Opinião

Mensagens do “Milagre no Rio Hudson”

Tiago Rodrigues, economista e gestor

No dia 15 de janeiro de 2009, um incrível e improvável acontecimento ocorreu na cidade de Nova Iorque, quando o voo 1549 da companhia aérea US Airways, com 155 pessoas a bordo, pousou de emergência no rio Hudson, pouco mais de três minutos após descolar do aeroporto de La Guardia, naquela mesma cidade, na sequência de uma colisão de aves que resultou na perda dos dois motores do avião a uma altitude de apenas 850 metros.

A história deste acontecimento e do conjunto de eventos que se lhe seguiram (boatos, teorias, comissão de inquérito, etc.) serviu de argumento ao filme “Milagre no Rio Hudson”, realizado por Clint Eastwood em 2016 e cujo protagonista, Tom Hanks, vestiu a pele do até então desconhecido, hoje famoso, comandante Chesley “Sully” Sullenberger, um homem na casa dos seus 60 anos de idade e com uma vasta e longa experiência como piloto de aviação.

Gostei particularmente do enredo deste filme, que procurou retratar o inesperado acontecimento e os eventos que se lhe seguiram, certamente com vários elementos de ficção à mistura, trazendo a emoção e o suspense que normalmente caracterizam uma obra cinematográfica.

Mas é sobre algumas mensagens que retirei deste acontecimento / filme que discorro neste artigo:

  1. Imprevistos (bons ou maus) acontecem quando menos esperamos, ou aquilo que parece impossível por vezes torna-se possível: não é possível, por princípio, antecipar situações inesperadas, mas existem ferramentas ou fatores que permitem, pelo menos parcialmente, mitigar o seu potencial impacto. No caso concreto, o impossível tornou-se possível, pela sofisticação mecânica e tecnológica do avião aliada a um nível superior de preparação técnica dos pilotos (e, admitamos, alguma dose de sorte), aspetos que terão sido fundamentais para que uma tragédia fosse evitada;
  2. A experiência é, indubitavelmente, um fator sempre valioso, mais ainda em processos complexos onde o traquejo e o savoir-faire possam realmente fazer a diferença: a sabedoria na análise de diferentes cenários, a assertividade no processo de tomada de decisão e a excelência na execução de uma tarefa complexa terá, necessariamente, e a meu ver, maior probabilidade de sucesso quando efetuada por alguém mais experiente e “rodado” (ceteris paribus). Escrevi sobre esta mesma mais-valia num meu anterior artigo.
  3. A regulação e o papel dos tecnocratas/burocratas pode e deve ser importante (na medida e perspetiva correta): o filme retrata (admito que de forma algo exagerada) o papel – pouco simpático, diga-se – de um conjunto de pessoas a quem coube a responsabilidade de escalpelizar e avaliar o acontecimento – o que correu mal, o que poderia ter sido feito de forma diferente, etc.. Não tenho especial simpatia por este papel (muitas vezes desempenhado por quem julga conhecer, mas desconhece os contornos operacionais e associado a processos anacrónicos ou inúteis), mas entendo que uma regulação capaz e robusta, onde e quando a mesma se justifique, é certamente desejável, imprescindível diria em vários setores da nossa sociedade e economia;
  4. Saber distinguir a informação credível e de qualidade é, cada vez mais, um exercício necessário…e complexo: somos inundados a toda a hora e por diversas vias de um vasto rol de informação. Alguma séria, útil, construtiva e desinteressada, outra nem por isso. Num tempo em que poucos parecem ter interesse ou disponibilidade em pagar (de forma direta) pela informação que consomem (e tão importante que esta é!), ficamos sujeitos a uma deterioração da sua qualidade. Porque a comunicação também é um negócio e aquilo que “vende” nem sempre é o mais importante, mas o (superficial sensacionalismo) que as pessoas preferem “comprar”;

E por fim, mas não menos importante,

  1. Nada se faz sozinho, mas muito pode ser alcançado com o contributo e envolvimento de todos. E uma verdadeira liderança sabe reconhecê-lo: no final da comissão de inquérito, quando parabenizado pelo incrível feito, o comandante “Sully” recusou-o, atribuindo, ao invés, o mérito do mesmo ao contributo de toda a tripulação, dos passageiros, dos profissionais da torre de controlo, embarcações e bombeiros que rapidamente os foram socorrer, entre outros. O ato de pousar o avião no rio foi mérito do comandante, mas o feliz desfecho, sem qualquer vítima a registar, foi mérito de muitos mais. Anda pois enganado quem acha que o sucesso é algo unipessoal.
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Tiago Rodrigues

Tiago Rodrigues

Tiago Rodrigues conta com mais de quinze anos em funções de gestão e administração em empresas de energia, infraestrutura, turismo e imobiliário e oito anos como consultor, com experiência de vida, profissional e académica em Portugal, Brasil, Reino Unido e EUA. Concluiu um programa de liderança em Harvard, uma pós-graduação em finanças, uma licenciatura em economia e um bacharelato em contabilidade e administração. Foi palestrante em dezenas de eventos de negócios na Europa e em programas de universidades portuguesas. Gosta... Ler Mais..

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