Opinião

Sustentabilidade emocional. As relações pessoais como ativo rentável

Mário Ceitil, formador e professor universitário*

As teorias económicas ainda dominantes, sustentadas no paradigma do Homo Economicus, partem do pressuposto de que as pessoas tomam decisões racionais com base numa clara noção dos seus próprios interesses.

As somas totais dessas decisões racionais conduziriam a que as sociedades e as empresas estabelecessem entre si formas de relacionamento pautadas por mecanismos de autorregulação estabelecidos com base nas chamadas “leis de mercado”.

No entanto, autores como Daniel Kahneman (1) têm vindo a propor que nem sempre as nossas decisões são tomadas com base em critérios objetivos e racionais e a própria História tem demonstrado que essas teorias estão erradas “através de todas as bolhas económicas que ocorreram, desde a febre das túlipas na Holanda na década de 1630 e, mais recentemente e de forma espetacular, pelo colapso financeiro de 2008.” (2).

De facto, e ao contrário dos primeiros esboços das teorias de Adam Smith e Jeremy Bentham que postulavam que o sucesso de uma economia está no bem-estar das suas pessoas (3), o que hoje assistimos é a muitos exemplos de países que “conseguem manter um PIB respeitável, se uma elite se tornar escandalosamente rica, enquanto as massas se afundam”, ou seja, países onde “a ascendente riqueza de uma pequena percentagem esconde o decrescente bem-estar de muitos.”(4).

Mas, apesar desta paisagem social e económica com muitos contornos sombrios, muito citada por aqueles que têm da realidade a visão pessimista do “copo meio vazio”, o nosso mundo de hoje é extremamente multifacetado e diversificado, fornecendo infinitos motivos para aqueles outros que, não perdendo o indispensável sentido de realismo crítico, encaram o presente e o futuro sob a perspetiva do “copo meio cheio”.

Fazem parte desta última categoria, todos aqueles, decisores, gestores e responsáveis empresariais que, em número crescente, consideram que “uma economia saudável expressa-se não só na quantidade de pessoas que se tornam bilionárias, mas no bem-estar de todos” (5). E é precisamente a preocupação com o bem-estar e a felicidade das pessoas que marca atualmente uma verdadeira mudança de paradigma nas relações entre as empresas e os seus colaboradores, acentuando as novas missões das empresas não apenas como criadoras de riqueza material, mas como agentes ativos de um profundo processo de transformação social orientado para aquilo que o Dalai Lama designa por uma “economia focada na compaixão”, cujo objetivo é, na expressão de Richard Layard, “criar o máximo de felicidade – e o mínimo de infortúnio – possível no mundo que nos rodeia” (6).

Não se pense que esta mudança de paradigma, que é hoje evidente nos mais recentes modelos de Gestão das Pessoas, que acentuam a centralidade da pessoa como propósito e significado dos atos de gestão empresarial, é apenas, como muitos ainda pensam e afirmam, mais uma das muitas “modas” da gestão”. Pelo contrário, ela inscreve-se num longo processo de desenvolvimento e crescimento económico que, de acordo com Piketty, tem por base o facto de “as qualificações, os saberes adquiridos e, de um modo geral, o trabalho humano, se terem tornado cada vez mais importantes ao longo do tempo no processo de produção”, e que se aprofunda hoje, numa altura em que  “a tecnologia se transformou de tal maneira que o fator trabalho tem agora um papel muito mais importante”. (7)

A maior relevância deste novo papel do trabalho na economia e na sociedade, tem expressão no facto de que, historicamente, os trabalhadores, que foram desapossados, por assim dizer, do próprio sentido do seu trabalho, durante o longo período da industrialização desumanizada e desumana, só agora terem uma real possibilidade de verem esse sentido retornar ao seu verdadeiro agente, já não considerado apenas como um mero “trabalhador”, mas alguém cujo contributo e ação se fundem num propósito coerente de partilha de experiências e de valores com a sua organização, num processo que só pode ser moralizado se e enquanto houver uma real perceção de vantagens recíprocas.

É por isso que a gestão hoje tem de ser mais do que simplesmente “mais humana”, porque é no mais autenticamente humano de cada pessoa que ela se conecta com aquilo que dá sentido, expressão e coerência final às suas práticas.

As pessoas hoje, e ao contrário do que acontecia em gerações anteriores, procuram, nas suas organizações, mais, muito mais, do que a mera satisfação das suas necessidades mais imediatas e primárias: procuram projetos profissionais que façam sentido para as suas vidas e lhes deem a possibilidade de viverem experiências estimulantes e enriquecedoras.

As pessoas hoje, procuram e preferem organizações cujas práticas se orientem por valores que vão muito para além do “velho” conceito de “gerar valor para os acionistas”; valores que espelhem uma preocupação efetiva e ativa por gerar resultados que contribuam para um bem comum.

As pessoas, hoje, sobretudo aquelas que pertencem às novas gerações, procuram organizações que sejam mais do que “entidades com bens”: preferem, sim, organizações que sejam elas próprias, “pessoas de bem”.

Esta nova sensibilidade, que brota diretamente de uma consciência cívica cada vez mais orientada para os valores da sustentabilidade económica, ambiental e social, assume hoje a configuração de uma poderosa “drive” motivacional.

Esta força anímica é sobretudo baseada no propósito de pertencer e servir uma causa maior, bem evidenciada nas investigações da Psicologia Positiva, segundo as quais as pessoas experimentam um sentimento mais intenso de “flow”, ou seja, a experiência ótima do bem-estar subjetivo (felicidade), quando sentem que contribuem para propósitos que, para além de servirem objetivos próprios, servem igualmente uma causa maior do que eles.

De acordo com estas premissas, a consolidação de uma dinâmica motivacional sólida numa organização depende da capacidade dessa mesma organização ser capaz de associar as orientações para a sustentabilidade económica e ambiental, a uma consequente sustentabilidade emocional, porque, como refere Layard, “a felicidade depende muito mais da qualidade das nossas relações pessoais do que dos nossos rendimentos” (8), desde que, acrescentaria eu, o nível desses rendimentos permita às pessoas garantir condições de vida com pelo menos um mínimo de dignidade.

Se, de acordo com as lições do Dalai Lama, “as vantagens emocionais de ganhar riqueza são temporárias e que o nível global de contentamento das pessoas numa comunidade é tanto melhor quanto mais equitativamente for distribuída a riqueza”(9)), então poder-se-á concluir que dinamizar práticas de gestão justas e íntegras e promover qualidade nas relações pessoais, são, para além de verdadeiros imperativos morais,  as plataformas mais realistas e pragmáticas para garantir também a sustentabilidade financeira das empresas e organizações.

Se assim for, ou se assim se tornar prática consequente, conseguiremos finalmente realizar a “quadratura do círculo” da gestão: criar organizações que sejam financeiramente estáveis e duradouras e ambientes consolidados de desenvolvimento e felicidade humanos.

Notas

(1) KAHNEMAN, D. (2012). Pensar, Depressa e Devagar. Lisboa: Temas e Debates – Círculo de Leitores
(2) GOLEMAN, D. (2015). Uma Força para o Bem. A Visão do Dalai-Lama para o osso Mundo. Lisboa: Temas e De bates – Círculo de Leitores
(3) Idem
(4) Idem
(5) Idem
(6) Idem
(7) PIKETTY, T. (2014). O Capital no Século XXI. Lisboa: Temas e debates – Círculo de Leitores
(8) GOLEMAN, D. (2015). Uma Força para o Bem. A Visão do Dalai-Lama para o osso Mundo. Lisboa: Temas e De bates – Círculo de Leitores
(9) Idem

*Docente convidado do ISCTE/Executive Education; Coordenador das Pós-Graduação em “Desenvolvimento Emocional e Coaching” do ISCTE/Executive Education; Presidente da Mesa da Assembleia Geral da APG -Associação Portuguesa de Gestão das Pessoas.

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Mário Ceitil

Mário Ceitil

Licenciado em Psicologia Social e das Organizações pelo ISPA, Mário Ceitil é consultor e formador na CEGOC desde 1981, tendo participado em vários projetos de intervenção, nos domínios da Psicologia das Organizações e da Gestão dos Recursos Humanos, em algumas das principais empresas e organizações, privadas e públicas, em Portugal e em países da África lusófona. Integrou, como consultor, equipas internacionais do grupo CEGOS, em projetos europeus. É professor universitário, desde 1981, nas áreas da Psicologia das Organizações e da... Ler Mais..

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