Opinião
Conheça a start-up nacional que pôs o sangue do cordão umbilical ao serviço da medicina regenerativa

Com seis anos de atividade, 2,5 milhões de euros investidos e uma tecnologia que usa o sangue do cordão umbilical para obter um produto não celular com elevado potencial regenerativo, a Exogenus Therapeutics continua o seu caminho para transformar resultados científicos em soluções que possam melhorar a saúde e a vida das pessoas. Acaba de firmar uma parceria com a Boehringer Ingelheim e planeia entrar em novas áreas, revelou Joana Correia, investigadora, cofundadora e CEO da start-up.
A vontade de transformar resultados científicos em soluções que realmente melhorem a vida das pessoas foi o ponto de partida para a criação da Exogenus Therapeutics há seis anos. Desde então esta start-up, especializada na investigação e desenvolvimento de tecnologia na área da medicina regenerativa, tem visto o seu trabalho reconhecido nacional e internacionalmente, e acaba de celebrar uma parceria com a Boehringer Ingelheim.
Em entrevista ao Link To Leaders, Joana Correia, investigadora, cofundadora e CEO da Exogenus Therapeutics, reconhece que “a área de desenvolvimento de medicamentos em Portugal está a crescer, mas muito lentamente, porque é uma área em que há muito risco e é necessário muito investimento”.
Nada que desencoraje os planos da start-up. “Estamos a iniciar trabalhos muito interessante que esperamos que venham a permitir lançar produtos em áreas bastante diferentes, como a agricultura ou aquacultura, e assim contribuir para um mundo mais ecológico e sustentável”, desvendou Joana Correia, que continua à “procura de parceiros que estejam interessados em testar o nosso produto noutros contextos de doença relevantes”
Como e quando surgiu a ideia de criar a Exogenus Therapeutics?
Como investigadora sempre tive vontade de transformar resultados científicos em soluções que realmente pudessem melhorar a vida das pessoas. A Exogenus Therapeutics nasceu em 2015, por evolução natural desta vontade, numa fase em que os resultados científicos obtidos no laboratório pela nossa equipa sugeriam que era possível usar o sangue do cordão umbilical para obter um produto não celular, com elevado potencial regenerativo, possível de aplicar a qualquer paciente com feridas crónicas.
A participação no programa de aceleração e comercialização de tecnologias Cohitec (agora HiseedTech) foi essencial para nos ajudar a identificar o potencial de negócio da nossa tecnologia, o melhor caminho a seguir e os recursos necessários para poder chegar ao mercado.
Qual o investimento realizado neste projeto?
O investimento total realizado pela Exogenus ao longo destes anos foi de cerca de 2,5 milhões de euros, totalmente aplicado na nossa atividade principal que é Investigação e Desenvolvimento (I&D), na área de medicamentos biológicos.
“(…) a Boehringer Ingelheim irá utilizar o nosso produto Exo-101 para realizar testes de eficácia em alguns modelos de doença, na área da medicina regenerativa”.
Formalizaram recentemente uma parceria com a Boehringer Ingelheim. Qual o objetivo e quais os próximos passos?
Esta parceria com a Boehringer Ingelheim (BI) surge como resultado do nosso trabalho ao longo destes seis anos, em que desenvolvemos o produto Exo-101 e demonstrámos o seu potencial terapêutico em diferentes modelos de doença.
No âmbito desta parceria, a BI irá utilizar o nosso produto Exo-101 para realizar testes de eficácia em alguns modelos de doença, na área da medicina regenerativa. Se os resultados indicarem que o Exo-101 é capaz de regenerar os diferentes tecidos e tratar as doenças alvo, é expetável que o acordo de parceria avance para os passos seguintes de desenvolvimento, nomeadamente a produção do Exo-101 com qualidade clínica e avaliação de segurança e eficácia em pacientes, através da realização de ensaios clínicos.
Para nós, esta parceria representa um milestone atingido, porque nos permite dar continuidade ao desenvolvimento do nosso primeiro produto, e aproximarmo-nos do objetivo final que é a sua aplicação clínica e a melhoria da qualidade de vida das pessoas com as doenças em questão.
“Estamos neste momento à procura de parceiros que estejam interessados em testar o nosso produto noutros contextos de doença relevantes (…)”.
O produto estrela da start-up é o Exo-101. Pode falar-nos mais sobre esta solução?
O Exo-101 é um produto derivado de sangue do cordão umbilical (SCU), enriquecido em vesículas extracelulares (EV) – comummente referidas de exosomas – que contêm diferentes tipos de moléculas com efeito regenerador e anti-inflamatório. Já conseguimos demostrar que o Exo-101 pode ser usado para controlar a inflamação e induzir a regeneração de vários tecidos, o que indica que tem potencial terapêutico para um leque alargado de doenças. Estamos neste momento à procura de parceiros que estejam interessados em testar o nosso produto noutros contextos de doença relevantes, em semelhança ao que a Boeringer Ingelheim está a fazer para o grupo particular de doenças que selecionou.
A que se deve o interesse crescente em explorar as células do sangue do cordão umbilical?
O SCU é um material biológico especial porque é rico em células estaminais que têm capacidade para se transformar em diferentes células, e por isso são usadas, por exemplo, para reconstituir o sistema imunitário de pacientes imunosuprimidos. Boa parte dessas propriedades terapêuticas das células do SCU são mimetizadas pelas vesículas extracelulares e exosomas que elas libertam quando estão em cultura, e foi esse fenómeno que nós descobrimos e que utilizámos como base para o nosso primeiro produto. Cerca de 90% do SCU é desperdiçado a nível mundial, e com este produto nós criámos uma estratégia inovadora para reduzir o desperdício e maximizar a utilização do SCU no tratamento de mais doenças.
Qual tem sido o feedback por parte das comunidades médica e científica ao projeto?
Ao longo destes seis anos de atividade construímos uma rede de parceiros científicos e médicos enorme, e tivemos sempre muito apoio e reconhecimento. A nossa missão de desenvolver medicamentos baseados em EV e exosomas tem sido reconhecida a nível mundial como extremamente inovadora, e temos tido bastante visibilidade internacional. Publicámos vários artigos científicos, temos patentes que protegem o nosso primeiro produto, e creio que também tem sido graças a isso que conquistámos a aceitação por parte das comunidades médica e científica.
Quais os desafios que se colocam à medicina regenerativa hoje em dia?
A medicina regenerativa é um universo gigante, que tem vindo a crescer e vai continuar a fazê-lo de forma significativa nas próximas décadas, especialmente porque vivemos cada vez mais anos e vamos perdendo a capacidade regenerativa dos tecidos ao longo do tempo. A ciência tem contribuído imenso para a compreensão dos mecanismos de regeneração de tecidos, mas ainda estamos longe de ter estratégias que permitam estimular eficazmente a regeneração (e/ou o rejuvenescimento) dos tecidos envelhecidos.
Doenças como as feridas crónicas, por exemplo, que surgem tipicamente associadas a outras comorbidades como a diabetes, hipertensão e obesidade, vão ter cada vez maior incidência, e é por isso urgente desenvolver produtos que possam acelerar a cicatrização de feridas e promover a regeneração dos tecidos envolvidos. Mas há muitas outras doenças gravíssimas sem tratamento eficaz atualmente, como a isquemia cardíaca ou dos membros inferiores, que urgem estratégias inovadoras de tratamento.
A carreira académica da Joana foi sempre dedicada à medicina regenerativa. De que forma a sua experiência está a ajudar a Exogenus?
Na verdade, iniciei a minha carreira como investigadora na área do cancro e durante esse período adquiri bastante experiência em modelos de doença, biologia molecular e celular, bioinformática, etc. Dediquei-me à área da medicina regenerativa nos últimos 10 anos, e essa experiência tem sido fundamental para poder planear e gerir os trabalhos de I&D da Exogenus, e posicionar de forma estratégica e realista os objetivos futuros da empresa.
“A área de desenvolvimento de medicamentos em Portugal está a crescer, mas muito lentamente, porque é uma área em que há muito risco e é necessário muito investimento”.
Considera que as start-ups portuguesas têm vindo a desenvolver soluções que respondem a necessidades específicas na saúde, no geral, e nas diversas áreas terapêuticas, em particular?
A área de desenvolvimento de medicamentos em Portugal está a crescer, mas muito lentamente, porque é uma área em que há muito risco e é necessário muito investimento. No entanto, a minha expetativa é que alguns exemplos de sucesso venham a demonstrar em breve a nossa capacidade nesta área, e a servir de exemplo para mais empresas serem criadas (mas eu sou suspeita!).
Mas há muitas start-ups a trabalhar noutras áreas da saúde, no desenvolvimento de dispositivos médicos para tratamentos e diagnóstico, saúde digital, etc, com imenso sucesso e que têm gerado soluções inovadoras para o setor.
Como vê a Exogenus dentro de dois anos?
Daqui a dois anos espero que a Exogenus seja uma empresa reconhecida a nível mundial como uma empresa plataforma que suporta o desenvolvimento pré-clínico de medicamentos baseados em EV e exosomas, através de I&D interna e parcerias com a indústria farmacêutica e biotecnológica.
Este tipo de ferramenta (EV e exosomas) tem potencial para transformar diferentes segmentos de mercado na área da saúde, como a entrega dirigida de drogas para tecidos específicos, o transporte e entrega de RNA em terapia génica, transporte de moléculas anti-microbianas, etc, e nós queremos estar na frente desta onda de inovação, colocando a nossa experiência ao dispor da indústria para juntos desenvolvermos estratégias que possam melhorar a qualidade de vida das pessoas.
Projetos para o futuro…
Estamos a iniciar trabalhos muito interessante que esperamos que venham a permitir lançar produtos em áreas bastante diferentes, como a agricultura ou aquacultura, e assim contribuir para um mundo mais ecológico e sustentável.
Respostas rápidas:
O maior risco: Não conseguir atrair o financiamento necessário para dar continuidade ao projeto.
O maior erro: Não ter implementado uma estratégia forte de internacionalização mais cedo.
A maior lição: Nunca desistir do que realmente acreditamos, mesmo que todas as forças pareçam estar contra.
A maior conquista: A primeira parceria com a indústria farmacêutica.