Opinião
A ousadia de transformar (n)as empresas

São já muitos os momentos na história – por disrupção tecnológica, por ameaça de novos entrantes mais ágeis e capazes, ou por instinto de sobrevivência – que as empresas foram e são obrigadas a transformar a sua atividade. Mas são também vários os momentos destes em que vemos as mesmas empresas a fracassar, a deixar passar a oportunidade de fazer diferente, a comunicar para fora que a empresa está em processo de transformação, mas a fazer tudo igual para dentro.
Afinal, porque falham as empresas na hora de se transformarem? Vamos por partes.
Falham em primeiro lugar na concetualização do que estão efetivamente a transformar. Tipicamente referimo-nos à transformação das empresas, mas na realidade o que se transforma não é a empresa per se, mas sim a cultura, o que pode parecer um pormenor, mas é na realidade um grande pormenor. As empresas não são mais que o resultado das ações de uma organização feita de pessoas, os maiores e melhores ativos que, motivadas e orientadas potenciam toda uma atividade e ferramentas tecnológicas. A este conjunto tipicamente chamamos cultura organizacional, e isso é o que realmente se pode transformar e faz as empresas progredirem. Ignorar isso, na concetualização e comunicação, é retirar as pessoas do centro da questão.
Falham em segundo lugar porque é muito difícil fazer de forma diferente exatamente com as mesmas pessoas. Por mais que tenhamos a vontade e a convicção que todas as pessoas conseguirão fazer de forma diferente, a verdade é que o “legacy” e os hábitos enraizados das organizações, e consequentemente nas pessoas que nelas trabalham, são inimigos da agilidade e do sangue novo necessário para que, perante uma situação ou desafio, a atitude seja mais empreendedora, mais “vamos a isso” e menos “já tentámos isso no passado”.
Falham em terceiro lugar por falta de velocidade/ agilidade, e porque os projetos de transformação são sempre os “side projects”, os que não são para amanhã – aqueles que vamos implementando quando conseguimos tirar tempo e investimento da exigência e da absorção da atividade corrente do dia a dia – quando na verdade deveriam ser, pela sua importância e impacto, os “main projects”.
E falham, finalmente, porque as transformações não se fazem por decreto ou só porque a gestão de topo assim o indica. É preciso criar condições, incentivos e “accountability” para isso em toda a organização. As transformações conseguem-se no trabalho do dia a dia de cada um, na partilha de uma visão e necessidade de mudança, no alinhamento entre todos os membros da organização independentemente da hierarquia, numa vontade comum de fazer mais e melhor. Porque o difícil não é dizer ou definir, é mesmo fazer.
Mas então o que falta? Falta OUSADIA. Que palavra esta, tão frequentemente conotada negativamente, mas que na verdade não podia ser mais vanguardista. Ousar é sinónimo de arriscar, arrojar, tentar, e vem do latim ausare, que significa “empreender”.
Falta ousadia para apostar nos melhores recursos independentemente da sua idade, background ou hierarquia; falta ousadia para colocar pessoas novas a pensar nos “problemas de sempre”; falta ousadia para desafiar o status-quo; Falta ousadia para trabalhar de forma diferente; falta ousadia para dar espaço para falhar; falta ousadia para assumir o risco; falta ousadia para dar prioridade ao futuro mesmo que isso possa não maximizar o imediato; falta ousadia para colocar o interesse comum acima da proteção individual; falta ousadia para ser impopular; falta ousadia para decidir rápido; falta a ousadia para assumir e ser “accountable”; falta ousadia para fazer e avaliar, em vez de avaliar e não fazer.
Sejamos todos mais ousados nas empresas e veremos transformações a acontecer. E aproveitando o tema, sejamos também mais ousados nos governos, na sociedade, nas nossas relações pessoais. Até porque o empreendedorismo (a ousadia, desculpem), não é só nas start-ups. E começa dentro de cada um de nós