Opinião
A curiosidade só mata mesmo o gato

Num mundo onde a inteligência artificial responde a tudo, o verdadeiro valor está em saber perguntar. A curiosidade – e o saber fazer perguntas – não é “nice to have” ou um traço de personalidade — é uma competência essencial para crescer, liderar e inovar em qualquer setor e contexto profissional (e pessoal).
“Eu não tenho nenhum talento especial. Sou apenas apaixonadamente curioso.” A frase é atribuída a Einstein, mas hoje ela vai muito para além da ciência. Em tempos de aceleração e disrupção tecnológica (talvez das maiores de sempre), incerteza, mudança constante e inteligência artificial, ser curioso deixou de ser uma característica “nice to have” ou um traço de personalidade valorizado, para se tornar uma competência absolutamente essencial e diferenciadora. No mundo profissional (e já agora pessoal), a curiosidade — e, mais importante ainda, a capacidade de fazer as perguntas certas — é um dos maiores ativos que alguém pode ter.
Hoje, essa arte tornou-se ainda mais relevante. Na era da inteligência artificial, as perguntas certas valem mais do que respostas automáticas. A IA generativa — de motores de pesquisa a assistentes como o ChatGPT — depende diretamente da qualidade do prompt que recebe. Saber navegar neste novo mundo é menos sobre conhecer respostas e mais sobre dominar a formulação de boas questões. O chamado “Prompt engineering” já não é apenas uma técnica: é uma literacia fundamental.
Vários estudos demonstram que profissionais com alta curiosidade têm melhores performances, muito maior probabilidade de propor soluções inovadoras e são percebidos e vistos como mais eficazes pelas suas equipas – a Deloitte, no seu relatório Human Capital Trends 2024, aponta que capacidades humanas como curiosidade, empatia e adaptabilidade são cada vez mais valorizadas em ambientes de trabalho flexíveis e orientados para a inovação. Não é difícil perceber o porquê: a curiosidade ativa desbloqueia criatividade, melhora as tomadas de decisão, reduz conflitos interpessoais, aumenta o envolvimento das equipas e promove um ambiente onde “errar” é interpretado como parte do processo de aprendizagem — e não como uma falha.
Todos nós, quando somos crianças, passamos por aquilo a que chamamos “a idade dos porquês”. Mas essa idade não deveria “acabar”. Enquanto profissionais – e pessoas – quando somos “curiosos por natureza” (ou por treino) e continuamos a fazer perguntas interessadas, acabamos por procurar aprender continuamente, o que nos mantém atualizados, adaptáveis e capazes de participar nas conversas e discussões que temos nos mais diferentes contextos; por fazer perguntas que desafiam de algum modo o status quo, promovendo a inovação e a reflexão; e por desenvolver um pensamento crítico, que é essencial para a tomada de decisões estratégicas.
Na vida profissional, esta curiosidade vai muito para além de conhecer a fundo aquilo que fazemos (isso também é absolutamente crítico). Passa por desenvolver interesse por tudo aquilo que nos rodeia, e que impacta aquilo em que trabalhamos, e já agora o mundo em que vivemos. É por isso que é tão importante que nos interessemos pelo que se passa genericamente no mundo, que nos interessemos pelo trabalho das outras áreas, pelo que está a acontecer de forma mais global com a empresa e o setor em que trabalhamos, pelas dinâmicas que a afetam mais direta ou indiretamente e pelas pessoas com quem nos vamos cruzando.
Se isso é assim tão óbvio, seria de esperar que todos fôssemos curiosos, não era? Mas isso não é assim. Um estudo da Harvard Business Review, realizado com mais de 3.000 funcionários de empresas diversas, revelou que apenas cerca de 24% dos colaboradores relataram sentir-se curiosos no trabalho regularmente, e aproximadamente 70% disseram enfrentar barreiras para fazer mais perguntas no ambiente profissional. Estruturas rígidas, medo de represálias ou a simples pressão da produtividade diária sufocam o espaço necessário para perguntar, explorar e desafiar o status quo. E esse bloqueio é um desperdício silencioso de progresso e inovação.
Se deveríamos ser mais curiosos por nós próprios? Sem dúvida. Mas a curiosidade também se aprende, ou pelo menos estimula-se, e as lideranças que temos e as culturas profissionais em que nos inserimos têm um impacto muito grande em tudo isto. Líderes curiosos, que perguntam, que se interessam, que dão abertura e promovem perguntas (até porque não há perguntas erradas), fomentam uma cultura de confiança que por si só cria espaço e valoriza o desenvolvimento desta curiosidade – que já agora também funciona como fator de retenção de talento.
No final, curiosidade é liberdade intelectual, mas é também sinal de humildade. É admitir que não se sabe tudo — e ter vontade de saber mais. Num mundo em que o conhecimento envelhece rápido e as certezas duram pouco, o valor não está em saber tudo, mas em manter a vontade de aprender. Ou como dizia Eric Hoffer há muitos anos: “Em tempos de mudança, os aprendizes herdarão o futuro, enquanto que os que acreditam saber tudo estarão equipados para um mundo que já não existe”.
E, por isso, a frase deveria ser revista: a curiosidade só mata mesmo o gato — à pessoa, e ao profissional atento, a curiosidade expande horizontes, dá visão e novas perspetivas, e torna-se uma “vantagem competitiva”. Numa altura em que todos procuram respostas, destaca-se quem sabe fazer boas perguntas.