Entrevista/ “A reputação tem sazonalidade e está associada aos momentos de maior comunicação”

Há mais de 10 anos que a OnStrategy avalia a reputação de centenas de marcas em Portugal. Isto é, o conjunto de perceções que temos e as expetativas que criamos sobre as mesmas em relação ao futuro. Em entrevista ao Link To Leaders, o partner e CEO da consultora portuguesa, Pedro Tavares, faz uma análise do mercado e fala sobre o valor da reputação.
A reputação é um ativo fundamental para as empresas, com influência transversal no desenvolvimento do negócio. Quem o garante é Pedro Tavares, partner e CEO da On Strtaegy. Fundada em 2009, a On Strategy é responsável por um estudo anual que demonstra a importância que cada um dos principais stakeholders atribui à reputação dos líderes na economia moderna.
Em Portugal, Espanha, Reino Unido e países da CPLP, a consultora desenvolve relações de parceria com instituições globais, líderes, independentes, certificadas e especialistas em disciplinas de excelência. E foca-se na quantificação e maximização do valor dos ativos tangíveis e intangíveis, resultado de metodologias reconhecidas internacionalmente que são sustentadas pela compreensão do ambiente económico, político e social, e em particular dos vários setores/indústrias do tecido empresarial.
O que mais o surpreendeu nos dados mais recentes do RepScore Pulse?
Um conjunto de evidências e reflexões podem ser destacadas, tais como em três anos o número de marcas com reputação moderada ou superior (mais de 60 pontos numa escala de 100) passou de cerca de 500 para aproximadamente 700. Além disso, as marcas portuguesas têm registado uma presença cada vez maior neste estudo, sendo isto um reflexo da melhoria das perceções associadas ao ambiente económico do país e, consequentemente, à confiança e preferência das marcas portuguesas pelo público em geral.
Por fim, como auditamos as marcas em contínuo ao longo do ano e com um histórico já de alguns anos, podemos afirmar que também a reputação tem sazonalidade e está diretamente associada aos momentos de maior comunicação desde que estas cumpram as reais expetativas de qualidade (produto e serviço) dos seus stakeholders.
Que metodologia é utilizada para avaliar a reputação de uma marca?
A metodologia que suporta o Global RepScore Pulse é reconhecida e faz parte integrante do processo de avaliação financeira de marcas e do impacto da reputação no volume de negócios das organizações (ISO 10668). Esta metodologia é desenvolvida tendo em consideração algumas diretrizes.
As marcas em estudo são identificadas espontaneamente pelo público em geral. Ao longo de 52 semanas, as marcas identificadas são avaliadas qualitativa e quantitativamente, considerando dimensões emocionais e racionais associadas a produtos, serviços, inovação, diferenciação, ambiente de trabalho, cidadania, responsabilidade social, governo, ética, liderança, visão e performance financeira. Ainda no âmbito deste processo contínuo é avaliada quantitativamente a dimensão comportamental (promoter score) que afeta a admiração, relevância, confiança, preferência e recomendação. Por fim, e em paralelo são auditados os touchpoints (pontos de contacto das marcas com os seus stakeholders) que constroem posicionamento, reputação, notoriedade, confiança e compra das marcas.
O que tem contribuído para a crescente confiança dos portugueses nas marcas nacionais?
Há cada vez mais marcas portuguesas presentes entre as marcas com melhor reputação e este registo é um reflexo de diferentes fontes: a melhoria das perceções associadas ao ambiente económico do país; a melhoria das perceções associadas à qualidade dos produtos e serviços das marcas nacionais; a melhoria das perceções associadas à inovação das marcas portuguesas e a melhoria das perceções associadas ao governo e ética das organizações, bem como à qualidade de liderança e visão da gestão das mesmas.
“(…) o garante da reputação das organizações e das marcas aos olhos dos diferentes stakeholders (e com pesos diferentes para os mesmos) reside principalmente em 4 grandes dimensões: qualidade dos produtos e dos serviços, inovação e diferenciação, cidadania e responsabilidade social, e governo e ética”.
O que mais influencia a forma como os stakeholders vêem as organizações atualmente?
O facto de vivermos numa Era onde tudo acontece tão rapidamente, em que os hábitos e atitudes mudam permanentemente, em que a instabilidade e a incerteza são uma realidade, e em que a exigência com o sucesso é uma constante, o garante da reputação das organizações e das marcas aos olhos dos diferentes stakeholders (e com pesos diferentes para os mesmos) reside principalmente em 4 grandes dimensões: qualidade dos produtos e dos serviços, inovação e diferenciação, cidadania e responsabilidade social, e governo e ética.
Quais os setores/indústrias que em Portugal recolhem melhores índices de reputação? E porquê?
Tendo em atenção as dimensões e as fontes de reputação anteriormente citadas, os setores / indústrias que melhores índices registam são: luxo, eventos, tecnologia, turismo e lazer, imobiliário, alimentação e bebidas, e retalho.
“Os líderes surgem como o principal embaixador das organizações, como a principal marca humana das organizações e isto é válido tanto para os stakeholders externos como internos das mesmas”.
O que podem fazer os CEOs para alcançarem uma boa reputação junto dos seus públicos?
Os líderes surgem como o principal embaixador das organizações, como a principal marca humana das organizações e isto é válido tanto para os stakeholders externos como internos das mesmas. O sucesso da liderança dos CEOs nesta Era da economia reputacional passa pela fórmula CE2O assente em quatro dimensões: caráter, que se reflete em caraterísticas comportamentais individuais, sociais, emocionais e racionais de transparência e conduta ética; estratégia, que se reflete no desenvolvimento económico responsável, seguro, sustentável e gerador de resultados; energia, que se reflete no alinhamento, motivação, compromisso e performance dos colaboradores e organização, que se reflete na excelência de gestão e na visão clara sobre o presente e o futuro.
“O setor financeiro (banca e seguros), chegam mesmo a pesar mais de 40% para a construção da reputação das marcas”.
O índice reputacional está intrinsecamente aliado a uma elevada capacidade de gestão?
Sim, é verdade. As dimensões reputacionais de governo e ética, e liderança e visão figuram entre as mais relevantes. Nos setores mais expostos, como, por exemplo, o setor financeiro (banca e seguros), chegam mesmo a pesar mais de 40% para a construção da reputação das marcas.
A defesa reputacional deverá estar sob gestão do CEO ou faz sentido a criação da figura de Chief Reputation Officer?
É certo que o principal responsável e garante da reputação nas organizações é o CEO. Mas ao vivermos na era reputacional em que todos podem ser embaixadores ou detratores das marcas à velocidade de um piscar de olho, a gestão reputacional tornou-se muito mais abrangente, científica, multi-stakeholder, multidisciplinar e transversal dentro das organizações, e por este facto, a figura do CRO respondendo diretamente ao CEO é algo que há muito defendemos.
“A digitalização ganhou um espaço essencial e irreversível na gestão das marcas, mas veio também desumanizar as mesmas”.
Considera que atualmente com o digital os colaboradores são os melhores embaixadores de uma marca? Como fica o papel do CEO neste processo?
A digitalização ganhou um espaço essencial e irreversível na gestão das marcas, mas veio também desumanizar as mesmas. Historicamente vivemos uma evolução de tendências, em que primeiro os produtos foram o foco, depois vieram os tempos das marcas de produto e das marcas corporativas, e agora fruto das fragilidades criadas pela digitalização estamos num momento de necessidade de acrescentar e complementar as anteriores com o novo desafio das marcas humanas que constituem um requisito cada vez maior e mais presente de voltar a humanizar as organizações e as suas marcas.
Dos nossos estudos resulta uma evidência muito clara que define o touchpoint humano (os colaboradores) como o ponto de contacto mais importante das marcas com os seus stakehoders para construir posicionamento, reputação, notoriedade, confiança e compra. E as conclusões vão ainda mais longe no sentido de identificar os colaboradores como o ponto de contacto que qualquer stakeholder exige perante problemas e crises.
E como referi anteriormente, os líderes surgem como o principal embaixador das organizações, como a principal marca humana das organizações, e isto é válido tanto para os stakeholders externos como internos das mesmas. Líderes fortes tendem a potenciar a reputação e os resultados das organizações numa perspetiva de médio e longo prazo.
Que estratégias devem adotar as organizações para terem e manterem um bom valor de reputação?
Acima de tudo devem começar a desenvolver mecanismos de gestão que permitam auditar e atuar de forma contínua sobre as dimensões e atributos que contribuem para a construção da reputação (qualidade de produtos e serviços, inovação e diferenciação, ambiente de trabalho e bem estar, cidadania e responsabilidade social, governo e ética, liderança e visão). E devem fazê-lo numa ótica multistakeholder e não apenas focados no consumidor final; que entendam que esta não é uma disciplina ou atividade de marketing e comunicação, mas sim transversal a toda a organização pois os riscos reputacionais residem em todas as áreas e departamentos.
Só então podem obter as informações necessárias que lhes permitam desenvolver as estratégias mais corretas para construir a sua reputação junto dos diferentes públicos alvo (externos e internos).
“Os líderes são os principais responsáveis por construir e garantir a reputação das suas organizações e têm de entender e alertar a todos os níveis que a gestão da reputação é multidisciplinar (…)”.
Que conselhos dá a um líder para trabalhar a construção da reputação de uma marca?
Os líderes são os principais responsáveis por construir e garantir a reputação das suas organizações e têm de entender e alertar a todos os níveis que a gestão da reputação é multidisciplinar e transversal dentro das organizações porque a reputação é o conjunto de perceções que os vários stakeholders têm das organizações e das marcas. Neste âmbito, podem ser destacados atributos chave na reputação das marcas que são diretamente impactados pela reputação dos líderes. O Ambiente de Trabalho é um deles e está relacionado com o bem estar dos colaboradores, desenvolvimento dos colaboradores, empregabilidade duradoura.
Segue-se o Governo e Ética e diz respeito à abertura e transparência, conduta honesta e ética do negócio, cumprimento dos requisitos legais, agente responsável no crescimento e desenvolvimento da economia. A liderança e visão impactam a qualidade da estrutura organizacional, excelência de gestão, disponibilidade e assiduidade para inovar, transformar e comunicar, e resultados financeiros.
Se nos focarmos nos cinco setores/indústrias que atualmente mais influenciam o desenvolvimento da economia, podemos identificar que, em Portugal, os líderes têm diferentes forças no impacto que a sua reputação pessoal exerce sobre a reputação das suas organizações e marcas: Banca: 16,8%; Energia: 11,2%; Tecnologia: 10,9%; Bens de Grande Consumo: 10,1% e Retalho: 9,5%
“A gestão da reputação é transversal a todas as áreas e departamentos da organização e todos são embaixadores ou detratores. Os colaboradores e em particular os líderes são os guardiões da reputação”.
Quais os desafios que se colocam em termos de reputação às marcas e empresas no futuro?
Partilho alguns apontamentos que mostram que a gestão da reputação passa por um modelo científico, integrado e dinâmico. A reputação não é uni-stakeholder, mas sim multi-stakeholder e como tal estes devem ser identificados e auditados qualitativa, quantitativa e continuamente ao longo do ano.
A gestão da reputação é transversal a todas as áreas e departamentos da organização e todos são embaixadores ou detratores. Os colaboradores e em particular os líderes são os guardiões da reputação. É tão importante assegurar a qualidade dos produtos, serviços e inovação como do governo, ética e liderança dentro e fora das organizações que no limite se refletem no ambiente de trabalho e na cidadania das mesmas. Identificar e gerir os touchpoints que mais contribuem para a construção de reputação é algo essencial. É crítico identificar o impacto das diferentes dimensões de reputação bem como os riscos associados às mesmas nos resultados financeiros.