Julia Immonen: “O mais duro foi conhecer sobreviventes do tráfico humano”

Julia Immonen, da Justice and Care, esteve na antestreia do filme Carga, que está nos cinemas até dia 21 de novembro. O Link To Leaders esteve à conversa com esta ativista dos direitos humanos que atravessou o oceano Atlântico a remo com mais quatro mulheres para alertar para a escravidão e o tráfico de seres humanos.
Julia Immonen sempre esteve ligada aos media e ao desporto. Na última década decidiu alertar o mundo para a problemática da escravidão moderna e para o tráfico de seres humanos. Atualmente, e depois de uma carreira de 12 anos na Sky Sports News, trabalha como diretora de patrocínios da Justice and Care, uma organização que resgata vítimas da escravidão, ajuda a identificar redes criminosas e provoca mudanças sistémicas.
A grande mudança na vida desta finlandesa ocorreu em 2012, quando se juntou a mais quatro mulheres e cruzou o Atlântico a remo, estabelecendo o tempo recorde de 45 dias de viagem. No total, remaram mais de 3 mil milhas, saindo das Ilhas Canárias, próximo do litoral de Marrocos, rumo aos Barbados. Objetivo? Refazer o trajeto dos barcos que levavam escravos para as Américas, atividade que durou até ao século XIX. A iniciativa, chamada Row For Freedom (“remar pela liberdade”, em tradução livre), pretendia chamar a atenção para a questão do tráfico de seres humanos. Depois de alcançar este feito, a inglesa fundou a Sport for Freedom, uma instituição de solidariedade que quer combater a escravidão.
A Julia esteve na antestreia do filme Carga, que aborda exatamente o flagelo do tráfico de seres humano, e o Link To Leaders esteve à conversa com esta ativista dos direitos humanos.
A tripulação Row for Freedom registou, em 2012, um duplo recorde: o de mulheres mais rápidas a remar e o da primeira tripulação feminina de cinco elementos a remar no Atlântico. Qual foi a sua motivação para abraçar esta aventura?
Queria remar pela liberdade, alertar o mundo para a escravidão moderna e para o tráfico de seres humanos, temas pelos quais me apaixonei há 10 anos depois de assistir ao filme Taken, com Liam Neeson. O poder deste filme é tão grande que não só me moveu, como também me levou à ação, já que comecei a pensar em como fazer a diferença nesta enorme injustiça. Trabalhei no desporto na última década e era apaixonada pelo que fazia, então pensei que esta aventura seria uma maneira natural de fazer a diferença, apesar de não ser uma atleta profissional.
O que quero dizer é que, embora o desporto sempre tivesse feito parte da minha vida, eu era, como muitos dos membros da minha tripulação, uma remadora iniciante e muito menos qualificada para tripular qualquer tipo de navio num oceano. Fizemos de tudo para enfrentar o desafio mental que estávamos prestes a abraçar. Remámos duas vezes por semana no mar, treinámos força e condicionamento, duas vezes por semana, e recorremos ao remo (ergo) quatro vezes por semana. Fizemos até treinos a meio da noite.
Durante 45 dias remámos quase 3 mil milhas das Canárias aos Barbados e toda a minha motivação era fazer um grande barulho à volta da temática da escravidão e angariar dinheiro para a causa do tráfico de seres humanos.
No meu livro “Row for Freedom” conto a história de Alejandra, educada no seio de uma boa família, que foi enganada com uma promessa falsa de trabalho no fim da adolescência.
Qual foi o seu maior desafio durante esta aventura e que passos seguiu para superá-lo?
Tudo o que poderia dar errado deu errado, tudo o que poderia partir, partiu, geralmente a meio da noite. Tivemos tantos problemas no barco e realmente a única maneira que arranjei para superar esses problemas foi saber que a dor tinha um propósito. Remar 12 horas num dia era fisicamente difícil, mas era mentalmente mais duro conhecer os sobreviventes do tráfico humano. Os seus olhos não me saíam da cabeça!
No meu livro “Row for Freedom” conto a história de Alejandra, educada no seio de uma boa família, que foi enganada com uma promessa falsa de trabalho no fim da adolescência. Chorei enquanto ela me contava como foi violada repetidamente até a sua mente “quebrar” –, com os traficantes a ameaçarem de morte a sua família e a cobri-la de urina, degradada, forçada a fazer coisas que nenhum ser humano deveria ter de fazer. Ela era violada 20 vezes por dia. Alejandra foi a primeira sobrevivente que conheci. No meu discurso de alerta e de despertar para o assunto durante a antestreia do filme Carga, contei como fiz a rota transatlântica dos escravos, refazendo a jornada de cerca de 12 milhões de escravos, que hoje são três vezes mais. Repito: três vezes mais. Então, realmente saber que a dor tinha um propósito foi o que me fez continuar e me ajudou a superar cada desafio.
Quais os principais ensinamentos que tirou de toda esta experiência?
Não podemos todos fazer tudo, mas todos nós podemos fazer alguma coisa. É óbvio que, no momento em que sairmos e fizermos algo extraordinário para mudar qualquer coisa neste mundo, haverá contratempos, haverá desafios e será difícil. Muitas pessoas deitam fora as suas ferramentas, colocam tudo para baixo e não conseguem o atingir seu potencial e destino. Havia um barco na nossa corrida, que é uma das mais difíceis do mundo, chamado “Dream It, Do It” e esse é o lema da minha vida. Abracei esta aventura com medo, toda esta aventura foi difícil, mas valeu a pena.
Acho que globalmente as pessoas não entendem a escravidão, é algo que só começou a ser falado na última parte da década, pelo que a necessidade de aumentar a consciencialização é enorme.
O que podemos fazer para mudar a forma como a sociedade pensa sobre o tráfico humano?
Acho que globalmente as pessoas não entendem a escravidão, é algo que só começou a ser falado na última parte da década, pelo que a necessidade de aumentar a consciencialização é enorme. Acredito que a consciência e educação são massivamente necessárias em filmes como a Carga. Não importa o quão grande ou pequeno é um post que publicamos nas redes sociais a falar sobre escravidão. O importante é pormos as pessoas a falar sobre o assunto e a refletirem.
A Julia fundou a Sport for Freedom, uma instituição de solidariedade nascida da sua conquista recorde no oceano Atlântico. Qual é o objetivo do Sport for Freedom?
Ver todos os inocentes livres e todos os criminosos julgados pela justiça.
Como podem as pessoas apoiar a causa anti-escravatura?
Todos olham para o que está na sua mão, quais são as suas capacidades, quais são os seus talentos, quais são as suas áreas de influência. Mais uma vez friso que não podemos fazer tudo, mas todos podemos fazer alguma coisa. Gostava que as pessoas olhassem para o nosso site justiceandcare.org e percebessem que, ao começarem a fazer algo, já estão a ajudar. A primeira coisa que fiz foi começar a doar financeiramente a uma instituição de solidariedade anti-tráfico e acredito que a Justice & Care é de longe a instituição de solidariedade mais eficaz a fazer a diferença, como muitas instituições de caridade maravilhosas, que querem o fim da escravidão.
Então gostava que as pessoas doassem financeiramente e nos apoiassem. Há muitas outras maneiras através das quais se podem envolver nesta causa, seja através da doação dos seus presentes nos seus aniversários, seja através de algo que chamamos Spice for Life, iniciativa em que pessoas podem organizar uma espécie de Noite do Caril. Aconselho todos a visitarem o nosso site porque há muitas maneiras das pessoas se envolverem.
É importante perceber que nós podemos mudar o mundo (…)
Como podemos pensar “grande” e fazer a nossa parte na transformação da mentalidade mundial?
Muitas vezes somos facilmente absorvidos por estas grandes injustiças, mas costumo dizer que não sonho apenas e digo que sim ou me deixo perturbar. Sabe porquê? Eu posso ser o líder da mais incrível aventura de mudança de vida. Dizer sim e passar à ação é apenas o começo de uma grande aventura para si. Não sonhe só, mas faça algo. É importante perceber que nós podemos mudar o mundo, não podemos fazer tudo, mas todos nós podemos fazer alguma coisa e todas essas coisas, de maneira colecionável, mudam o mundo.
Que outro objetivo gostava de concretizar?
O meu maior objetivo na vida é não ter mais um emprego e assistir à abolição da escravidão na nossa vida.