Opinião

A quimera das taxas de juro

Franquelim Alves, Managing Partner da SIGISFIN

As subidas de taxa de juro dos Bancos Centrais, particularmente do BCE, têm gerado muita discussão, principalmente da parte de políticos populistas que têm vivido à custa de políticas de facilitação financeira que, mais tarde ou mais cedo, se pagam caro.

Desde a crise das “dot.com”, no final dos anos 90 e depois com a crise de 2008, habituámo-nos a viver em ambiente de baixas taxas de juro. Perante tais crises, os Bancos Centrais passaram a emitir moeda em larga escala para sustentar o sistema financeiro que, por essa via, continuou a alimentar políticas de endividamento das famílias e das empresas, aprofundadas por taxas de juro muito baixas, resultado do excesso de liquidez gerado por essas políticas de laxismo financeiro.

A crise da Covid deu alimento a políticas ainda mais agressivas de emissão de moeda que mantiveram elevados níveis de liquidez nas economias e que acabaram por conduzir a um raro fenómeno de taxas de juro nominais negativas.

Os efeitos destas políticas não podem deixar de ter consequências negativas. Forte endividamento das empresas e famílias, propensão ao consumo e, inevitavelmente, surgimento da inflação a partir do momento em que a capacidade de crescimento das economias passou a ser substancialmente inferior ao crescimento astronómico da massa monetária em circulação.

O início da guerra na Ucrânia exacerbou os sinais inflacionistas que os Bancos Centrais tardaram em antecipar. No caso europeu, o impacto foi ainda aumentado pelos efeitos da desastrosa política energética, particularmente na Alemanha.

A existência de dinheiro “fácil” gera efeitos de sinalização errados: a propensão para o investimento reduz-se, o consumismo aumenta e as opções de aplicação de capital são frequentemente erradas em resultado da ausência de métricas de avaliação adequadas, métricas essas que derivam das taxas de juro praticadas no mercado.

É por isso bem-vinda a política de retorno a taxas de juro mais altas que imponha ordem na lógica de afetação de capital, premiando a poupança em detrimento do consumo e impondo de novo critérios de retorno do investimento compatíveis com as opções de consumo de capital.

As decisões de investimento têm um preço e a poupança deve ser apoiada com remuneração apropriada. Só assim os recursos de capital são bem aplicados em decisões de investimento que aumentem a riqueza das economias e dos países.

O sonho dos governantes de terem uma máquina de fazer dinheiro sem custo para os cidadãos é uma verdadeira quimera que como a quimera do ouro acaba por chocar com a realidade inultrapassável da escassez de recursos com que nos confrontamos nas nossas tomadas de decisão.

Mesmo para os empresários, a vontade de aceder a dinheiro barato acaba sempre por dar mau resultado e conduzir a decisões de investimento mal avisadas, cujo desenlace, em muitos casos, é o fracasso do projeto empresarial.

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Franquelim Alves

Franquelim Alves

Franquelim Alves é managing partner da SIGISFIN (ex-New Finance, Lda.). Anteriormente, foi diretor-geral da 3anglecapital, sociedade especializada em operações de M&A e serviços de “advisory” financeiro. Licenciado em economia, pelo ISEG, detém um MBA em Finanças pela Universidade Católica Portuguesa e o Advanced Management Program da Wharton School of Philadelphia. Desempenhou funções de administração financeira no Grupo Lusomundo e no Grupo Jerónimo Martins. Iniciou a sua carreira na Ernst & Young, onde desempenhou funções de Sócio responsável pela área de... Ler Mais..

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