Entrevista/ “O desafio de qualquer start-up é sempre encontrar o seu mercado”

Ricardo Marvão, co-founder & head of global projects da Beta-i

Começa hoje a conferência internacional SingularityU Portugal Summit Cascais que se realiza pela primeira vez no nosso país. Ricardo Marvão, co-founder & head of global projects da Beta-i, e responsável por trazer o evento para Portugal, falou ao Link to Leaders do que espera destes dois dias de Summit, da importância da formação e do papel da inovação tecnológica e das start-ups na sociedade.

A Nova SBE, em Carcavelos, recebe hoje o primeiro dos dois dias do SingularityU Portugal Summit, um evento que traz ao nosso país conceituados palestrantes internacionais, a que se juntam oradores nacionais de peso, para debater os temas da atualidade nos domínios das tecnologias.
Numa conversa com o Link to Leaders, Ricardo Marvão, diretor executivo da SingularityU Portugal, falou não só do que espera da conferência, como ainda analisou o impacto da educação na sociedade e o papel da inovação e das start-ups no ecossistema empreendedor nacional.

Quais as suas expetativas quanto à realização deste primeiro evento SingularityU Summit em Portugal?
A expetativa é grande. O evento traz grandes speakers a Portugal. Temos especialistas na área da neurociência, energia, finanças, sustentabilidade educação…temos uma Vivienne Ming, Founder & Executive Scientist na Socos, um David Roberts, Technology Disruption & Exponential Leadership da Singularity University… todos eles são speakers fantásticos de se ouvir.

Algum speaker em particular que destaque?
Há vários muitos bons. Mas há três que são “superstars” na comunicação. São muito bons no conteúdo, mas também são grandes storytellers: o David Roberts, a Viviene Ming e o Amin Toufani, CEO da Tlabs. E é fantástico termos todos estes speakers logo no primeiro Summit.

Como surgiu este evento em Portugal e como surge a associação da Beta-i à iniciativa?
Basicamente, fui a São Francisco e trouxe o evento para cá. A minha primeira conversa foi com o Miguel Pinto Luz [vice-presidente da Câmara Municipal de Cascais], que adorou o projeto, e depois com o Pedro Santa Clara [da Nova SBE] que também adorou a ideia. Depois de uma conversa, limámos arestas e decidimos fazer o projeto a três. E desde aí que temos estado a trabalhar em conjunto.

Há quanto tempo estão a trabalhar no projeto?
Eu desde agosto do ano passado. A  Câmara de Cascais entrou em setembro e a Nova SBE entrou em outubro. Há um ano que o evento está a ser implementado. Conseguimos trazer três grandes empresas que apoiam o Summit e que são as founding partners: a Galp, a Ageas e a Semapa.

Este será um foco da Beta-i, a área da formação?
A formação já é uma área de foco. Já temos a Innovation Academy, que trouxe para Portugal há dois anos. E este é um novo projeto. A ideia é ir crescendo na área da formação, com projetos interessantes, mas sempre com parceiros.

Os vossos objetivos apontam para alguma área em particular dentro da formação?
O plano já foi apresentado há bastante tempo e temos estado, ponto a ponto, a fazer as coisas todas. Analisar com se consegue transformar a educação olhando de uma perspetiva diferente, dos 7 aos 97 anos. O que estamos a apresentar é uma oferta para todos esses segmentos: já temos a Innovation Academy, dirigida para os estudantes universitários, temos agora a SingularityU para os executivos e estamos a montar uma área para crianças que vai dos 7 aos 15/16 anos.
A ideia é primeiro ter oferta para tudo, mas mais importante do que isso é analisar como é que o modelo da educação pode ser repensado. Nós temos muito aquela coisa do professor que dá a informação e do aluno que ouve e reflete. A nossa ideia é mais “aprender a aprender”. Ou seja, como é que a pessoa aprende a resolver problemas, como é que aprende a conseguir safar-se quando está frente a um grave problema. Andamos num mundo cada vez mais rápido, a tecnologia está a introduzir disrupções nas mais variadas áreas e temos de encontrar soluções também na área da aprendizagem.

Ao longo dos anos passaram por nós [Beta-i] talvez 800 start-ups, ou seja, três mil empreendedores. De tudo isto verificámos que havia dois grandes grupos de empreendedores: um era o dos super jovens, cheios de energia, com 21, 22 anos, cheios de ideias; e um segundo, aqueles que são mais corporativos, que conhecem bem o mercado, viram uma lacuna, que sempre quiseram montar o seu próprio projeto e que um dia  acordaram e disseram “é hoje ou nunca”. Têm alguma solidez financeira e acabam por se sentir mais confiantes para se atirarem ao desafio.

Só que quando se olha para o mindset das pessoas, e para a forma como pensam a análise de risco, a cabeça delas foi moldada por tudo o que passaram na vida. Como seria se as pessoas pensassem que falhar faz parte do processo e que arriscar faz parte da aprendizagem. Se pensassem “aprendi aquilo que não devo fazer e agora vou fazer melhor”, versus o negativo que é o que vemos hoje em dia nas empresas em que vem o chefe e diz “quero esse ensaio daqui a uma semana senão estás despedido… e a pessoa não arrisca”. Tem medo de falhar e olha para o falhar como algo negativo.. há esse estigma. A Europa está cheia deste mindset.

Já deu para perceber que a formação tem um peso importante na Beta-i, mas fazendo uma avaliação geral qual é a área de atuação fundamental?
Na Beta-i temos milhares de coisas, a formação é uma delas. A área de inovação é importante e também estamos a criar uma área de conhecimento. Cada vez estamos mais na tecnologia não é? Mas cada vez mais também precisamos de analisar a interacão com os humanos. Ou seja, como se consegue fazer com que a tecnologia tenha o propósito de ajudar os humanos, e não afastá-los senão estamos todos na mesma sala e comunicamos online, ninguém interage, ninguém fala. E depois se calhar temos uma relação maior com o nosso colega na China do que com o que está ao nosso lado.

Como avalia o impacto das novas tecnologias no tecido empresarial português?
Há muita coisa. Há grandes empresas, há umas que estão muito avançadas, há outras que estão agora a acordar … Acho que é importante que as pessoas analisem aquilo que está a acontecer. Antigamente, a empresa via o concorrente. agora não. Hoje em dia hoje, com um conjunto de tecnologias, qualquer pessoa ou grupo pequeno consegue criar uma plataforma ou serviço que passe a ser concorrente de uma empresa e que vá roubar 5% ou 10% do mercado. E de repente aquela grande empresa é atacada um bocado por todos os lados e não percebe muito bem como é que isto está a acontecer.

Acho que as empresas estão a começar a acordar para esta realidade e há muita gente a apostar forte e a perceber como é que os setores todos se cruzam. A inteligência artificial, o machine learning, big data.. é tudo transversal. Acho que estamos a assistir a um processo de revitalização de todo este tecido empresarial.

O país sempre pensou mais para a frente, os portugueses sempre foram adeptos de testar coisas novas. Fomos descobridores, tentamos sempre estar à frente.. somos early adopters, gostamos de testar coisas novas. E depois como o país é pequeno é fácil testar. Isso ajuda muito o país a ser early adopter de novas tecnologias. Agora também sinto que as tecnologias não podem ser a base de tudo.

Como assim?
A tecnologia é um instrumento, tem de ser um instrumento. Mas as pessoas cada vez mais têm de perceber para onde querem caminhar. Muitas vezes pensam a dois /três anos, é quase como o processo de eleição política. Se os políticos apenas pensarem a três ou quatro anos, que é o seu ciclo eleitoral, o país não pensa estrategicamente no futuro.

A mesma coisa acontece numa empresa. Cada vez mais é preciso pensar e transformar este mindset. Isso vê-se muito em empresas familiares que pensam numa geração, não pensam a cinco ou dez anos. Isso faz com que as pessoas comecem a pensar no que vão deixar à próxima geração. E se pensar nisso é quase como se a pessoa plantasse uma árvore que se calhar nunca vai ver crescer, não vai ver no seu auge, serão os meus filhos a ver. Se as pessoas pensarem assim não pensam no seu benefício próprio, mas no benefício do futuro.

Agora, este mindset é difícil, principalmente hoje em dia, num mundo em que temos diferentes forças políticas a pensar de forma extrema, a Comissão Europeia e a União em crise, o Brexit  que também não ajuda. Há muita coisa a acontecer.

Neste cenário de mudança, quais são os maiores desafios que as start-ups enfrentam?
O desafio de qualquer start-up é sempre encontrar o seu mercado. O modelo da start-up é muito simples: quero resolver um problema e tenho de ter um produto para o resolver. Se conseguir encontrar um produto que toda a gente quer comprar, então está feito.

Acha que estão preparadas para aproveitar este período de inovação.
As start-ups vão e vêm. Umas vão crescer, outras vão morrer. A maior parte vai morrer, faz parte. Qualquer grande empresa também começou assim e foi crescendo. Agora é que está na moda dizer start-up. Qualquer coisa é uma start-up, mas na realidade o que se pretende é encontrar uma solução para um problema que existe no mercado. Se há uma falha no mercado, alguém olha para aquilo e pensa como pode preencher essa falha.
Todos nós, individualmente, pensamos muitas vezes que isto ou aquilo era um grande negócio se existisse. Há pessoas que arriscam outras que não. Mas essencialmente é encontrar um produto que resolva essa falha. Agora há mais oportunidades, a tecnologia e o mundo vão sempre evoluindo nesse sentido, cada vez há mais network, cada vez há mais ligações entre as pessoas, descobertas a acontecer.

Como é que a sociedade se deve preparar para saber aproveitar essa inovação?
Um grande problema que vejo é a governance, a forma como o cidadão interage com a sua cidade, com o seu país. Cada vez há menos pessoas a votarem, a participar ativamente na cidadania e naquilo que é a construção de um país. Estamos a chegar àquele ponto em que uma percentagem pequena de pessoas vai tomar a maior parte das decisões por todos nós. Portanto, é preciso repensar tudo isto.

Acho que mais tarde ou mais cedo a coisa vai acontecer, com a tecnologia a ajudar de maneira a que as pessoas possam participar ativamente de uma forma simples. Não percebo porque é que as pessoas abrem uma conta no banco ou fazem um seguro diretamente no telemóvel de uma forma simples e depois para votar é preciso ir não sei onde…  A tecnologia está toda feita para que seja seguro a pessoa resolver este problema esteja onde estiver.

De que forma é que as start-ups podem assegurar que a inteligência artificial, energia renovável,  impressão 3D ou blockchain podem criar uma sociedade de abundância igualitária?
Acho que também não podemos ser ingénuos e pensar que a coisa vai mudar de um lado para o outro. Não estamos numa sociedade de abundância. Há muito a perspetiva de que a tecnologia vai trazer mais aspectos negativos do que positivos. O futuro do trabalho é um debate gigantesco que está a ser pensado e na realidade os trabalhos que irão sofrer mais são os trabalhos de ponta, mais do que aqueles que são mais manuais. Por exemplo, um cuidador de lares de terceira idade. É muito difícil ter a tecnologia ou um robot a fazer uma coisa dessas porque é preciso empatia, é preciso perceber o humano e haver contacto. Agora se calhar um radiologista está ultrapassado. Se calhar a máquina vai olhar para uma base de dados do mundo inteiro, analisar tudo o que são casos semelhantes e apresentar uma solução.

As start-ups têm um papel importante e não criar demónios com esta coisa da tecnologia. É preciso mostrar que há aqui muitos benefícios e as pessoas só pensam no mau. Se calhar devíamos pensar que a tecnologia pode ajudar, pode ser um instrumento para nos ajudar a chegar a esse momento de abundância. Para lá chegar acho que ainda vai demorar, mas temos de ser positivos e caminhar para esse sentido. Por isso é que temos de pensar a longo prazo mais do que a curto prazo.

Neste momento, como  é que Portugal é visto lá fora?
Acho que as pessoas estão muito contentes. Hoje em dia, vêem Portugal como o exemplo de um país que conseguiu sair da crise e reinventar-se. Basta ver que em 2013 tínhamos o desemprego a 18% e hoje em dia está a 6%. Claro que são apenas algumas métricas. Claro que há muito investimento estrangeiro, há turismo mas estamos no bom caminho.

Por exemplo, na Beta-i todos os dias recebemos estrangeiros ou que querem vir para cá ou querem investir ou perceber melhor o que está a acontecer neste ecossistema e como é que isto se transformou. Recebemos imensos convites para ir falar sobre como foi a revitalização do ecossistema de start-ups e do empreendedorismo. Isso tem sido o lado positivo. Depois também há outra coisa que é o facto de as pessoas gostarem de Portugal, é muito pacífico, as pessoas falam línguas, e isso tudo são benefícios que já existem.

Quais são os projetos futuros da Beta-i?
A Beta-i sempre teve um papel de olhar para o mercado e ver o que falta. Não nos interessa coisas que outros colegas já fazem bem. O que gostávamos era ver como podemos puxar o país mais para a frente, como podemos ajudar a fazer coisas que ainda faltam para que o ecossistema evolua mais, para que as empresas percebam melhor onde se podem posicionar. E, portanto, o nosso lema é sempre “onde vamos pôr forças, quais são as coisas em que faz sentido colocar as nossas forças”.

A Beta-i sempre foi uma organização que quis ariscar. Claro que falhamos de vez em quanto, mas faz parte do jogo. E em portugal há aquela coisa do “quem não arrisca não petisca”. Aqui é mais ou menos a mesma coisa. Nós estamos bem com o risco. Claro que não nos vamos atirar de cabeça para uma piscina vazia, mas é pensar e analisar muito. Falamos muito com as pessoas de fora e de cá e percebemos que se se está a ir neste ou naquele sentido e para onde devemos caminhar.

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