Opinião

Como avaliar um Orçamento de Estado

João César das Neves, economista e professor catedrático

Todos os anos a discussão à volta do Orçamento de Estado cria enorme burburinho. O Governo faz pequenas revelações durante semanas para alimentar o interesse. No dia fatídico, o senhor ministro exalta a profusão de medidas e garante maravilhas para o ano seguinte.

O problema de todo esta encenação é que esconde aquilo que realmente interessa num OE, que afinal é bastante simples. Claro que existe sempre muito a dizer de relevante num documento desta dimensão. Mas só se entende a verdadeira realidade de um orçamento público considerando alguns números decisivos. Por isso é que a discussão política nos inunda de pormenores, para nos desviar das perguntas fundamentais.

Antes de mais, é preciso saber que um orçamento analisa-se sempre em relação ao anterior. Seria bom ter um “OE base zero”, que considerasse de forma nova o aparelho público, mas isso permanece sempre no reino da fantasia; assim, o que interessa é a evolução. Infelizmente, em Portugal, as coisas evoluem muito, pois os governos aproveitam o documento para mini-reformas fiscais, políticas sectoriais e outras novidades, que pouco têm a ver com as contas públicas.

Nestas, o primeiro número a consultar deve ser sempre a evolução da despesa total. Todo o dinheiro que o Estado gasta é nosso e vem cá buscá-lo, de uma forma ou de outra. Assim, o que temos de saber é: quanto é que nos vai tirar a mais desta vez? No caso do documento para 2024, essa rubrica global sobe quase 10 200 milhões de euros, o maior aumento da história. Cresce, não só mais que os preços, subindo em termos reais, mas até mais depressa que a própria economia pois, em percentagem do produto nacional, esse total aumenta de 43,6% em 2023 para 45,5%. Esta é a dimensão da carga do aparelho público sobre a economia.

O segundo aspeto é como o Estado nos tira esse dinheiro. Pode usar impostos, endividamento, através do défice, ou outras formas de receita, que são sempre variantes de impostos. Ora desta vez, como as contas já estavam em excedente, e como a receita total aumenta só 8 600 milhões, menos que a despesa, isso significa que o saldo vai descer: o excedente de 2 200 milhões será reduzido para 660 milhões. Isso significa que este ano o esforço previsto de redução da dívida pública será substancialmente menor.

Nos aumentos da receita três rubricas se destacam: a subida dos impostos indiretos de 3 300 milhões (taxas sobre os preços, como o IVA, empurradas pela inflação), as transferências de capital de 2 000 milhões (dinheiro do PRR, pago pela Europa; mas também somos Europa) e as contribuições sociais de 1 400 milhões. Isso faz com que o total da carga fiscal, impostos e contribuições, volte a subir, desta vez para 38,2% do produto; algo que só passou despercebido pela discussão centrada nas pequenas reduções do IRS.

A terceira questão a considerar num orçamento é onde o Estado gasta o tal dinheiro a mais. Ora este ano a distribuição é bastante variada: as pensões sobem 3 000 milhões, os salários 1 500 milhões, o consumo do Estado mil milhões e os juros da dívida 600 milhões, enquanto o investimento, de novo graças ao PRR, aumenta 1 800 milhões.

Estes são os grandes números do Orçamento, aqueles que ninguém pode ignorar para entender o que realmente se passa. Depois, só depois, se devem entrar nos outros pormenores. Alguns deles importantes.

Sendo estas as segundas contas deste governo de maioria, está estabelecida a orientação da política económica, e é a linha do equilíbrio que já vinha da geringonça. Espantosamente, desde 2015 que temos governos de esquerda, alguns até com ligação à extrema-esquerda, a apresentar como prioridade a austeridade das “contas certas”. Isso só é possível graças à ilusão que acertar as contas afinal não têm custos. O Governo continua a dizer que vai conseguir subir a despesa, cortar os impostos e ter excedente. Na falta de verdadeiras reformas estruturais, tal ficção tem de gerar dramas nos serviços públicos, já evidentes, por exemplo, na Saúde e Educação.

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João César das Neves

João César das Neves

Licenciado e doutorado em Economia, João César das Neves é professor catedrático e presidente do Conselho Científico da Católica Lisbon School of Business & Economics, instituição onde, ao longo dos anos, já desempenhou vários cargos de gestão académica. Também possuiu um mestrado em Economia pela Universidade Nova de Lisboa e um mestrado em Investigação Operacional e Engenharia de Sistemas pelo Instituto Superior Técnico. Ao longo do seu percurso profissional também esteve ligado à atividade política. Em 1990 foi assessor do... Ler Mais..

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