Opinião
#Uma casa caiada de branco

São 7 horas da manhã, o sol está a acordar no horizonte, pintalgando o mar de suaves tons alaranjados. Há uma leve brisa fresca no ar e a vida começa a despertar à beira-mar. Um tractor alisa a areia da praia, alguns surfistas esperam pelas ondas dentro de água, um casal de reformados faz a sua caminhada matinal e alguns corajosos passam suados, revelando que a corrida começou antes do próprio dia.
O cenário é digno de fotografia e é isso mesmo que a senhora do carro à minha frente faz: abre o vidro do lado do passageiro, aponta o telemóvel e estica-se para não apanhar o espelho retrovisor direito na objetiva. Enquanto isso, o senhor do carro ao meu lado buzina porque a fila não está a andar, uma mota tenta escapar por entre os carros e eu dou por mim a pensar, o que é que estamos todos ali a fazer?
Eu vivo entre a bênção e a gratidão que sinto por poder presenciar este cenário diariamente e a angústia por ser apenas isso: uma espetadora. E para quê? Porque é que vivemos com agendas sem espaços em branco, sempre com aquela sensação de que as semanas se colam umas às outras, sem tempo para fazermos nada (ou melhor, sem tempo para fazermos tudo)?
Estou plenamente convicta de que este é um problema da sociedade urbana, no geral, independentemente da idade, formação, profissão ou capacidade financeira. Não nos toca a todos da mesma forma, nem todos temos as mesmas opções e soluções, mas todos nos sentimos mais ou menos como hamsters presos naquelas rodas que não param de girar. E com que objetivo? Onde queremos nós chegar?
Esta seria a altura certa do artigo para começar a apresentar a origem deste problema e enumerar as respostas às questões que vos fui fazendo. Era a altura para vos dizer que o mais curioso é que a sociedade é feita por (adivinhem) nós próprios! Que quando dizemos que a sociedade nos obriga a isto ou nos impõe aquilo, estamos só a iludir-nos e a desculpar-nos, porque somos nós que impomos e nos obrigamos a tudo isto. Nós, que nos queixamos da falta de tempo, mas continuamos a marcar reuniões e comités; nós que nos enervamos no trânsito, mas não oferecemos às nossas equipas horários flexíveis ou a possibilidade de trabalhar remotamente; nós que reclamamos dos preços sempre a aumentar, mas não reduzimos o gap salarial nas nossas empresas.
Esta até podia ser a altura certa para vos dar uma receita, daquelas feitas em 5 ou 7 passos, sobre como mudar de vida, como ser mais feliz, como reduzir o stress no trabalho ou como encontrar o seu propósito. Podia, mas, se habitualmente até posso ter a pretensão de vos querer dar algum conselho, ideia ou sugestão, hoje ambiciono apenas partilhar convosco estas questões que me assaltam frequentemente.
Sabem, no meu imaginário, habita uma casa alentejana reconstruída, caiada de branco, com molduras azuis nas janelas e na porta, também ela pintada do mesmo azulão. Uma casa com a porta sempre aberta, por onde entram e saem os amigos, a família, os vizinhos e os nossos cães. Uma casa num terreno à saída da aldeia onde todos se conhecem, com espaço para a horta (que não serei eu a cultivar, para o bem de todos, especialmente das plantas) e para o tanque, atrás do qual o sol se põe. No meu imaginário, o tempo passa ao seu ritmo – nem depressa, nem devagar – e chega sempre para tudo e para todos.
É a esta casa que volto naqueles dias mais difíceis, ou nas noites em que as preocupações ocupam o lugar do sono. Certamente que farão o mesmo, com os sonhos que habitam o vosso imaginário. O que não consigo compreender é porque é que, quando terminar de escrever este artigo, voltarei a ser um hamster às voltas na sua roda, em vez de dar uma cambalhota que me permita escrever o próximo artigo à soleira da minha casa caiada de branco?