Opinião

Atos de heroísmo, reconhecimento e seus efeitos

Eugénio Viassa Monteiro, professor da AESE-Business School*

Em situações que estamos a viver, do coronavírus, com a ameaça do contágio fácil e amplo, encontramos magníficas atitudes de sentido do dever, de todo o pessoal sanitário, desde os que fazem os testes nos pontos de entrada no país – aeroportos, portos, fronteiras, etc – para avaliar a situação de pessoas com/sem a doença, até ao pessoal hospitalar (médicos, enfermeiros, paramédicos, analistas, etc.).

Por isso, ainda que haja imitação, é muito viva e agradecida a reação da população quando se estipula que a uma certa hora do dia os nossos heróis sejam aplaudidos, numa mostra de grata satisfação de cada um dos cidadãos, onde tal demonstração teve lugar.

Ainda bem que há sensibilidade para se ver o sentido do dever levado à prática, sobretudo em condições difíceis, quando o perigo de contágio espreita em qualquer esquina, a toda a hora. Todo o cidadão entende, porque no seu exercício profissional terá tido algum dilema ético difícil, onde terá escolhido fazer o que é correto, mesmo que com sacrifícios.

São situações assim que nos humanizam e elevam, fazendo entender a parte sublime do comportamento humano, tanto dos que se expõem, como dos que os aplaudem. Tanto a uns como a outros, estes momentos de crise muito ensinam e trazem à superfície os mais profundos valores humanos, entre eles a fortaleza para não virar as costas e proceder como devemos, cuidando dos que necessitam, tanto em casos extremos, como noutras situações menos dramáticas, mas que exigem heroísmo.

No domingo, dia 22 de março, um dia de lockdown em quase toda a Índia, todos pararam as suas ocupações caseiras para homenagear os que cuidam da nossa saúde. Em Mumbai, na rua onde vivo, vi pessoas nos andares de edifícios vizinhos numa longa salva de palmas; outros, com utensílios mais sonoros, ampliavam a salva, num tom festivo e grato.

Quando presenciava esta homenagem, vieram-me ao pensamento alguns episódios ocorridos num ataque terrorista a Mumbai, em 26 de novembro de 2008. Muitos gestos de grande empatia com o sofrimento dos diretamente atingidos e dos seus familiares, anónimos, como do condutor que levou uma pessoa ao hospital, onde um parente teria sido transportado. À chegada, o condutor, pobre e vivendo mal como todos os rickshawalas, recusou-se a receber o preço da corrida. Gestos destes são como um bálsamo para quem está a sofrer!

Também me recordei do assalto ao Taj Hotel, um ex-libris de Mumbai, posto na forma de um caso de estudo, em filme, recolhendo entrevistas a empregados e dirigentes do hotel, principal alvo dos terroristas naquele dia. Este foi um dos casos discutidos na Semana Internacional do Executive MBA de uma Escola de Negócios de Lisboa, no Indian Institute of Management, Ahmedabad, Índia.

No ataque ao hotel os hóspedes narraram uma atitude extraordinária dos seus empregados. Quase ninguém fugiu a procurar um local seguro e todos estiveram focados em ajudar os hóspedes a buscar segurança fora do hotel. As operadoras de telefone depois de terem sido evacuadas, decidiram voltar para contactar cada um dos quartos para indicar que permanecessem com a porta trancada. Empregados que ao ver um hóspede procuravam pô-lo a salvo, mesmo com o risco da própria vida.

Alguns empregados da cozinha fizeram uma barreira de proteção para deixar sair os clientes, por uma escada de serviço. Um terrorista deu-se conta e matou vários dos empregados e hóspedes. Não fora a atitude comprometida dos empregados com o hotel, de serem os últimos a abandonar o barco, haveria muitos mais mortos. Morreram 31 pessoas, entre os quais 11 empregados. O hotel teria mais de 1200 hóspedes…

Porque os empregados reagiram assim? Haverá muitas razões, como a exemplaridade dos dirigentes, o modo como se recruta, pelas atitudes pessoais de simpatia, de serviço; recrutam nas escolas locais, com quem mantêm boa relação. Também o treino e a preparação que recebem, bem como a retribuição, em particular com as iniciativas oportunas para servir o cliente, etc.

Em geral parecia haver uma boa identificação com a organização, neste caso o Grupo Tata, no qual há sempre uma atitude de respeito, de lealdade, de justiça, nunca despedindo ninguém por redução temporária da atividade. É também um grupo muito comprometido com a sociedade, a ponto de 66 % dos lucros do Grupo (muitos milhares de milhões de dólares por ano) serem dedicados à filantropia: hospitais de cancro e outros; ensino (o Indian Institute of Sciences de Bangalore), bolsas de estudo sem conta; artes, música, etc.

*Professor da AESE-Business School, do IIM Rohtak (Índia) e autor do livro “O Despertar da Índia”

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Eugénio Viassa Monteiro

Eugénio Viassa Monteiro

Eugénio Viassa Monteiro, cofundador e professor da AESE, é Visiting Professor da IESE-Universidad de Navarra, Espanha, do Instituto Internacional San Telmo, Seville, Espanha, e do Instituto Internacional Bravo Murillo, Ilhas Canárias, Espanha. É autor do livro “O Despertar da India”, publicado em português, espanhol e inglês. Foi diretor-geral e vice-presidente da AESE (1980 – 1997), onde teve diversas responsabilidades. Foi presidente da AAPI-Associação de Amizade Portugal-India e faz parte da atual administração. É editor do ‘Newsletter’ sobre temas da Índia,... Ler Mais..

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