Opinião

A utopia do teletrabalho

Carlos Sá Carneiro, consultor*

Num mundo ideal, os países seriam mais coesos e menos assimétricos; as cidades seriam mais verdes e menos congestionadas; as pessoas teriam melhor qualidade de vida e um maior equilíbrio nas esferas profissional, familiar e pessoal.

Mas e se fosse realmente possível desenvolver e dar nova vida ao interior, retirar pressão às cidades e dar maior liberdade de escolha às pessoas na organização das suas vidas?

Sem cair na utopia dos mundos ideais, as necessidades geradas pela pandemia em curso convertem-se em oportunidades que o futuro não pode ignorar. E seria um erro histórico não considerar o poder transformador do teletrabalho, agora na era digital, no plano social, económico, ambiental e territorial.

Como em muitos outros países, também no caso nacional quase metade da população encontra-se concentrada nas grandes áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto, para onde foi partindo, ao longo das últimas décadas, em busca de melhores condições de vida e de trabalho. A concentração de recursos, nomeadamente qualificados, determinou que empresas e serviços se fixassem, também eles, nos grandes centros urbanos. A procura foi pressionando o preço dos imóveis, progressivamente encaminhando a população para zonas mais periféricas, obrigando a longas deslocações entre domicílio e local de trabalho e aumentando a pegada de carbono coletiva. E a fixação ditada pelo local de trabalho foi relegando para segundo plano a tal procura de melhores condições de vida, em sentido mais lato.

Por uma vez, temos a maturidade tecnológica, o espaço e o tempo adequados para inverter esta tendência, repensando o funcionamento de empresas e de organismos e o modo de prestação e de organização do trabalho. O modelo do trabalho à distância e do teletrabalho tem sido maciçamente testado – diga-se, mais por obrigação do que por opção – com resultados muito positivos, nomeadamente em termos de produtividade. E apesar de não ser isento de riscos (como o do isolamento ou de uma menor separação entre a vida profissional e familiar), as vantagens apresentadas superam claramente as desvantagens.

Regular o teletrabalho, atenuando riscos e permitindo a sua rápida aplicação ao setor publico e privado e a todas aquelas atividades que não requeiram trabalho presencial, significa conceder a um largo conjunto de pessoas liberdade para escolher onde e como querem organizar e desenvolver as suas vidas, ao mesmo tempo que reforça a atratividade de outras localidades, nomeadamente do interior, para fins que não sejam apenas naturais e turísticos.

Não sei se o trabalho à distância e o teletrabalho (ou os tão falados modelos híbridos) resolvem todos os problemas. Não sei sequer se podem chegar lá perto. Mas sei que vale bem a pena aproveitarmos o momento que vivemos para fazer mudanças que façam realmente a diferença.

*Equipa de Coordenação – Plataforma Portugal Agora


Carlos Sá Carneiro é responsável pelo desenvolvimento estratégico da Portugal Expo 2020 Dubai e professor convidado da Porto Business School (PBS). Anteriormente, foi diretor de New Business da Altice, tendo a seu cargo os departamentos de desenvolvimento de novos negócios, de smart cities e de empreendedorismo e start-ups. Nesse âmbito, foi responsável pelo lançamento do programa ENTER e da incubadora de empresas do Grupo.

Licenciou-se em Direito, área na qual concluiu a parte curricular do doutoramento. Completou o Programa Avançado de Gestão da PBS e possui Pós-Graduações em Direito Fiscal e em Contratos em Especial.

Ao longo da sua vida profissional foi fundador da Uppertech Consulting, Advisor da United Nations University (O.U. on Policy-Driven E-Gov), assessor do Primeiro-Ministro (2011-2015), sócio da CBSC e da GMSCC,  sociedades de advogados, consultor da Aderta (Madrid), co-diretor executivo da pós-graduação em Fiscalidade da UIFF/PwC e administrador da Antab, S.A. Complementarmente, tem participado como orador em conferências e congressos nas áreas da transformação digital, empreendedorismo e e-Gov.

Mantém uma participação cívica ativa enquanto membro do plataforma Portugal Agora, ex-coordenador do Grupo da Boavista e membro fundador do Grupo Portugal XXI, fóruns multipartidários dedicados à reflexão política, económica e social.

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