Opinião

Controlo e autonomia – Um paradoxo?

Diogo Alarcão, gestor

Frequentemente ouvimos líderes dizer que precisam de controlar as suas equipas porque não confiam, porque precisam de incutir mais ritmo, porque precisam de garantir a qualidade do serviço e do produto ou, pura e simplesmente, porque “compete ao chefe controlar”. Felizmente, esta última razão é cada vez menos invocada!

Mas também começamos a ouvir líderes a dizer que precisam cada vez menos de controlar as suas equipas porque confiam nas pessoas, porque se sentem seguros com os procedimentos instituídos, porque apenas estão interessados nos resultados ou, pura e simplesmente, porque consideram que um líder mais do que controlar deve dar autonomia e poder de decisão às suas equipas.

A questão que nos podemos colocar é, pois, se o controlo e a autonomia são um paradoxo. Isto é, se é possível controlar dando autonomia ou se a autonomia pressupõe afastamento de controlo. No fundo, o que estará em causa é perceber se controlo e autonomia encerram em si uma contradição ou se podem conviver entre si.

O primeiro tipo de líder que referi, dir-nos-á que controlo e autonomia são um contrassenso; isto é, para o exercício eficaz do controlo é necessário balizar a autonomia. O segundo tipo de líder dirá, provavelmente, que embora possam coexistir porque não são realidades antagónicas, haverá sempre que privilegiar a autonomia em detrimento do controlo.

Parece-me que existe uma terceira via. Na realidade, acredito que é possível exercer uma função de liderança baseada em mecanismos de controlo e, ao mesmo tempo, apostando na forte autonomia das equipas. A chave estará no equilíbrio que é necessário assegurar. O que precisamos, então, de garantir para conseguir esse equilíbrio entre controlo e autonomia?

Atrevo-me a sugerir duas condições:

  1. Confiança
  2. Disciplina

A primeira condição começa desde logo no próprio líder. Quem confia em si mesmo tende a não precisar de controlar tudo e todos. Na realidade, é frequente vermos líderes que são uma verdadeira dor de cabeça para as suas equipas e fator de entropia porque são micro gestores. Precisam de estar na posse de toda a informação, têm uma desconfiança doentia sobre tudo e todos, perdem tempo a rever o que já foi revisto, massacram as equipas devolvendo para “mais uma análise” processos, propostas e resoluções.
Normalmente, esses líderes têm baixos níveis de autoconfiança e transferem para as suas equipas e organizações essas suas inseguranças, medos e incertezas, desmoralizando equipas e paralisando as organizações. Ganhar confiança em si mesmo é, pois, um primeiro passo para conseguir conciliar controlo e autonomia.

Mas esse exercício pressupõe também a necessidade de ganhar confiança em relação às equipas e pessoas que lideramos. Para tal, é necessário que o líder aceite correr alguns riscos (nem tudo corre sempre bem), preocupar-se menos consigo e mais com os outros e, sobretudo, estar atento aos sinais dos diferentes stakeholders (colegas, subordinados, superiores hierárquicos, acionistas, clientes e fornecedores). Não é por tentar controlar tudo e todos que vamos conseguir garantir que não existem erros e que toda a gente está satisfeita. Se estivermos atentos aos sinais que nos chegam, poderemos antecipar lacunas, evitar dificuldades e corrigir erros.

Esta atitude pressupõe a segunda condição para conseguir um equilíbrio entre controlo e autonomia: a disciplina. O líder que é rigoroso nas suas orientações, que estabelece procedimentos eficazes e que define objetivos claros está a criar as condições para que as suas equipas possam funcionar de modo autónomo. Ao fazê-lo está também a proporcionar as condições para que as mesmas se desenvolvam e fiquem mais responsáveis pelos seus atos e decisões. Não quero com isto dizer que o líder que confere autonomia às suas equipas está a passar uma “carta em branco” ou a dizer que “vale tudo”. Isso não é autonomia nem liderança, é desresponsabilização e anarquia.

Os líderes das chamadas edge organizations transferem as tomadas de decisão para as equipas e estas, por sua vez, passam a funcionar em rede. Estas equipas decidem sobre a organização do trabalho, bem como sobre a definição e cumprimento de metas e objetivos. O conceito de edge organization advém dos princípios do edge computing que consiste numa forma descentralizada de computação e armazenamento de dados. O conceito de edge computing permite acelerar o processamento de dados ao aproximar a capacidade de processar dados do ponto da sua utilização. Em termos de liderança, poderemos traduzir este conceito pela capacidade de aproximar o poder de decisão do ponto de execução da mesma. No modelo tradicional o líder decide e as equipas executam. No modelo edge o líder controla e as equipas decidem e executam.

Parece-me ser esta a chave para a resposta à pergunta inicial: “Controlo e Autonomia, um paradoxo?” Acredito que é possível conciliar controlo e autonomia. Ao longo da vida tenho procurado conciliar estas duas realidades porque acredito que as organizações podem crescer mais e melhor através de um controlo disciplinado, por parte dos líderes, e de uma autonomia responsável, por parte das equipas.
Quanto maior for a descentralização das tomadas de decisão, maior é o grau de responsabilização e, consequentemente, maior será a autonomia das equipas e menor a necessidade de controlo por parte dos líderes.

E você? Considera-se um “líder edge”?

E a sua empresa? Já é uma “edge organization”?

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Diogo Alarcão

Diogo Alarcão

Diogo Alarcão tem feito a sua carreira essencialmente na área da Gestão e Consultoria. Atualmente é Vogal do Conselho de Administração da Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões. Foi Chairman da Marsh & McLennan Companies Portugal e CEO da Mercer Portugal. Foi Diretor da Direção de Investimento Internacional do ICEP, de 1996 a 2003. Foi assessor do Presidente da Agência Portuguesa para o Investimento de 2003 a 2006. Licenciado em Direito, pela Universidade de Lisboa, concluiu posteriormente... Ler Mais..

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