Opinião
As cedências que o poder implica

A última temporada da série norueguesa Borgen acaba com um discurso de Birgitte Nyborg (líder do partido Nova Democracia, Ministra dos Negócios Estrangeiros e ex-Primeira Ministra da Dinamarca) que devia integrar todos os manuais de gestão.
Em tradução livre diz mais ou menos isto…“Não se pode ser político sem lutar pelo poder. Sem poder não podemos avançar com as políticas em que acreditamos e consideramos mais importantes. Mas o poder tem vida própria! De repente, para o manter, abdicamos de tudo aquilo em que acreditávamos… e cheguei a um ponto em que… disse coisas horríveis … para me manter no poder… espero nunca perder a capacidade de admitir que estou errada….vou renunciar ao cargo de líder …” (Ver a partir do minuto 43 do Episódio 8, da Temporada 4).
Birgitte tinha uns anos antes sido eleita para Primeira-Ministra com um discurso onde, entre outras coisas, afirmara que… “sou política porque tenho opiniões fortes sobre como o mundo deve ser… e acredito que este é o caminho para tentar fazê-las acontecer…”
Ao longo da série seguimos os vários anos em que foi Primeira-Ministra, e depois Ministra dos Negócios Estrangeiros, e assistimos a todas as cedências, pessoais e políticas, que foi fazendo para se manter no poder ao longo do tempo, devagar, sem se dar conta do que estava a fazer.
Até que um dia a realidade entrou-lhe pelos olhos, viu que as cedências que tinha feito a tinham afastado de muito daquilo em que acreditava… e demitiu-se!
Este é, não o único, mas um dos grandes desafios que os detentores de poder enfrentam. De facto, sem poder não conseguimos fazer acontecer aquilo em que acreditamos. Mas para o manter, muitas mais vezes do que o desejável, fazemos desvios dessas mesmas convicções para que queremos ter o tal poder
O que fazer?
Até onde ceder?
Do que vale a pena abdicar para conseguir alguma coisa?
Quais são as coisas terríveis que estamos dispostos a fazer ou a dizer para nos mantermos na cadeira que nos permite fazer acontecer?
Até onde aceitamos levar a necessidade de sair do rumo que tínhamos traçado para conseguir chegar a fazer uma parte do que tinha sido definido como objetivo?
Se fosse possível que todos os detentores de poder – político, económico, nas empresas e nas organizações, e até nas famílias – tivessem consciência das cedências que vão fazendo, e para elas definissem limites, conseguiríamos talvez não ultrapassar os limites das convicções que temos e que justificaram a nossa tomada de poder!
E quando as cedências se tornam demasiadas, quando o rumo que trilhamos já nada tem a ver com o que tínhamos traçado, quando já nos sentimos fora de pé… há que saber sair.
Deixar de acreditar que amanhã vai mudar, perceber que não vamos conseguir voltar para trás e apagar o que de “mau” fizemos, reconhecer que nem tudo vale a pena para chegar a um objetivo maior… e ter a coragem de, como Birgitte, saber sair quando já não nos reconhecemos e os nossos atos já não correspondem aquilo em que acreditamos.
Desafios difíceis!
Assunto poucas vezes abordado, este do compromisso entre cedências para manter o poder que nos permite fazer aquilo em que acreditamos, e o trilhar de caminhos que já não reconhecemos.
Mas fundamentais para um desempenho honesto das nossas funções e respeito por quem nos deu o poder baseado nas promessas que fizemos!