Opinião

A necessidade de equilibrar a tradição e a modernidade no protocolo

Isabel Amaral, especialista em protocolo e comunicação intercultural

No mundo de hoje, mais do que nunca, para que qualquer empresa continue a crescer, precisa de estabelecer e manter bons relacionamentos com todos os seus stakeholders (partes interessadas). Mas o tempo e os recursos são limitados. Temos de fazer escolhas baseadas no grau de relacionamento que se quer ter com cada um deles.

Para conseguir manter um relacionamento positivo e construtivo com todo o tipo de partes interessadas os empresários necessitam de saber desempenhar algumas das tradicionais funções diplomáticas como a representação, a negociação e a comunicação.

No livro “Protocol to Manage Relationships Today” [1]  é-nos sugerido que numa primeira fase temos de definir quem são esses stakeholders e dividi-los em três grupos principais:

– Partes interessadas internas (como funcionários, parceiros semipermanentes, contratados frequentes);
– Partes interessadas externas de primeiro nível com relacionamento direto (como fornecedores, clientes, proprietários ou supervisores);
– Partes interessadas externas de segundo nível com relacionamento indireto (como media, governo, mercados financeiros).

O interesse manifestado pela empresa nos seus stakeholders faz com que eles sintam que as suas opiniões são valorizadas e que sua participação é importante para o sucesso da empresa. Para construir uma rede de relacionamentos com vantagem competitiva para todos é necessário participar e organizar os eventos “certos” onde as pessoas “certas” se encontram. Para conseguir organizar reuniões eficazes e eventos de networking, o protocolo é fundamental para fortalecer estes relacionamentos. O livro sugere um método de protocolo específico com três etapas

  1. Entender o contexto.
  2. Estabelecer uma hierarquia entre stakeholders.
  3. Desenvolver um protocolo específico para cada evento.

Na primeira etapa, para entender o contexto onde estamos a operar, precisamos de responder a diversas questões: Qual o motivo do evento? Qual é o objetivo e o valor em termos relacionais deste evento? Porque queremos estar presentes? O que queremos atingir? Depois devemos pesquisar eventos anteriores e verificar se as pessoas certas estiveram presentes, se foram feitos contactos importantes para conseguir ter uma avaliação dos resultados obtidos. Também podemos fazer uma avaliação comparativa e tentar descobrir como a concorrência está a lidar com esta questão.

Com base no entendimento do contexto, é mais fácil determinar o nível de protocolo necessário para o sucesso do evento. Nesta segunda etapa, o protocolo deve contribuir para estabelecer o grau de importância ou de valor para a empresa de cada um dos stakeholders internos e externos. Quanto aos internos, vamos determinar quem é o anfitrião principal e qual o grau hierárquico dos outros anfitriões, se os houver. Relativamente aos externos, temos de verificar se existem altas entidades, com direito a um tratamento especial, mas também outros convidados valiosos, como aqueles que vão estar no palco e os patrocinadores, por exemplo.

Os critérios para ordenamento protocolar nas empresas são o grau hierárquico e em caso de igualdade de grau, a antiguidade em funções. Se houver igualdade de grau e de antiguidade, usa-se a ordem alfabética. No mundo corporativo os convidados podem ser divididos em grandes clientes, cliente médios e pequenos clientes.

Feita esta lista, agrupamos os convidados em três escalões e começamos a definir um protocolo específico para o evento. O objetivo do protocolo é construir confiança e conexão, sendo necessário encontrar o equilíbrio adequado entre a modernidade e a tradição, por um lado, e entre as regras e símbolos, por outro.

Assistimos recentemente a um exemplo deste equilíbrio, durante o enterro da Rainha Isabel II de Inglaterra. As tradições mais importantes foram mantidas e estabeleceu-se um guião para todos os momentos solenes. Mas o novo Rei soube modernizar este momento histórico, flexibilizando as regras ao sair para a rua com o Príncipe de Gales para cumprimentar e falar com os milhares de pessoas que enchiam as ruas de Londres. Foi um gesto de aproximação muito apreciado por quem estava há longas horas ao frio e à chuva, aguardando para entrar na Abadia de Westminster e prestar uma última homenagem à “sua” Rainha.

Foi muito importante o valor simbólico do protocolo ao conseguir criar uma narrativa compartilhada por todos e uma forte ligação entre participantes de diferentes origens. Ao ser cumprido o conjunto de regras de protocolo indispensáveis, reduziu-se a incerteza e evitou-se a confusão, cumprindo-se os horários e a dignidade de todos os momentos.

Transferindo este exemplo para a vida corporativa, creio que se tivermos um conjunto de regras de protocolo definidas antecipadamente, isso vai permitir que todos se concentrem no contexto da reunião e na interação com os outros, permitindo uma melhor gestão do tempo. Algumas tradições podem ser mantidas, mas as regras podem ser flexibilizadas e o simbolismo deve ser adaptado aos tempos em que vivemos.

[1] Protocol to Manage Relationships Today – Modern Relationship Management Based Upon Traditional Values”,vários autores, Amsterdam University Press, Amsterdão 2020

 

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Isabel Amaral

Isabel Amaral

Isabel Amaral é Presidente Emérita da Associação Portuguesa de Estudos de Protocolo que fundou em 2005 e Investigadora do Instituto do Oriente (ISCSP-Universidade de Lisboa), desde 2013. É oradora internacional, empresária, coach executiva, docente em universidades portuguesas e estrangeiras, palestrante e conferencista, em temas como Imagem, Protocolo e Comunicação Multicultural. Como formadora de protocolo, imagem e comunicação intercultural, assegurou a organização e monitoria de diversos cursos em Portugal, Angola, Cabo Verde, Namíbia. Espanha, Bélgica, Países Baixos e República Popular da... Ler Mais..

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