Opinião
As ambiguidades da retenção de talentos

Um dos problemas mais críticos que as empresas e os profissionais de Gestão das Pessoas enfrentam atualmente é aquilo que se designa por “Atração e retenção de talentos”.
Embora estes dois conceitos apareçam frequentemente juntos, sugerindo que se trata de realidades complementares e até indissociáveis, eles são, no entanto, não só substancialmente diferentes como podem mesmo ser contraditórios em relação aos objetivos que lhes estão subjacentes, designadamente os de criar ciclos de talento que sustentem as estratégias de sucesso e desenvolvimento das empresas e organizações.
Comecemos por uma aproximação em relação ao que é o “talento”. Apesar de não ser um conceito completamente linear, aceitamos como ponto de partida a definição, já canónica, apresentada no conhecido livro “The War for Talent” (Michaels, Handfield – Jones & Axelrod, 2001) que propõe que o talento é o “somatório das capacidades de uma pessoa – os seus dons intrínsecos, habilidades, conhecimento, experiência, inteligência, capacidade de julgar, atitude, caráter e motivação. E inclui também a capacidade para aprender e crescer”.
Apesar do caráter extremamente abrangente desta definição, que corre o risco de redundar em abstrações difíceis de operacionalizar, a ideia geral, quando falamos de talento em contexto profissional, é a de que nos estamos a referir a um conjunto de características de que uma pessoa é possuidora e que, quando transpostas para a prática, se traduzem em ações concretas que, enquadradas numa determinada cadeia de valor, produzem níveis elevados e diferenciados de performance profissional. Sendo a diferenciação pela positiva o elemento mais determinante para se identificar esta categoria, talvez seja mais fácil, e mais operacional, aceitar então a perspetiva de Buckingham & Clifton (2001), que propõem simplesmente que o talento é uma coisa que uma pessoa faz melhor do que a média, gastando menos recursos.
Assim sendo, é óbvio que, para as empresas, terem no seu seio colaboradores considerados como talentos é uma questão essencial para o seu progresso e desenvolvimento, o que as leva a procurarem nos mercados atrair e captar essas pessoas para os seus modelos de negócio.
Mas como as realidades sociais e de mercado são extremamente dinâmicas e os níveis de exigência são cada vez maiores, as preocupações pela atração de talentos enfrentam desafios que se traduzem num ordenamento das lógicas de concorrência nos mercados de trabalho completa e radicalmente diferente dos modelos tradicionais herdados da Segunda Revolução Industrial: em vez de serem as pessoas a competir para obter empregos nas melhores empresas, são as empresas que hoje competem para conseguir os melhores colaboradores.
Estes, por sua vez, enquadrados em dinamismos de mercado que lhes nutrem a autoestima e lhes fazem aumentar as expetativas, orientam as suas motivações para projetos profissionais que os façam crescer e desenvolver novas aptidões, tornando-os muito versáteis às possibilidades de diversificação das suas experiências e a uma maior mobilidade profissional. Perante isto, e para garantirem o retorno do investimento realizado com a contratação de novos talentos, as empresas enfrentam o desafio não só de os captarem, mas de oferecerem condições que sejam suscetíveis de neles gerar um interesse ativo para aí permanecerem.
Mas é justamente neste processo, habitualmente designado por “retenção de talentos” que algumas ambiguidades podem surgir e que, no limite, podem comprometer a perenidade dos vínculos profissionais que ligam esses colaboradores às suas empresas.
Se, como salientam Michaels, Handfield-Jones & Axelrod (op.cit.), “o talento é um dom que deve ser cultivado e não deixado a definhar”, a melhor estratégia para o gerir deverá consubstanciar-se na promoção de desafios permanentes que contrariem a tendência conservadora que os seres humanos têm para se instalarem no usufruto do “bem bom” já conseguido, e irem perdendo a pouco e pouco a energia indispensável para se elevarem a novos níveis de grandeza.
Mas conseguir essa elevação não é qualquer coisa que se obtenha sem esforço; e, mais crítico ainda, não é uma coisa que se obtenha sem renúncia.
Na verdade, como bem sublinha Colvin (2008), “fazer as coisas que sabemos fazer bem, é agradável”, mas não é suficiente para evocar nas pessoas a capacidade, e a vontade. de “ir mais além”, porque “se as atividades que conduzem à grandeza fossem fáceis e agradáveis, então toda a gente as realizaria e não possibilitaria a distinção do best from the rest” (op.cit.).
Em sequência, o autor sustenta que “em vez de fazermos apenas as coisas em que somos bons, devemos procurar insistentemente as coisas em que não somos bons. Depois, identificamos as atividades difíceis e dolorosas (painfull, difficult activities) que nos tornarão melhores e realizamo-las repetidamente” (idem).
Nesta linha, os ciclos de desenvolvimento do talento não são lineares, e as competências já adquiridas não constituem necessariamente uma base sólida de precedências para passar a outros níveis mais elevados de performance. Por isso, a preocupação por reter talentos não pode (ou, pelo menos, não deve) passar por uma mera acumulação e reprodução de competências já existentes, mas tem de ser irrigada por processos que desafiem de facto essas competências, mesmo a ponto de se poder correr o risco de, temporariamente, se perder parte do talento já adquirido.
Sem dúvida que os “talentos” são pessoas concretas, em quem se investe, de quem se espera retorno e que é importante reter; mas o “talento” em si, é uma entidade imaterial que tanto mais se renova quanto mais é desafiada e posta à prova.
Por isso, para reter “os talentos” é obviamente necessário conservá-los; mas para promover “o talento”, é preciso saber renunciar em parte ao que já se adquiriu, e ter a coragem para se arriscar a perdê-lo.
Não faz então sentido falar de “Atração e Retenção de Talentos”, como duas entidades separadas, ainda que complementares, porque a “única” estratégia para os reter será, sempre, atraí-los, através da criação de ecossistemas de desafio que lhes tragam o estímulo indispensável para se recriarem e se redescobrirem em permanência.
Só assim, um talento pode encontrar um propósito para ficar; e só assim o talento encontrará o húmus para poder florescer.
Referências
BUCKINGHAM, M. & CLIFTON, D.O. (2001). Now, Discover Your Strengths – How to Develop Your Talents and Those of The People You Manage. London: Simon & Shuster UK Ltd.
COLVIN, G. (2009). Talent is Overrated – What Really Separates World-Class Performers from Everybody Else. London: Nicholas Brealy Publishing
MICHAELS, E, HANDFIELD-JONES, H. & AXELROD, B. (2001). The War for Talent. Boston, Massachusetts: Harvard Business School Press.
*E presidente da Mesa da Assembleia Geral da APG – Associação Portuguesa de Gestão das Pessoas