Entrevista/ C-mo Medical Solutions, a start-up que nasceu ainda na universidade e está a ganhar asas

Miguel Andrade, CTO da C-mo Medical Solutions

Um conjunto de amigos unidos por uma causa. Este foi o ponto de partida para cinco jovens engenheiros biomédicos criarem a C-mo Solutions. Quatro anos depois, o projeto conquistou investidores e prepara-se para voar mais longe, para a Europa e mercado norte-americano, como explica Miguel Andrade, cofundador e CTO.

Foi ainda nos tempos de faculdade que o C-mo começou a surgir a sob a forma de uma ideia: um dispositivo médico que serviria para monitorizar a tosse e, desta forma, permitir que os médicos conseguissem fazer um diagnóstico mais exato das patologias associadas. Da ideia o projeto passou à realidade e ganhou a forma de um equipamento wearable prestes a chegar ao mercado.

Miguel Andrade, CTO e um dos cinco cofundadores da C-mo Medical Solutions, explicou ao Link To Leaders as potencialidades clínicas do dispositivo, os desafios que a equipa fundadora tem enfrentado para dar vida ao projeto e as metas que pretendem alcançar.

Em que consiste a vossa solução?
O C-mo é um dispositivo médico inovador que permite monitorizar a tosse dos doentes de uma forma objetiva e eficaz. Acreditamos que a tosse tem um potencial clínico enorme e que o C-mo irá permitir melhorar os cuidados de saúde de mais 700 milhões de adultos com tosse crónica. Contudo, apesar do potencial clínico da tosse, não existem ainda ferramentas objetivas para a avaliar. Como tal, a única fonte de informação médica sobre a tosse são as descrições dos doentes, que não são fidedignas. Resumidamente, existe enorme potencial clínico que não está a ser aproveitado. A nossa missão é a de traduzir a tosse em valor clínico.

E como nasceu esta ideia?
O projeto teve início há cerca de quatro anos, quando ainda eramos estudantes universitários. A ideia surgiu diretamente de uma necessidade clínica premente. Enquanto estudantes de Engenharia Biomédica, tínhamos bastante contacto com diversos médicos, de diversas especialidades, nomeadamente imunoalergologia, pneumologia e gastroenterologia. Das diversas interações, fomos percebendo a premência de uma solução como o C-mo.

Desafiados por esta necessidade médica, juntámo-nos  – eu e mais quatro colegas –, e começámos a desenvolver o que hoje é o C-mo. Ao longo do processo fomos participando em diversas competições, o que nos permitiu chegar ao ponto de hoje. Nomeadamente, fomos vencedores de uma bola da EIT Health Innostars e do Altice International Innovation Award.

Acabaram por ser os vossos primeiros investidores…
Exatamente!

“Sempre foi um projeto que encarámos com muita ambição pois acreditávamos no seu valor e potencial”.

Então o projeto começou a ganhar forma ainda durante o tempo da universidade…
Começámos este projeto numa vertente “pós-laboral”, em paralelo com a universidade. Sempre foi um projeto que encarámos com muita ambição pois acreditávamos no seu valor e potencial. Deste modo, à medida que fomos ganhando os prémios, fomos dando vários passos em frente de forma natural e gradual: desde a incorporação oficial da empresa até aos primeiros empregados na empresa – o Diogo [Tecelão] como CEO, e a Sara [Lobo] como CCO. Em paralelo, todos os outros fundadores (eu inclusive), continuámos a apoiar de uma forma bastante ativa.

São quantos fundadores?
Somos cinco, o Diogo Tecelão, o Filipe Valadas, a Alexandra Lopes, a Sara Lobo e eu. Quando iniciamos o projeto, eramos acima de tudo um conjunto de amigos unidos por uma causa. E isso foi essencial para o nosso sucesso até à data. Durante o processo acabámos por nos especializar em áreas diferentes (deste desenvolvimento de produto, assuntos regulamentares, até ao desenvolvimento de negócios), e essas diferentes valências complementaram-se de uma forma eficaz.

“Sempre procurámos investidores estratégicos e que pudessem, para além do investimento financeiro, contribuir com know-how”.

No final do ano passado fecharam uma ronda de 4,8 milhões euros. Este ano já houve uma nova ronda com a Novalis Biotech. Como está a correr a aplicação desse investimento?
Para nós sempre foi essencial garantir que temos os investidores e parceiros certos para se juntarem a nós nesta jornada. Sempre procurámos investidores estratégicos e que pudessem, para além do investimento financeiro, contribuir com know-how. Deixa-nos muito orgulhosos saber que temos os parceiros certos!

Quais são as vossas prioridades?
Temos objetivos muito ambiciosos para os próximos anos, potenciados através desta ronda de investimento de 4.8 milhões de euros. O nosso primeiro e principal objetivo é o de lançar o C-mo nos mercados europeu e norte-americano.

“O nosso grande foco de momento é obter as aprovações regulamentares (…)”.

Portanto, esse é o grande foco do grande foco do vosso investimento neste momento…
Precisamente. O nosso grande foco de momento é obter as aprovações regulamentares (marcação CE e aprovação da FDA) para permitir o lançamento do C-mo nos mercados associados.

Este ano já vão conseguir ter o produto no mercado?
Sim, esse é o nosso objetivo. Estimamos lançar o C-mo nos mercados europeu e norte-americano até ao final deste ano, durante o quarto trimestre.

E este arranque no mercado será com alguma parceria em mente? Já têm algum potencial parceiro para colocar os produtos?
Felizmente, temos recebido várias manifestações de interesse de diversos players das mais variadas indústrias, nomeadamente a indústria farmacêutica e de tecnologia médica (MedTech). O C-mo é uma solução muito transversal, que vem adicionar muito valor em muitas aplicações – desde ao processo de desenvolvimento de medicamentos em ensaios clínicos, até à sua aplicação na prática clínica. Estamos a explorar diversas opções, e acreditamos que o futuro é construído em sinergia.

“(…) acreditamos que o C-mo pode ter um impacto a nível mundial, especialmente no mercado europeu (…) e norte-americano”.

E estamos a falar apenas no mercado português ou na perspetiva de internacionalização? Porque o mercado português é muito pequeno…
De momento temos diversos parceiros clínicos em Portugal, pelo que é um mercado de interesse, relevância e valor. De uma forma generalizada, acreditamos que o C-mo pode ter um impacto a nível mundial, especialmente no mercado europeu (em países como Alemanha, França, Itália, Portugal e Espanha) e norte-americano.

O que é que a vossa tecnologia de monitorização da tosse pode fazer pela prevenção ou tratamento de patologias associadas à tosse?
Acreditamos que a tosse tem um potencial clínico enorme. O C-mo permite monitorizar de forma objetiva os detalhes úteis da tosse, que revelam informação fisiopatológica muito relevante sobre a saúde respiratória dos doentes. Desta forma, adiciona valor clínico ao longo do ciclo de vida das doenças – desde o diagnóstico até à gestão pós-diagnóstico das doenças.

Em primeiro lugar, o C-mo permite identificar as características típicas de cada doença. Ao fazer esta associação, acreditamos que permite acelerar de forma significativa o diagnóstico de diversas doenças respiratórios e extra-respiratórias.

Após o diagnóstico, o C-mo será também uma ferramenta extremamente importante para monitorizar de forma objetiva se a medicação prescrita está a ser eficaz. Irá também permitir avaliar de forma objetiva a progressão da doença dos pacientes, o que é extremamente importante em doenças crónicas e progressivas. Finalmente, vemos também muito valor na utilização do C-mo como uma ferramenta para os próprios doentes crónicos conseguirem gerir de forma mais eficaz a sua doença, de forma a terem uma melhor qualidade de vida.

Como é equipamento?
O C-mo resulta da combinação de um dispositivo wearable com diversas soluções de software. O dispositivo wearable é colocado na região abdominal do doente através de adesivos. Desta forma, permite monitorizar a tosse dos doentes de uma forma bastante confortável e ergonómica ao longo de vários dias. O C-mo wearable é o resultado da integração multidisciplinar de diversas valências da engenharia, combinadas num produto bastante miniaturizado, ergonómico e extremamente otimizado (ultra low-power).

E como são recolhidos os dados?
Os dados são recolhidos pelo dispositivo e processados pelas nossas soluções de software. O resultado da monitorização da tosse através do C-mo são relatórios intuitivos que permitem uma análise rápida e eficaz dos biomarcadores respiratórios mais relevantes.

Ao desenvolver o C-mo, sempre tivemos em atenção os diversos tipos de utilizadores – desde os mais tecnologicamente avançados, até aos mais restritos e com menos capacidades tecnológicas. O dispositivo pode ser utilizado de forma eficaz pelos diversos tipos de utilizadores – acreditamos que a tecnologia deve jogar em prol da saúde, ao invés de ser uma barreira.

Como se processa a sua utilização? 
A típica utilização do C-mo na prática clínica será o seguinte. Um doente com uma tosse prolongada ou crónica dirige-se ao hospital. Procurando informação objetiva, o médico prescreve o exame do C-mo, o paciente coloca o equipamento, leva-o para casa e faz a sua vida normal. Após o término do exame, regressa ao hospital e devolve o dispositivo. Nesse momento, os dados são analisados, culminando na criação de um relatório automático que contém toda a informação que o médico necessita sobre a tosse do seu doente.

É um pouco como se faz com os Holters para o coração é isso?
Exatamente! Vemos muito o paralelismo do C-mo como o “Holter para a tosse”. Contudo, gostaria de realçar uma diferença importante: o C-mo é uma solução bastante mais ergonómica e user-friendly. Para nós é extremamente importante que os doentes se sintam confortáveis a utilizá-lo e que o vejam como uma ferramenta para o seu dia a dia, que lhes permite gerir de forma mais eficaz a sua doença e ter um maior controlo sobre a mesma.

Estão a pensar juntar mais alguma funcionalidade ao dispositivo?
Acreditamos que este dispositivo vem abrir uma área da saúde completamente nova – a da aplicação da tosse como um biomarcador clínico. Tal como há uns anos o electrocardiograma e o Holter abriram a porta para centenas de aplicações médicas inovadoras. Considerando o potencial da tosse como biomarcador, acreditamos que o mesmo irá acontecer. Como tal, queremos expandir as aplicações do C-mo aos diversos tipos de use-cases, de forma a acrescentar valor aos diversos tipos de doentes e especialidades médicas.

“(…) de momento não estamos ativamente à procura de captar mais investimento”.

Estão a pensar fazer mais alguma ronda de investimento este ano no sentido de ir buscar financiamento para pôr em prática essas ideias?
Esta ronda de investimento irá permitir-nos alcançar objetivos estratégicos muito importantes, desde o lançamento no mercado, até à expansão das capacidades da nossa tecnologia. Deste modo, de momento não estamos ativamente à procura de captar mais investimento.

Qual o papel dos investidores, no caso a Boehringer Ingelheim Venture Fund, Portugal Ventures, a HighTech Gründerfonds, e mais recentemente a Novalis, no vosso dia a dia?
Tem sido muito bom! Os investidores foram, como se diz na gíria, escolhidos a dedo. São, acima de tudo, parceiros que acreditam na nossa visão. E têm-nos apoiado bastante no nosso dia a dia, partilhando a sua expertise. Fazem parte da nossa jornada, e isso é muito importante para nós!

“O mais importante como empreendedor é ter a mentalidade certa”.

Ao longo destes quatro anos quais têm sido os vossos desafios, enquanto jovens investigadores e empreendedores, para conseguirem passar a vossa ideia, vendê-la ao mercado, criar um protótipo…
O mais importante como empreendedor é ter a mentalidade certa. Existe a necessidade constante de nos superarmos a cada dia que passa, e de aprendermos uma coisa nova todos os dias. Essa adaptabilidade tem sido essencial no nosso processo de crescimento como empresa.
Todos começámos como alunos de Engenharia Biomédica, recém-saídos da faculdade, e acabámos por nos especializar cada um nas suas áreas. É importante também realçar que este caminho não se faz sozinho, e que temos contado com o apoio valioso de diversos parceiros e amigos que nos ajudaram sem qualquer reserva durante o caminho.

E quanto a equipa?
As nossas contratações são feitas de forma meticulosa. Não contratamos simples “funcionários”, mas sim verdadeiros membros da nossa equipa, que fazem parte das fundações da empresa. Como tal, o processo de recrutamento envolve essencialmente a identificação de pessoas ambiciosas, que estejas alinhadas com os nossos valores e que acreditem no potencial da empresa e na nossa visão. Felizmente, temos uma equipa de sonho! De momento composta por sete pessoas, para além dos restantes membros fundados da empresa.

Como tem conjugado o lado de investigação com todas as questões que envolve ser um empreendedor?
Para nós sempre foi essencial garantir que estamos a fazer investigação e desenvolvimento, com o objetivo de desenvolver um produto que responde a uma necessidade médica premente. Como tal, ouvir os nossos utilizadores e futuros clientes (doentes, médicos, indústria farmacêutica, etc) tem sido essencial. Garantir que estamos a desenvolver o produto certo é extremamente importante e é o que nos move.

“Existe alguma burocracia no meio que acaba por criar algumas barreiras, nomeadamente afastar investidores estrangeiros do nosso mercado”.

É fácil ser empreendedor?
A minha experiência diz-me que não é fácil. Existe alguma burocracia no meio que acaba por criar algumas barreiras, nomeadamente afastar investidores estrangeiros do nosso mercado. Ainda que o talento e o potencial empreendedor em Portugal seja abundante, a burocracia é sem dúvida um fator atenuante. Acredito que ainda temos de trabalhar ativamente de forma a criar um ambiente ainda mais próspero para as nossas empresas.

Recordo-me dos prémios resultantes do Altice Innovation Award e da EIT Health serem altamente taxados. Logicamente que a questão é bastante complexa, mas o montante referente aos impostos poderia ter sido letal no crescimento da empresa, que sem qualquer revenue, procurava fazer as primeiras contratações.

Neste caso, as finanças não foram propriamente muito amigas dos empreendedores.
Exato, foi uma situação onde sentimos que havia uma falta de ajuste para a realidade de uma pequena start-up como nós, que estava a utilizar todo o seu balanço monetário para arrancar com a empresa e construir o seu futuro. E é isso que devemos apoiar, na minha visão. Contudo, tenho também notado uma incremental mudança de paradigma, realçando, por exemplo, as novas regras de tributação para as stock options das start-ups.

É também essencial destacar todos os pontos positivos associados a Portugal. Somos um país com profissionais tecnicamente muito evoluídos. Temos muito conhecimento e não tenho dúvidas que faríamos o processo todo novamente da mesma forma!

Colocam na vossa agenda a hipótese de virem a integrar um grupo, de virem a ser absorvidos por uma multinacional, ou é um cenário que não se coloca?
Nesta fase não pensamos muito nisso, mas todas as possibilidades estão em aberto. O nosso foco é em desenvolver tecnologia médica que tenha um papel importante na vida dos doentes. Essa é a nossa missão e motivação. Tudo o que vier no futuro, virá de forma natural.

“Há muitas empresas relevantes a aparecer a cada ano que passa”.

Globalmente, como avalia o que é feito em Portugal na sua área? Há talento?
A indústria dos dispositivos médicos em Portugal tem vindo a ter uma evolução muito grande nos últimos anos. Há muitas empresas relevantes a aparecer a cada ano que passa. O potencial é imenso e a tendência é continuar a evoluir. Queremos fazer parte desse movimento e mostrar o valor que Portugal tem.

Daqui a um ano, se voltássemos a falar o gostaria de me dizer?
Que o C-mo já obteve toda a aprovação regulamentar necessária, e que já se encontra no mercado de vento em popa!

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