Opinião
O fim do teletrabalho não é para amanhã!

Lê-se recentemente, nos meios de comunicação, que o teletrabalho está a tornar-se menos comum, que será o fim daquela que foi uma das principais revoluções do mundo do trabalho pós-Covid. É verdade que muitas empresas estão a rever, ou a renegociar, os acordos estabelecidos durante a pandemia.
Um estudo da KPMG refere mesmo que 62% dos dirigentes americanos acreditam que o teletrabalho poderá desaparecer nos próximos 2 a 3 anos. Eu não faço parte desse grupo e também não acredito que a maioria das empresas na Europa e em Portugal esteja preparada para um regresso total ao trabalho presencial para todos os seus colaboradores.
Se os debates atuais suscitam grande interesse, apesar da baixa proporção de trabalhadores em teletrabalho, cerca de 28% dos trabalhadores na Europa adotam um modelo híbrido e 8% trabalham totalmente à distância, é porque revelam um certo desconforto por parte das empresas, que se veem obrigadas a adaptar-se a mudanças rápidas e, acima de tudo, irreversíveis. Na realidade, os conflitos que surgiram nos últimos meses são apenas os últimos ecos de um mundo que já ficou para trás. O teletrabalho não só não desapareceu, como abriu caminho a mudanças culturais e organizacionais que ninguém poderia ter imaginado há apenas dez anos.
Do impensável ao óbvio
A generalização e a normalização do teletrabalho passaram, em poucos anos, de uma ideia marginal para uma realidade evidente, totalmente aceite e natural. Antes da pandemia de 2020, os acordos de teletrabalho eram adotados apenas por uma minoria de empresas, como a ADP, que então se posicionavam como pioneiras. Para a maioria das organizações, a ideia dominante era que o trabalho à distância era incompatível com as exigências de produtividade.
Cinco anos depois, os diferentes relatos e estudos tendem a demonstrar que esses receios eram infundados. Em 2021, um relatório do Instituto Sapiens indicava um aumento de 22% na produtividade em comparação com os anos pré-Covid. Os colaboradores estão mais do que satisfeitos e consideram o teletrabalho uma conquista da qual não estão dispostos a abdicar, sobretudo os mais jovens. Segundo um inquérito realizado pelo IWG (International Workplace Group), dois em cada três recém-licenciados não se candidatariam a um emprego que não oferecesse um modelo híbrido de trabalho.
Na ADP, verificámos uma impressionante melhoria na satisfação dos nossos clientes durante a pandemia, quando 100% dos nossos sessenta mil colaboradores em todo o mundo estavam em teletrabalho. Está claro que as preocupações relacionadas com uma alegada perda de desempenho dos trabalhadores remotos não se confirmam!
A flexibilidade, o novo mantra das organizações
As empresas que pretendem um “regresso à normalidade” devem compreender que essa normalidade mudou. No entanto, é importante não minimizar os desafios trazidos pelo teletrabalho. Dois aspetos, em particular, preocupam as empresas.
O primeiro é a preservação do espírito coletivo e da inteligência que nasce das relações interpessoais. Como estimular a criatividade e a inovação à distância? O segundo tem a ver com a garantia de equidade para todos os colaboradores. Dado que apenas uma minoria dos postos de trabalho pode ser exercida remotamente, como garantir que não se favorecem aqueles que podem trabalhar à distância, geralmente trabalhadores de colarinho branco, em detrimento da maioria que não tem essa possibilidade?
Não há uma resposta única para estas questões. O futuro do trabalho, normalmente tratado no singular, apresenta-se na realidade no plural, e os equilíbrios dependem tanto do bom senso como da cultura de cada empresa. Contudo, uma constante emerge: a necessidade de responder a uma forte exigência de flexibilidade, manifestada tanto pelos trabalhadores híbridos como pelos colaboradores que trabalham presencialmente.
Em alguns setores, a semana de quatro dias ou horários de trabalho flexíveis podem ser argumentos muito fortes para atrair e reter talentos, especialmente num contexto em que todos aspiram a um melhor equilíbrio entre vida profissional e pessoal. Aliás, o estudo People at Work da ADP Research revelou que são precisamente os trabalhadores da construção civil e da hotelaria e restauração, setores tradicionalmente pouco abertos ao teletrabalho ou a modelos híbridos, que mais pedem horários flexíveis e semanas de quatro dias. Em suma, querem a mesma flexibilidade que outros já têm e da qual se sentem privados.
Confiança, autonomia e responsabilização
O desafio vai muito além da simples questão do local de trabalho. O que está em causa, especialmente para as gerações mais jovens, é uma redefinição do papel que o trabalho ocupa nas nossas vidas. Para muitos, o trabalho tornou-se um meio e não um fim em si mesmo, o que se traduz numa mudança significativa de perceções e valores.
Já se falava há anos dos riscos psicossociais no trabalho; hoje, são também as gerações mais jovens que exigem que os seus empregadores atuem em questões relacionadas com a saúde mental.
Para as empresas, isto significa que a sua competitividade está cada vez mais ligada à capacidade de integrar a flexibilidade no seu ADN e de repensar a experiência dos seus colaboradores. A prioridade já não é tanto oferecer aulas de yoga ao meio-dia, mas sim garantir que todos tenham um mínimo de flexibilidade no seu horário de trabalho.
Em 2025, o que realmente importa é que os colaboradores não sintam um stress adicional por terem de ir buscar um filho doente à creche ou de cuidar de um familiar dependente.
Em termos de gestão, isto implica uma revalorização do papel dos gestores de proximidade, cujo papel já não é tanto o de comandar e controlar, mas sim o de identificar sinais precoces de riscos psicossociais, assegurar o bom andamento dos projetos tanto presencialmente como à distância, e manter vivo o espírito de equipa.
Por força das circunstâncias, o tripé “confiança-autonomia-responsabilidade” tornou-se o pilar da organização híbrida. E, com isso, a base comum de todos os futuros do trabalho.