Entrevista/ “Ainda tenho o objetivo de ver uma das nossas start-ups incubadas tornar-se num unicórnio”

Vítor Ferreira, cofundador e CEO da Startup Leiria

“Estamos sempre à procura de projetos inovadores que tenham potencial para causar um impacto significativo no mercado. Somos agnósticos, pelo que as start-ups intensivas em conhecimento, com modelos inovadores são bem-vindas”, afirma Vítor Ferreira, cofundador e CEO da Startup Leiria.

Desde a criação de um saco de boxe inteligente reconhecido pela revista norte-americana “Time” a um software de gestão industrial que controla todo o processo de produção de uma fábrica, são muitos os projetos de sucesso que nasceram na Startup Leiria .

A origem da Startup Leiria remonta a 2004, quando foi criada a Incubadora D. Dinis (IDD). Em 2018, nasceu a Startup Leiria. Em ambas, os fundadores iniciais foram a Associação Empresarial da Região de Leiria/Câmara de Comércio e Indústria, o município e o Politécnico de Leiria, aos quais se juntaram outras entidades e empresas.

Em 2020, a IDD e a Startup Leiria fundiram-se, assumindo a designação da última. Atualmente, a Startup Leiria tem entre 150 e 160 projetos incubados e quer continuar a crescer e a ser uma referência.

Vítor Ferreira, cofundador e CEO da Startup Leiria, refere que o dinamismo do ecossistema empreendedor de Leiria é atribuído “à forte cultura de inovação e à colaboração entre diferentes setores. À existência de uma rede robusta que inclui o IPLeiria (Instituto Politécnico de Leiria) – fundamental a nível de criação e partilha de conhecimento, spinoffs, colaboração, etc – a Câmara Municipal de Leiria, a Nerlei, e também empresas como a Void, Xgeeks, Incentea, entre outras”. E acredita “ter dois ou três possíveis candidatos no nosso ecossistema para chegar ao estatuto de unicórnio”.

Qual o balanço que faz dos 20 anos da Startup Leiria?

O balanço dos 20 anos da Startup Leiria é extremamente positivo. Durante estas duas décadas, conseguimos estabelecer uma sólida base de suporte ao empreendedorismo na região, ajudando a incubar e acelerar inúmeras empresas. Apoiámos mais de 600 empreendedores e temos hoje mais de 150 projetos incubados. A nossa trajetória é marcada por um crescimento contínuo, inovações e um impacto significativo no ecossistema empreendedor local.

Hoje somos o quinto maior ecossistema de inovação e empreendedorismo em Portugal, de acordo com ranking Startup Ecosystem da StartupBlink, e somos uma das principais referências nacionais na área, com uma vasta rede de parceiros e mais de 30 projetos internacionais. Gerimos cerca de 3500m2 de espaço, em Leiria, e estamos presentes, em parceria, nas regiões de Ansião, Batalha e, em breve, em Alcobaça e Alcanena. Somos certificados pela EBN (European Business and Innovation Centre Network), fazemos parte de outras redes e estamos, inclusive, a dar formação a incubadoras no Quénia e em Angola.

“… nós acreditamos na ideia de que um hub existe para criar ligações entre ideias e pessoas e para desenhar caminhos para a realização pessoal”. 

O que tem contribuído para o crescimento da Startup Leiria?

O crescimento da Startup Leiria é resultado de uma combinação de fatores. A dedicação e o talento dos empreendedores locais, o suporte constante das instituições públicas e privadas e a nossa capacidade de adaptação às novas tendências e tecnologias têm sido fundamentais. Além disso, a criação de programas de aceleração e parcerias estratégicas tem amplificado as nossas capacidades. Porém, creio que o nosso “secret sauce” é a nossa equipa e a contínua procura pela felicidade e criação do ecossistema – nós acreditamos na ideia de que um hub existe para criar ligações entre ideias e pessoas e para desenhar caminhos para a realização pessoal. O segredo é existir para gerar felicidade!

Da criação de um saco de boxe inteligente reconhecido pela revista norte-americana “Time” a um software de gestão industrial que controla todo o processo de produção de uma fábrica, são muitos os trunfos que a região de Leiria tem para apresentar no que diz respeito ao ecossistema empreendedor. O que tem contribuído para este dinamismo?

O dinamismo do ecossistema empreendedor de Leiria pode ser atribuído à forte cultura de inovação e à colaboração entre diferentes setores. A existência de uma rede robusta que inclui o IPLeiria (Instituto Politécnico de Leiria) – fundamental a nível de criação e partilha de conhecimento, spinoffs, colaboração, etc – a Câmara Municipal de Leiria, a Nerlei, e também empresas como a Void, Xgeeks, Incentea, entre outras. Leiria está, neste momento, num processo de transformação, que tem vindo a alterar o dinamismo industrial do passado. Enquanto que outrora as entidades que produziam um determinado produto não eram responsáveis por entregá-lo ao consumidor final, existem, atualmente, empresas intensivas em conhecimento que se encarregam de todo o processo.

O procedimento burocrático e moroso de antes, em que cada empresa se ocupava de um único elemento (moldes, plásticos, vidro, desenvolvimento de produto, agroindústria, etc.), está agora concentrado numa só organização. Veja-se o caso da BHOUT, que combina desde a Inteligência Artificial, computer vision, com sensores, couro vegan, peças de plástico, espumas, estruturas metálicas, de empresas da região, controlando o modelo de negócio e a geração de valor.

Por outro lado, achamos que Leiria tem uma qualidade de vida e oferta cultural única que permite atrair talento, estando a 20 minutos da praia, da serra e a 1h15 de Lisboa e do aeroporto.

“Atualmente, temos mais de 150 projetos incubados na Startup Leiria. Os setores mais representativos incluem Tecnologias de Informação, Saúde, fabricação avançada e agroalimentar (…)”.

Quantas empresas têm neste momento incubadas? E quais os setores mais representativos?

Atualmente, temos mais de 150 projetos incubados na Startup Leiria. Os setores mais representativos incluem Tecnologias de Informação, Saúde, fabricação avançada e agroalimentar (desde o software para linha de produção da Brainr, à I&D e produção de farinhas de insetos da Cricket Farming, ou a gestão de créditos de carbono da Co2offset). Esta diversidade de setores demonstra a capacidade da nossa incubadora de atrair e apoiar um leque variado de empreendimentos inovadores.

E do que mais precisam as start-up que vos procuram?

As start-ups que nos procuram frequentemente necessitam de acesso a financiamento, mentoria especializada, e redes de contacto para expandir os seus negócios. Além disso, muitos empreendedores procuram apoio na área de desenvolvimento de produto e estratégias de entrada no mercado. Eu diria que as áreas mais procuradas são validação de modelo de negócio (no início), construção de MVP (protótipo do produto ou serviço) e sua validação, desenvolvimento de rede e acesso a venture capital.

“Oferecemos um suporte contínuo e adaptado às necessidades específicas de cada start-up, desde a fase inicial até a aceleração”.

De que forma o vosso modelo de incubação se distingue de outros existentes?  Qual o vosso factor diferenciador?

O nosso modelo de incubação distingue-se pela abordagem personalizada e pela forte integração com o ecossistema local. Oferecemos um suporte contínuo e adaptado às necessidades específicas de cada start-up, desde a fase inicial até a aceleração. O nosso fator diferenciador é a capacidade de criar conexões estratégicas e oferecer um ambiente colaborativo que incentiva a inovação e o crescimento sustentável.

Existem condições em Leiria para o aparecimento de uma empresa unicórnio?

Sim, acreditamos que Leiria possui todas as condições necessárias para o surgimento de uma empresa unicórnio. A região oferece um ambiente propício para o desenvolvimento de inovações, com acesso a talento qualificado, infraestrutura adequada e um ecossistema empreendedor vibrante. O problema da falta de capital de risco começa hoje a resolver-se, quer seja através de iniciativas privadas ou públicas – como o fundo Leiria Crescimento, em parceria com a Portugal Ventures. Além disso, a visibilidade das start-ups mais maduras têm atraído outras e desafiando aqueles que querem arriscar. Aliás, acreditamos ter dois ou três possíveis candidatos no nosso ecossistema para chegar ao estatuto de unicórnio.

A Lusiaves e Startup Leiria lançaram recentemente um programa de aceleração para empresas do sector agroalimentar. Que outras iniciativas tem a Startup Leiria previstas até ao final do ano?

Até ao final do ano, temos várias iniciativas planeadas, incluindo novos programas de aceleração em setores estratégicos, eventos de networking e workshops de capacitação. Iremos participar na Nexxt Week, promovida pela Câmara Municipal de Leiria, dedicada à inovação e criatividade. Iremos, à semelhança de outros anos, coorganizar o Geekathon, com a Xgeeks. Vamos ainda realizar um roadshow dedicado ao TestBed que criámos com o grupo Lusiaves – o Test4Food. Este roadshow vai levar-nos até ao Fundão, Alcobaça e Évora. A agenda do roadshow tem um mix entre startups, corporate, financiamento e apresentação do Test4Food em si.

Um dos objetivos de organizarmos este roadshow é, também, a captação de projetos para o Test4Food, um projeto que tem como objetivo apoiar o desenvolvimento de pilotos, em produtos e serviços, com apoio especializado. Oferecemos apoio técnico, de prototipagem e de negócio para acelerar o desenvolvimento de produtos para um TRL – nível de maturidade técnica de determinada tecnologia – mais avançado (mínimo de 5 na escala de 1 a 9). Vamos ainda dar o pontapé para o nosso programa de aceleração para empreendedores em fase de ideação ou apenas curiosos, o Talent Up. Vamos realizar um desafio de Open Innovation com a Nerlei e dar a oportunidade às start-ups de criar soluções para as empresas da região. Vamos participar na Web Summit, dar continuidade às Entrepreneurship Talks e lançar o programa de aceleração Set Up para startups em fase seed. Além disso, estamos a trabalhar em novas parcerias para expandir as oportunidades de financiamento e internacionalização para as startups incubadas.

Como surgiu a ideia de criarem a Ignition Week? O balanço é positivo?

A ideia de criar a Ignition Week surgiu da necessidade de proporcionar um momento intenso de imersão e apresentação do ecossistema. Queríamos criar um evento que fosse além do Demo Day, que decorreu no segundo dia e teve mais de 20 fundos de capital de risco representados e muitos parceiros institucionais. No primeiro dia, tivemos mais de 120 participantes. Durante esses dias, os empreendedores de Leiria tiveram a oportunidade de participar numa série de atividades especialmente concebidas para promover o crescimento e o desenvolvimento dos seus projetos. A conferência possibilitou falar de tecnologia, apresentar a BHOUT e discutir as diferenças entre start-ups e empresas corporativas e o estado do empreendedorismo em Portugal. O nosso balanço é extremamente positivo.

“Estamos sempre à procura de projetos inovadores que tenham potencial para causar um impacto significativo no mercado”.

Que tipo de projetos ou start-ups estão agora à procura?

Estamos sempre à procura de projetos inovadores que tenham potencial para causar um impacto significativo no mercado. Somos agnósticos, pelo que as start-ups intensivas em conhecimento, com modelos inovadores são bem-vindas. No âmbito do Test4Food, por exemplo, procurámos start-ups, independentemente da tecnologia, que tivessem impacto no setor, desde o campo, até à produção alimentar: um novo alimento, um software, drones, máquinas ou robots, por exemplo.

É fácil gerir hoje em dia uma incubadora? O que tem mudado ao longo do tempo que vos obrigada a adaptarem-se?

Gerir uma incubadora nos dias de hoje é um desafio constante. As mudanças rápidas no mercado e nas tecnologias exigem uma adaptação contínua. Nos últimos anos, tivemos de incorporar novas metodologias de trabalho, como o teletrabalho e as plataformas digitais, além de reforçar o nosso foco em inovação e sustentabilidade para acompanhar as tendências globais. Reforço que gerir uma incubadora é algo que tem uma especificidade muito grande, que exige profissionalismo.

Capacitar profissionais que apoiam empreendedores é algo muito complexo, que exige muito treino e tempo. É um misto de soft-skills, conhecimento e experiência, que demora alguns anos a capacitar, o que contrasta com o passado, no qual os profissionais desta área vinham de forma “ad-hoc” e não tinham as competências técnicas e a experiência para apoiar empreendedores (da fase de ideação até à fase de scale-up).

Qual a ligação da Câmara de Leiria, em termos de estratégia, com a área do empreendedorismo e de que maneira compara com outros concelhos?

A Câmara de Leiria tem sido uma parceira estratégica fundamental, apoiando o desenvolvimento do empreendedorismo através de políticas públicas favoráveis, mas também criando um ambiente de atração de talento, pois a qualidade de vida importa bastante. Comparado com outros concelhos, Leiria destaca-se pela sua abordagem focada na cultura, diversidade e foco industrial, o que tem atraído cada vez mais empreendedores para a região. O único senão será que não só não temos qualquer apoio financeiro municipal, como somos arrendatários do município num dos nossos edifícios.

“Os nossos projetos futuros incluem a expansão das nossas instalações, uma vez que já estamos a ficar sem espaço de escritório (…)”.

Projetos para o futuro da Startup Leiria?

Os nossos projetos futuros incluem a expansão das nossas instalações, uma vez que já estamos a ficar sem espaço de escritório, a criação de novos programas de aceleração especializados e o fortalecimento das parcerias internacionais.

Como vê a Startup Leiria nos próximos 5 anos?

Nos próximos cinco anos, vejo a Startup Leiria a consolidar-se como um dos principais hubs de inovação do país, reconhecida pela sua capacidade de criar empresas de alto impacto e contribuir para a transformação da especialização da região, alavancando a criação de valor. No fundo, queremos que, quando se pense em empreendedorismo e inovação em Portugal, o nosso ecossistema surja de forma natural, como uma referência, nacional e internacionalmente. Pretendemos continuar a atrair talentos e projetos inovadores, ampliando a nossa influência e criando um legado duradouro no ecossistema empreendedor.

O que ainda lhe falta realizar á frente da StartUp leiria?

Ainda tenho o objetivo de ver uma das nossas start-ups incubadas tornar-se num unicórnio, além de expandir a nossa presença internacional e aumentar a colaboração com outros centros de inovação ao redor do mundo. Continuo empenhado em promover a inovação, a sustentabilidade e o crescimento das start-ups que nos procuram, garantindo que a Startup Leiria seja um ponto de referência para empreendedores de todas as áreas. Contudo, sobretudo, creio que o mais importante é acreditar que apoiámos centenas de pessoas a serem felizes.

 

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