Opinião
Ao feminino que há em todos nós…
Mais do que falar de homem e mulher, acho cada vez mais relevante falar do conceito de feminino e masculino e compreendermos a dimensão epistemológica e o carácter holístico que o feminino tem desde o início das civilizações.
Se olharmos para as mais antigas civilizações, a noção de Deus era feminina e em muitas tradições mais shamanicas a ligação ao divino estava muitas vezes relacionada com a fecundidade da terra e da natureza.
Olhando para a religião Hindu, é interessante ver que Shiva, um dos seus mais importantes deuses e pai do yoga, tem um corpo masculino mas uma face feminina, conotada com a dimensão mais divina, de oração e de desprendimento.
Não querendo ser mal interpretado, e tendo consciência de que as mulheres ainda vivem grandes desigualdades relativamente aos homens, quero acreditar que estamos num momento de relativa mudança e melhoria, e que vivemos, acima de tudo, numa era de transformação de consciência que privilegia cada vez mais a lógica colaborativa e a noção de interconectividade, versus uma herança competitiva e destrutiva, mais ligada à energia masculina.
Num mundo empresarial que valoriza cada vez mais uma cultura organizacional humana, criativa e colaborativa, e estruturas cada vez mais descentralizadas, menos hierárquicas e mais remotas, com mais foco nos resultados e no impacto criado do que no formalismo e aparência, acredito que a dimensão feminina da sociedade, das organizações e das pessoas é cada vez mais valorizada e mais crítica.
Em particular, no que toca à inovação, criatividade e sustentabilidade, é cada vez mais importante a capacidade de lidar com emoções e tomar decisões de forma colaborativa. Também para a gestão de pessoas, tanto sócio(a)s, colaboradore(a)s, de clientes e fornecedores, a empatia e a capacidade de encontrar consensos e pontos de vista comuns, características mais relacionadas com o feminino, apresentam maior potencial e eficácia.
É crítico criar e educar uma sociedade que não tenha medo de lidar e gerir as suas emoções, que promova a auto-consciência e que valorize o desenvolvimento de recursos psíquicos e emocionais relevantes, para que seja possível a construção duma dinâmica de respeito pelo outro.
Numa sociedade mais auto-consciente, a pluralidade é abraçada como algo de valor, e a estigmatização e desvalorização do outro é algo que é desencorajado, desenquadrado e sem sentido. Numa sociedade assim, não faz sentido falar de feminismo nem do direito das mulheres, nem de minorias, mas sim do ser humano, e do seu valor intrínseco.
Sou empreendedor e gestor de empresas, sempre procurei desenvolver um estilo de liderança imparcial e colaborativo, e apesar de ter tido poucas sócias, tenho na minha equipa de liderança cerca de 40% de mulheres, e mais de 50% dos colaboradores são mulheres, e nunca fiz a mínima diferenciação entre género.
Apesar disso, a verdade é que existe desigualdade entre os géneros e isso é algo inaceitável, apesar de homem e mulher não serem iguais, pelo que é determinante reforçar os incentivos à maternidade e paternidade, reforçar o apoio à educação e em particular à primeira infância, promover cada vez mais uma cultura e modelos de trabalho que valorizem a flexibilidade e os resultados, e mudar radicalmente a narrativa patriarcal vigente.
Tenho a felicidade de conhecer muitas mulheres líderes incríveis e de ser próximo de várias organizações de apoio ao empoderamento das mulheres, de que são exemplo a Woman in Tech, as Chicas Poderosas, a WomanWinWin ou as Geek Girls, e não posso deixar de ter uma admiração especial pelo papel que desempenham, no entanto mais do que celebrar o valor da mulher, gostava de reforçar o valor do feminino que há em todos nós, pois acredito ser esse o verdadeiro catalisador de uma transformação em prol de uma sociedade mais plural e com maior equidade.