta estava na minha cabeça desde o fim dos anos 90, quando os anti-globalistas estavam a atacar players globais como as multinacionais e Naomi Klein publicou seu livro “No Logo”. Mas só tive a oportunidade de realmente dar um mergulho profundo na tentativa de abordar esta questão em 2011, quando vendi o meu negócio.

“(…) as corporações começam a perceber como o facto de não abordarem os desafios sociais pode criar riscos adicionais (…)”

Ser mais sustentável é muitas vezes dispendioso. A maior sustentabilidade é uma proposta perdedora para a maioria das empresas?
Não se trata apenas de custo. É também sobre risco e criação de valor. Nos desafios ambientais, os negócios provaram que podemos transformar esses desafios de “custo” em “oportunidade”. O tratamento de águas residuais, repensar a questão das embalagens e as energias renováveis são todos exemplos disso.
Além disso, a maioria das empresas concorda que, pelo menos de uma perspectiva de risco, devem ser capazes de monitorizar e melhorar a sua pegada de CO2. As empresas mais avançadas são capazes de transformar este desafio numa vantagem competitiva, como a Patagónia e outros. Isto exige, frequentemente, uma inovação forte.

Na dimensão social, as corporações começam a perceber como o facto de não abordarem os desafios sociais pode criar riscos adicionais, e até mesmo dificultar o seu desempenho económico. Mas aqui, ainda estamos no princípio da aprendizagem de transformar um desafio social numa oportunidade de negócio. A minha previsão é que vamos passar pelo mesmo ciclo que a “revolução verde” dentro da comunidade de negócios: da negação ao considerar a sustentabilidade como um custo ou risco, para perceber que esta pode ser uma oportunidade de negócio. Portanto, eu digo sempre às empresas: estejam atentas, o social é o novo verde”.

“A mudança virá de soluções inovadoras que proporcionem um produto ou serviço sustentável a preços competitivos.”

Cada empresa tem um relatório de sustentabilidade, mas como pode o consumidor médio realmente perceber a diferença entre as empresas que se chamam sustentáveis?
Isso é realmente difícil de dizer. Algumas empresas são muito boas em comunicação. Em última análise, não acho que a batalha definitiva seja sobre atrair, ou conquistar mais, o consumidor consciente. Os rótulos de comércio justo mostraram muitas vezes que apenas 5 a 10% dos consumidores estão dispostos a pagar mais por um produto sustentável. A mudança virá de soluções inovadoras que proporcionem um produto ou serviço sustentável a preços competitivos. Porque a pesquisa mostra também que os consumidores estão massivamente a escolher produtos sustentáveis se eles tiverem um preço competitivo. Negócio “sustentável” é apenas “bom” negócio. Os relatórios acrescentarão pouco a isso.

Como podem os investidores apoiar e acelerar o proceso rumo a um negócio inclusivo? Qual é o papel  dos investidores sociais ?
Os investidores devem pedir e ativamente agir sobre a estratégia de sustentabilidade da empresa. Várias agências de rating, como a  ISS, a Bloomberg e a Sustentalytics, passaram a fazer índices de sustentabilidade. Alguns investidores até começaram a dar melhores condições financeiras se eles classificarem bem a empresa no seu desempenho de sustentabilidade. Portanto, os investidores alterarão o comportamento das empresas se eles próprios levarem a sério a sustentabilidade.

Os investidores sociais corporativos, como as fundações corporativas, mas também as aceleradoras sociais e os fundos de investimento social, podem oferecer riscos tolerantes, permitindo explorar ideias e inovações ousadas e de longo prazo para enfrentar os desafios sociais. Eles podem até mesmo juntar-se a equipas de empresas concorrentes para mudar os padrões de sustentabilidade numa determinada indústria, como está a acontecer no cacau, no têxtil e noutras indústrias.

Em que país vê mais interesse e impulso para a sustentabilidade e para os negócios responsáveis?
Numa escala mundial, parece que as corporações globais são líderes, seguidas por empresas europeias e latino-americanas. As empresas norte-americanas parecem estar menos avançadas na sustentabilidade.

Dentro da Europa, está muito coisa a acontecer na França. Muitos executivos franceses estão a levar a missão da sustentabilidade muito a sério. Também algumas empresas escandinavas, como a IKEA, mostram o caminho, por exemplo, na economia circular.

Como incentiva os gestores das empresas a liderarem as suas equipas em termos de sustentabilidade e negócios responsáveis?
Essas mudanças são muitas vezes bastante fundamentais para uma empresa. Por isso, exigem uma abordagem de cima para baixo e vice-versa, obtendo o mandato do topo, mas também a criação de tração com projetos concretos. O melhor é ter um mix de projetos mais arriscados, outros arrojados e a curto prazo, e projetos operacionais que mostrem o valor real do negócio no curto prazo.

Como vê os principais desafios e oportunidades para as empresas que procuram a atenção da media mainstream em relação a questões ambientais e negócios responsáveis?
Caminhar e falar. A pesquisa mostra claramente que os “caminhantes” fazem as coisas de forma diferente dos  “conversadores” sobre sustentabilidade.  A comunicação que não é incorporada na realidade é sempre um jogo perigoso. A minha experiência é que esses dias de “subcomunicação” sobre a sustentabilidade são melhores do que comunicação mais.

Três dicas para as empresas portuguesas colocarem a responsabilidade corporativa no cerne do seu negócio?
Procurem o valor real dos negócios quando abordam a sustentabilidade; inspirem-se noutras empresas do vosso setor noutras geografias; instalem mecanismos que permitam o pensamento inovador e de longo prazo dentro da sua empresa (esquemas de incentivo à gestão, tipo de investidores, cultura da inovação…).

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