Entrevista/ “Ainda há um longo caminho a percorrer para tornar os edifícios em Portugal mais eficientes e sustentáveis energeticamente”

Márcia Pereira, CEO da Bandora Systems

“Para que a transição energética se torne uma realidade, é necessário acelerar o ritmo de investimento nas energias renováveis, desenvolver uma rede inteligente de energia, mobilizar o investimento privado e promover a educação e sensibilização da população”, salienta a CEO da Bandora Systems.

A Bandora Systems começou a ganhar forma em 2017 até se transformar numa spin off da Faculdade de Engenharia da UP (FEUP), com o apoio da qual conseguiu “aumentar a sua rede de impacto”. A falta de financiamento para formar uma equipa foi um dos desafios iniciais que tiveram de ultrapassar, lembra a CEO da Bandora Systems, mas o crescimento foi-se consolidando com a combinação de “tecnologia de ponta, foco no cliente e um modelo de negócio flexível, proporcionando resultados otimizados e duradouros”. Hoje a empresa consegue tornar edifícios sustentáveis em apenas 96 horas recorrendo à inteligência artificial e ao seu BIM (Building Information Modeling) único e patenteado.

Márcia Pereira reconhece que Portugal deu passos significativos, mas considera que “investir em pesquisa e desenvolvimento de novas tecnologias para melhorar a eficiência energética, bem como incentivar a utilização de materiais de construção reciclados e reutilizáveis, são medidas cruciais a adotar”. Mais: “tornar os edifícios portugueses mais eficientes e sustentáveis energeticamente é um desafio que requer esforços conjuntos de todos os stakeholders envolvidos”.

Estrategicamente, a Bandora Systems planeia entrar em novos mercados tanto em nome próprio como através de parcerias, com o mercado espanhol a ser uma prioridade. Sem esquecer o mercado brasileiro, onde já  estabeleceu um acordo de distribuição, com foco em cadeias de supermercados e fast food. Continuar a expansão para outros mercados internacionais em 2025 e 2026, na Europa e América Latina, é a meta da empresa que, entretanto, também está a conduzir duas provas de conceito em cadeias de supermercados nos Emirados Árabes Unidos.

Como surgiu esta start-up e como tem sido a sua evolução no mercado?
A Bandora Systems surgiu em 2017, durante a minha colaboração numa start-up focada em desenvolver hardware para a eficiência energética dos sistemas de iluminação. Rapidamente percebi que o problema estava no software, não no hardware, e que os sistemas de climatização eram sim os maiores consumidores de energia, responsáveis por cerca de 50% a 60% do consumo total.

Motivada por esse conhecimento, decidi deixar a empresa e fundar a Bandora. A nossa missão era clara: desenvolver soluções inovadoras para otimizar o controlo de climatização em edifícios. Entretanto, conseguimos o nosso primeiro financiamento em fevereiro de 2020. Ao mesmo tempo, conseguimos conquistar a atenção da Universidade do Porto, o que resultou na nossa transformação numa spin off da Faculdade de Engenharia da UP (FEUP). Com o apoio da FEUP, encontrámos vários curiosos no projeto, com mentores e colaboradores a fazer crescer a nossa rede de impacto, abrindo portas a colaborações em orientações de teses de mestrado, estágios e outros projetos de investigação. Essa sinergia permitiu-nos aprimorar as nossas soluções e conquistar reconhecimento no mercado.

Desde então, temos ganho reconhecimento e fechado diversas parcerias estratégicas. Essas colaborações têm sido fundamentais para o nosso crescimento e sucesso. Essa sinergia tem-nos permitido aprimorar constantemente as nossas soluções e destacarmo-nos no mercado.

“Os maiores desafios prenderam-se naturalmente com a falta de financiamento para formar uma equipa”.

Quais os maiores desafios ultrapassados ao longo dos vossos sete anos de atividade?
A Bandora, embora sendo uma start-up de deep tech, não resultou de um projeto de investigação, mas sim de uma ideia que pretendia colmatar uma necessidade de mercado, que precisava de investigação e desenvolvimento. Os maiores desafios prenderam-se naturalmente com a falta de financiamento para formar uma equipa. Para além disso, embora eu fosse engenheira mecânica na área de Térmica, com um doutoramento em curso sobre a temática, precisava de muitas outras valências tecnológicas como Inteligência Artificial, Programação e Automação. São de facto sete anos de incorporação, mas fizemos investigação fundamental nos primeiros cinco.

O financiamento chegou por via de um projeto no âmbito do Portugal 2020, onde maximizamos a componente financiada. Posso dizer que a Bandora foi também uma grande aposta do investimento público, pois com isso foi possível contratar a primeira equipa dedicada. Atualmente, devido a essa forte componente de investigação interna, somos uma start-up que colabora ativamente com universidades nas temáticas de termodinâmica e conforto térmico nos edifícios e inteligência artificial.

Qual o vosso setor target? Alguma área em particular? Hotéis, edifícios comerciais… ?
Dedicamo-nos ao mercado B2B, com foco principal no setor de retalho. Esta escolha estratégica baseia-se nas características únicas que tornam este segmento ideal para a nossa tecnologia: a repetibilidade, uma vez que os edifícios de retalho tendem a apresentar semelhanças na sua estrutura e layout, o que facilita a integração da nossa solução e assim permite-nos contribuir para a transição energética em mais edifícios; e o potencial de economia, dado que o consumo de energia neste setor é significativo e a nossa tecnologia pode gerar poupanças consideráveis.

Operamos em áreas onde os desafios são mais prementes, como edifícios comerciais, cadeias de fast food e hotéis, onde o desconforto térmico é mais evidente e as faturas energéticas são elevadas.

Quais os vossos grandes case studies ao longo dos anos?
Orgulhamo-nos de ter estabelecido parcerias com grandes clientes em diversos setores, como hotelaria, cadeias de fast-food e escritórios. Temos casos de sucesso notáveis como uma cadeia internacional de fast food, onde implementamos soluções em cinco dos 15 restaurantes. Logo no primeiro restaurante, o nosso primeiro piloto, alcançamos uma impressionante poupança de 63% no consumo de energia no primeiro mês após a implementação. Outros exemplos incluem os Verticais, um grupo de espaços de coworking e co-living no Porto e ainda em curso o Factory no Hub Criativo do Beato, em Lisboa.

“Investir em pesquisa e desenvolvimento de novas tecnologias para melhorar a eficiência energética (…) são medidas cruciais a adotar”.

O que é que ainda falta para tornar os edifícios portugueses mais eficientes e sustentáveis energeticamente?
Apesar dos avanços dos últimos anos, ainda há um longo caminho a percorrer para tornar os edifícios em Portugal mais eficientes e sustentáveis energeticamente. Segundo dados da Estratégia Nacional de Combate à Pobreza Energética, um documento orientador para erradicar este problema no país até 2050, 70% das habitações em Portugal ainda possuem uma classificação energética inferior a C (numa escala de mais para menos eficiente, de A a F), destacando a necessidade urgente de investir na reabilitação energética destes edifícios. No entanto, muitos proprietários enfrentam dificuldades financeiras para realizar esses investimentos, ressaltando assim a importância de aumentar os incentivos e o apoio financeiro disponíveis.

Investir em pesquisa e desenvolvimento de novas tecnologias para melhorar a eficiência energética, bem como incentivar a utilização de materiais de construção reciclados e reutilizáveis, são medidas cruciais a adotar. Além disso, a implementação de soluções tecnológicas para otimizar a gestão energética de edifícios e cidades é fundamental.

Tornar os edifícios portugueses mais eficientes e sustentáveis energeticamente é um desafio que requer esforços conjuntos de todos os stakeholders envolvidos. É essencial consciencializar os cidadãos e empresas sobre os benefícios da eficiência energética e sustentabilidade, através de campanhas de informação e sensibilização, promovendo comportamentos mais sustentáveis.

Além disso, é necessário investir na formação e qualificação de profissionais na área da eficiência energética e sustentabilidade, garantindo que as obras de reabilitação sejam realizadas de forma correta e eficiente. Embora a legislação portuguesa já preveja algumas medidas para promover a eficiência energética e sustentabilidade dos edifícios, é crucial continuar a melhorar e a atualizar essa legislação, alinhando-a com os melhores padrões internacionais.

Ao abordar essas áreas de forma abrangente e integrada, Portugal pode fazer progressos significativos na eficiência energética e sustentabilidade dos edifícios, contribuindo para a descarbonização da economia e para a proteção do ambiente. Ao trabalharmos juntos, podemos construir um futuro mais verde e sustentável para Portugal.

Qual o impacto da tecnologia e da inovação na transformação das cidades em smart cities?
A tecnologia e a inovação são pilares fundamentais na transformação das cidades em smart cities. As tecnologias digitais, como a Internet das Coisas (IoT), a inteligência artificial (AI), o Big Data e a blockchain são ferramentas poderosas para impulsionar a eficiência, a sustentabilidade e a qualidade de vida nas áreas urbanas.

Os impactos da tecnologia e da inovação na transformação das cidades em smart cities são visíveis em várias áreas. A tecnologia possibilita a criação de sistemas de transporte públicos mais eficientes e inteligentes, promovendo alternativas ao transporte individual, o que reduz o congestionamento e a poluição. A otimização do consumo de energia, a gestão inteligente da água e a implementação de sistemas eficientes de reciclagem e gestão de resíduos são possíveis com a aplicação de tecnologias inovadoras. Além disso, a tecnologia desempenha um papel fundamental na redução das emissões de gases de efeito de estufa, melhorando a qualidade do ar e da água.

A tecnologia e a inovação são ferramentas indispensáveis para a construção de um futuro urbano mais eficiente, sustentável e com melhor qualidade de vida para todos. Através da colaboração entre os diversos setores da sociedade, as smart cities podem tornar-se realidade, proporcionando benefícios duradouros para as próximas gerações.

Qual a mais-valia da vossa proposta/soluções?
Destacamo-nos no mercado ao oferecer uma solução inovadora e diferenciada para a gestão energética de edifícios.  Combinamos tecnologia de ponta, foco no cliente e um modelo de negócio flexível, proporcionando resultados otimizados e duradouros. Os principais pontos que nos distinguem incluem a utilização da Inteligência Artificial para otimizar o consumo de energia em edifícios. Desenvolvemos uma combinação única de tecnologias de AI (Machine Learning e Otimização), simulação tridimensional de edifícios aliada a uma elevada expertise no domínio de conforto térmico. Garantimos o conforto dos ocupantes através do controlo preciso da temperatura e humidade no interior do edifício. Recolhemos feedback dos ocupantes através da nossa aplicação, permitindo aperfeiçoar continuamente o nosso sistema.

Além disso, aplicamos algoritmos de AI aos sistemas de climatização e iluminação dos edifícios, adaptando-os às necessidades específicas de cada edifício e garantindo resultados otimizados. A nossa solução pode ser integrada em qualquer sistema IoT, facilitando a implementação e maximizando a eficiência. Em simultâneo, oferecemos flexibilidade na escolha do modelo de negócio. O cliente pode optar por uma assinatura mensal ou pelo modelo “savings as a service”, onde partilhamos a poupança de energia com o cliente, incentivando a economia e a sustentabilidade.

Adicionalmente, os nossos preços são bastante competitivos, representando um investimento acessível com retorno rápido, já que entregamos o sistema para o edifício pronto a funcionar em apenas um a dois dias.

“Internacionalmente, planeamos entrar em novos mercados tanto em nome próprio como através de parcerias. O mercado espanhol é uma prioridade (…)”.

Até onde é que Bandora quer chegar?
Temos como objetivo tornar-nos líderes em soluções de otimização energética para smart buildings e reforçar a nossa posição no mercado português. Este ano, pretendemos multiplicar a nossa faturação por 10, alcançando 300 edifícios até ao final do ano.

Internacionalmente, planeamos entrar em novos mercados tanto em nome próprio como através de parcerias. O mercado espanhol é uma prioridade, onde queremos fechar os primeiros contratos e expandir a nossa presença. Também estabelecemos um acordo de distribuição no mercado brasileiro, com foco em cadeias de supermercados e fast-food. Além disso, estamos neste momento a conduzir duas provas de conceito em cadeias de supermercados nos Emirados Árabes Unidos. Pretendemos continuar a nossa expansão para outros mercados internacionais em 2025 e 2026, com foco na Europa e América Latina.

Em termos de impacto ambiental, o nosso objetivo é atingir a marca de 1500 edifícios até 2026, o que resultaria numa poupança mínima de 200 GWh de energia – equivalente à capacidade de captura de CO2 de meio milhão de árvores.

Mantemos uma visão de inovação contínua, procurando desenvolver e lançar novas soluções para otimizar o consumo de energia em edifícios, explorar novas áreas de aplicação da nossa tecnologia, como o mercado residencial, e permanecer na vanguarda da inovação no setor da gestão energética.

“As medidas políticas atualmente em vigor em Portugal representam um passo importante na transição do setor energético para a sustentabilidade, porém ainda há muito a ser feito”.

As medidas políticas em vigor são suficientes para que transição deste setor de mercado para a sustentabilidade seja cada vez mais uma realidade? O que falta fazer a nível oficial?
As medidas políticas atualmente em vigor em Portugal representam um passo importante na transição do setor energético para a sustentabilidade, porém ainda há muito a ser feito. Algumas das medidas já implementadas incluem o incentivo às energias renováveis, aproveitando o considerável potencial solar e eólico do país, com o Governo a realizar investimentos significativos nessas fontes de energia. Também há um esforço para reduzir a dependência dos combustíveis fósseis, com o objetivo de atingir a neutralidade carbónica até 2050. Além disso, estão em curso medidas para promover a eficiência energética nos setores residencial, comercial e industrial.

No entanto, para que a transição energética se torne uma realidade, é necessário acelerar o ritmo de investimento nas energias renováveis, desenvolver uma rede inteligente de energia, mobilizar o investimento privado e promover a educação e sensibilização da população.

Algumas das medidas que o Governo português pode adotar para acelerar essa transição incluem aumentar os incentivos para a produção de energia renovável, simplificar os processos administrativos, investir em investigação e desenvolvimento, e promover a cooperação internacional.

Qual o segredo para conseguir tornar edifícios sustentáveis em 96 horas?
A chave para tornar edifícios sustentáveis em apenas 96 horas está na utilização da inteligência artificial e no nosso BIM (Building Information Modeling) único e patenteado, que simula o comportamento do edifício ao longo de 40 anos. Este modelo gera dados valiosos que alimentam os nossos modelos, permitindo otimizações eficientes e precisas em tempo recorde. Em resumo, a Bandora oferece uma solução completa para tornar edifícios sustentáveis num curto espaço de tempo, combinando tecnologia de ponta, experiência e conhecimento. Garantimos resultados excecionais para os  clientes, contribuindo para um futuro mais verde e sustentável.

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