Opinião
A Era do Indivíduo – Parte IV

Em julho, escrevi o primeiro artigo desta série a que chamei a “Era do Indivíduo” numa tradução livre inspirada na principal conclusão do survey Global Talent Trends que a Mercer realizou em 2018.
Nesse survey, conclui-se que esta “Era do Indivíduo” assenta em cinco pilares:
- velocidade da mudança;
- trabalho com um propósito;
- flexibilidade permanente;
- plataforma de talento;
- digitalização.
Hoje, proponho-me falar sobre o conceito da “Plataforma de Talento”. É um conceito que está relacionado com a Platform Economy; isto é, com o mundo em que vivemos. Há pouco tempo atrás, se queríamos comida íamos a um supermercado ou a uma mercearia. Se queríamos jantar feito, íamos a um restaurante. Se queríamos serviços tão distintos como engomadoria, medicamentos ou a reserva de um hotel, tínhamos que nos deslocar fisicamente a uma loja. Hoje, tudo isto está acessível a partir de casa, no escritório ou na rua com um simples telemóvel ou outro dispositivo móvel. Até o próprio conceito de mobilidade urbana se alterou com a oferta de serviços como o car sharing, as bicicletas ou trotinetas: todos eles acessíveis em plataformas digitais.
Não é pois de estranhar que as empresas estejam a assistir também, e de forma acelerada, a alterações profundas na forma como gerem, atraem e retêm as pessoas. As novas formas de comunicar e fazer transações têm reflexos no modo como o trabalho e as empresas estão organizadas. Assistimos cada vez mais ao aparecimento de ecossistemas assentes em redes e grupos (tribos) de pessoas muito diversas que se identificam através de experiências, ritos, gostos, formas de vestir, pensar e agir muito próprias. Essas redes funcionam em plataformas e são as fontes de recrutamento do futuro, pelo que é preciso perceber as suas dinâmicas e adaptar-se às suas idiossincrasias. À semelhança do acesso à alimentação, transporte ou lazer, as empresas estão a perceber que o acesso ao talento também se faz através de plataformas. Isto significa, que assistimos a uma mudança em que deixamos de “adquirir” para passarmos a “utilizar”.
Esta alteração terá um forte impacto, nomeadamente no acesso a recursos humanos ou, se quisermos, a talento. Cada vez mais passaremos de um modelo de aquisição (recruto determinadas pessoas para preencher as funções de que necessito na minha organização), para um modelo em que utilizo/acedo temporariamente a recursos através do conceito de “Plataforma de Talento”.
A “Plataforma de Talento”, ao contrário das estruturas tradicionais, não assenta em relações hierárquicas rígidas ou em relações de trabalho estáveis. Assenta sim em quatro pilares:
- Parcerias, passando pela partilha de talentos entre empresas;
- Recurso a freelancers, alavancando o talento individual e independente;
- Crowdsourcing, escalando o conhecimento da “tribo” ou do ecossistema;
- Co-optetion, colaborando com a concorrência.
O conceito de “Plataforma de Talento” coloca, obviamente, desafios importantes à gestão das pessoas dentro e fora das empresas. Destacaria apenas um porque me parece o mais interessante e, provavelmente, o mais difícil. Como passar da lógica do Employee Value Proposition (EVP) para o Talent Value Proposition (TVP)?
O TVP surge como necessidade de dar resposta a esta nova “Era do Indivíduo” e aos desafios que estas estruturas assentes em “Plataformas de Talento” nos colocam. Deixo algumas questões para reflexão.
Como construir uma “Proposta de Valor” (EVP ou TVP) que faça sentido para:
- Comunidades externas (tribos/ecossistemas), assentes em valores e crenças muito próprias?
- Colaboradores/parceiros contingentes ou que trabalham remotamente?
- Estruturas holocráticas?
Vale a pena pensar nisto.