Entrevista/ Wine XP, o site de reservas que quer dinamizar o enoturismo nacional

Entusiasta do potencial do setor do enoturismo nacional, Stephanie Seddon-Brown, fundadora da Wine XP, encontrou uma oportunidade de negócio na área e criou uma plataforma de reservas online que permite fazer marcações de visitas a quintas e provas de vinhos.
Ligar produtores de vinhos e adegas a clientes que querem ter uma experiência no domínio do enoturismo é a missão da Wine XP, uma plataforma online, portuguesa e especializada em reservas que proporciona a ligação entre estes dois universos. Através do site ou da app, a Wine XP reúne e disponibiliza informações de uma lista que já soma perto de 50 propriedades vitivinícolas e de enoturismo de Norte a Sul de Portugal, onde os apreciadores podem usufruir de vinhos, de mais de 250 castas, ou de experiências relacionadas com a atividade como vindima, gastronomia, passeios de charrete ou equestres ou cursos de vinho, entre muitas outras.
Com pouco mais de um ano de existência, a plataforma nasceu da iniciativa da belga Stephanie Seddon-Brown, residente em Portugal há quase duas décadas, e que, enquanto apreciadora de vinhos, encontrou uma lacuna e uma oportunidade de negócio neste setor. Em entrevista ao Link to Leaders fala dos objetivos que tem para o projeto – para o qual gostaria de encontrar um investidor-, e das potencialidades de crescimento que vê no enoturismo português. E cita um estudo da PWC que diz que o valor deste mercado ronda os 650 milhões de euros.
Afirmam-se como uma plataforma feita para apreciadores de vinho e de experiências relacionadas com este setor. Afinal, o que vos define?
Não somos necessariamente só para apreciadores de vinho. Basicamente a Wine XP é uma plataforma de reservas para visitar produtores de vinho. Isso significa que são quintas, herdades, caves – depende um pouco do produtor. E os clientes que compram podem ser apreciadores de vinhos, mas também podem ser simplesmente turistas que querem fazer uma atividade diferente do normal.
Querem ir por exemplo a uma quinta no campo e fazer um piquenique no meio das vinhas ou fazer um passeio a pé e depois ter uns petiscos com vinhos. Ou seja, não têm que ser especialistas ou apreciadores de vinho. Até temos clientes que não bebem. Há todo um conjunto de experiências e atividades à volta do vinho. Por exemplo, as experiências com a vindima. É mais a cultura do vinho e saber como é produzido e conhecer um pouco a história, a parte cultural também.
(…) pensei que seria útil se tivesse um site como o booking.com, mas para visitar os produtores”.
E como é que surge este projeto de reservas online para este setor? E porquê este setor?
Eu sou estrangeira e vivo em Portugal há quase 20 anos. Sou apreciadora de vinho e tenho o hobby de visitar produtores independentes nos países por onde vou passando. Quando cheguei a Portugal comecei a visitar alguns produtores, comecei a estar com alguns enólogos, a ter amigos no mundo do vinho e também comecei a fazer algumas viagens dentro do país. E vi que não era fácil encontrar as quintas, que não eram as Caves por exemplo que há em Gaia e no Porto.
Há imensas quintas e produtores pelo país todo, do Algarve ao Minho, que muitas pessoas não conhecem. E não era fácil encontrar a informação online. E uma vez encontrados alguns sites destas quintas, para reservar uma visita era muito complicado de agendar. Ou não faziam visitas, ou ligávamos e ninguém atendia ou mandava-se um email e ninguém respondia. E depois, passava uma semana, duas semanas e nunca recebíamos uma resposta e perdíamos as datas em que estávamos na região.
Então comecei a falar com outras pessoas que também disseram ter o mesmo problema. Temos tantas adegas e tantos produtores, e porque é tão complicado agendar uma visita? Foi quando pensei que seria útil se tivesse um site como o booking.com, mas para visitar os produtores. Que fosse um site e uma app. E nós temos os dois, em inglês e português. E em breve também vamos introduzir o espanhol e temos a intenção de introduzir o francês e se calhar outras línguas no futuro.
Fazem o site in-house ou têm alguma parceria?
Eu sou a única empregada full-time e temos muitas parcerias com freelancers a nível de conteúdos, programação, design…temos uma rede de parcerias que põe a máquina a funcionar. É tudo feito remotamente.
A pesquisa das quintas é feita por si?
Sim, muitas são feitos por mim. A ideia não é colocar qualquer quinta no site. Ou seja, fazemos visitas a todas as quintas que colocamos. Conhecemos a quinta, conhecemos a história, quem são os donos, quem é o enólogo, para termos uma ideia do estamos a divulgar. A nossa ideia não é colocar 200 quintas sem curadoria da nossa parte.
E essa é uma das coisas que nos distingue das outras plataformas que existem a nível internacional. Muitas têm 10 países, o que é ótimo, mas divulgam muitas quintas que nunca visitaram, que não conhecem. Fazem copy e paste da informação do site delas. E até já encontrei algumas quintas que nem sabiam que estavam em algumas plataformas. Mas pronto, é um approach diferente.
O nosso é focado só em Portugal e visitamos todas estas quintas. O que apresentamos no site são conteúdos fornecidos por elas, mas que nós escrevemos. Assim, quando o cliente está a reservar, sabe o que está a reservar. Quer seja uma quinta pequenina, familiar, ou uma quinta de um grupo maior. Sabe que tipo de experiência oferecem para que as expetativas não sejam defraudadas. O cliente sabe o que vai.
“As pequenas quintas estão a ver o enoturismo como um meio de poder comunicar a marca”.
Como é que as empresas mais pequenas, que não estão tão familiarizadas com estes processos de divulgação e comunicação, têm reagido à plataforma e à vossa aproximação?
Muito bem. O enoturismo tem crescido muito nos últimos dois, três anos. Agora temos a associação portuguesa de enoturismo [APENO] e muitas quintas são associadas. As pequenas quintas estão a ver o enoturismo como um meio de poder comunicar a marca. Há muitos que estão a perceber isto e estão a começar a investir nesta área.
Então têm sido muito recetivos quando nós comunicamos. E até há alguns que já contatamos há dois anos, quando estávamos a começar, que na altura disseram não e que agora voltaram e querem entrar na plataforma. Já tivemos esta situação com, pelo menos, 10 quintas. O que é bom. Agora temos tido muita procura e pesquisa na nossa plataforma e ainda nem conseguimos colocar todos.
E quantas quintas têm atualmente na vossa lista de ofertas?
Temos à volta de 40. E todas as semanas coloco mais. Vão entrando pouco a pouco porque também temos de preparar os conteúdos e as fotos para ficar um produto com boa qualidade.
Qual a área geográfica dominante na vossa oferta?
Neste momento são todas as regiões à volta do Lisboa. Há muitas quintas que estão a uma hora, hora e meia de Lisboa. O significa que há várias regiões, há Alentejo, Tejo, Setúbal, Lisboa. São estas regiões que têm mais quintas.
Agora estamos também a concentrar-nos em algumas do Algarve e já temos cinco. E estamos também a começar a ter algumas quintas no Douro. Já apresentamos também umas quatro ou cinco na Beira Interior… ou seja, pouco a pouco estamos a expandir para outras zonas do país.
Estamos a procurar quintas que achamos que são interessantes para o turista. Ou seja, não estamos a ir diretamente aos grandes porque sabemos que muitos deles têm muito bom marketing e não precisam de nós. Mas há alguns que estão a vir na nossa direção e, por exemplo, já temos a João Portugal Ramos na plataforma. E em breve vou começar a meter na plataforma duas ou três quintas do Grupo Symington.
Então, os grandes também estão a vir na nossa direção e não dizemos que não, mas tentamos destacar as pequenas quintas familiares, menos conhecidas, e que mesmo os portugueses não conhecem. É muito interessante ir lá e ver que algumas têm galerias de arte, ou que têm um restaurante fabuloso, ou umas experiências que nunca tiveram a possibilidade de divulgar. Há realmente propriedades muito bonitas.
E qual é o vosso tipo de público? Português, internacional…
Temos diferentes públicos. Ou seja, temos casais, grupos de amigos que querem fazer uma visita e depois almoçar e ter uma atividade. Temos também algumas famílias, por exemplo para experiências durante a vindima. Temos bastantes jovens que também vêm com os pais. E algumas quintas também têm, por exemplo, algumas atividades para crianças. Em vez de fazerem prova de vinhos, fizeram uma prova de sumos. Fazem o mesmo processo que a prova de vinhos, mas para adivinhar quais as frutas e os legumes que estão no smoothie.
A nível de nacionalidades, acho que é muito cedo para dizer, porque só estamos online há um ano. Até agora fizemos muito marketing dentro do país, então temos muitos portugueses, que gostam especialmente de comprar presentes, vouchers para o aniversário de alguém, para o Natal, para um amigo…Mas também temos turistas estrangeiros.
Vão promover a plataforma lá fora ou não?
Começamos este ano a fazer mais promoção lá fora. Nos mercados típicos, temos turistas dos Estados Unidos, Canadá, Brasil, são os três grandes fora da União Europeia. Dentro da Europa temos Bélgica, Reino Unido, Alemanha e Suécia.
E o vosso modelo de negócio, como é que funciona?
Os nossos preços são iguais aos preços das adegas. Ou seja, se quiser reservar uma experiência, por exemplo, uma visita e uma prova que custa 25 euros na quinta, nós também temos a 25 euros no site. E tentamos sempre fazer isso para todas as quintas. Claro que temos um acordo com a quinta que nos vende mais barato, e temos assim uma ligeira percentagem. E é assim que ganhamos. A margem é muito pequena e por isso temos que ter muito volume. E é isso que estamos a tentar fazer, crescer em volume, tentar o máximo possível fazer a divulgação e a promoção da nossa marca. Somos novos no mercado e estamos a crescer.
“Acreditamos que o enoturismo está a crescer neste país, a subir mais e mais”.
Ao fim de um ano da plataforma, qual o balanço que faz do projeto?
Temos que ter muito mais volume. Muito mais. Estamos a tentar, mas ainda não estamos a ter tanto como queremos. Mas é normal, não só porque é uma plataforma nova, mas também porque temos de investir mais na parte da divulgação. O que não é fácil. O marketing digital avançado é caro.
Acreditamos que o enoturismo está a crescer neste país, a subir mais e mais. A Itália agora é o líder e acho que vamos chegar lá, mas ainda temos um caminho a percorrer.
E os produtores portugueses já estão a saber aproveitar as possibilidades desta área de atividade e o facto de termos um turismo interessado?
Acho que temos muita boa oferta ao nível das quintas que são bonitas, da qualidade dos vinhos e daquilo que oferecemos à volta dos vinhos. A parte histórica, cultural, gastronomia, música, ou seja, a parte que envolve toda a experiência é muito boa. Temos muito potencial no país. Agora, há algumas quintas que estão melhores, que já evoluíram mais que outras. Mas acho que estamos todos a ir na boa direção. Só que algumas, por falta de pessoal, de dinheiro ou outras razões estão a demorar um pouquinho a mais.
Uma das coisas que tentamos dizer-lhes é que as quintas têm que estar abertas no fim de semana. Não podem funcionar só de segunda a sexta se querem turistas. Tudo bem que os turistas estrangeiros podem estar de férias e fazerem visitas durante a semana, mas alguém que viva aqui, seja estrangeiro ou não, normalmente é nos fins da semana que pode ir. Então, se está fechada não dá.
Mas pouco a pouco isto está a mudar. A Associação Portuguesa de Enoturismo também está a fazer um esforço grande nesse sentido, e há vários consultores na área de enoturismo que estão a dar formação e tentar ajudar nisto. Por exemplo, a Madalena Vidigal também ajuda a fazer formação nesta área e isso é uma das coisas que ela comunica, o tentarem ter horários mais alargados nos fins de semana, tentarem que o pessoal saiba línguas. É o mínimo para conseguirmos dar um bom produto e uma boa qualidade a todas as pessoas. Mas o setor está a crescer e tem muito potencial.
Há um estudo da PwC que diz que o valor do mercado de enoturismo em Portugal é à volta de 650 milhões de euros. Esta é um pouco a estimativa.
Já conseguiram investidor para a plataforma?
Não. Estamos a procurar investidores e business angels neste momento porque queremos começar a ter algumas vendas e também mostrar que já temos 40 a 50 quintas a colaborar connosco. Até agora o investimento tem sido pessoal.
“(…) acho que este país ainda não está muito preparado para as pequenas empresas”.
Enquanto empreendedora, quais as principais dificuldades que tem sentido ao longo deste ano para pôr o projeto em pé?
Estamos a tentar encontrar uma empresa para nos ajudar a fazer candidaturas para financiamentos, porque a burocracia é grande. Outra coisa é que quase todos os financiamentos só dão uma parte, a outra parte tem de se pedir ao banco ou ter um financiamento próprio.
Eu acho muito difícil para os empreendedores pequenos ter este dinheiro, é quase impossível. E se amanhã você tem um empréstimo bancário, significa que no próximo mês começa a pagar mensalidades. E tem que ter entrada de vendas suficientes para poder pagar. E ao princípio, as empresas pequenas não têm entradas suficientes. Ou seja, é muito difícil. Tenho visto por exemplo que em Inglaterra, as candidaturas para financiamento recebem 100%, têm bolsas… Aqui não tenho visto isso.
Eu diria que a maior dificuldade é o financiamento, encontrar investidores. E no princípio os investidores querem muitas vendas, mas se você não tem dinheiro para investir em marketing digital, não consegue vendas. É um ciclo vicioso. Se você não consegue, pelo menos, ter mil euros por mês em publicidade no Instagram, Facebook, Blogs, todas estas coisas, ninguém conhece a sua marca. Mas depois o investidor não quer investir, porque você ainda não tem suficiente vendas.
E depois, há burocracias… acho que este país ainda não está muito preparado para as pequenas empresas. Querem manter as mesmas regras nas pequenas empresas que existem para as médias e grandes. E não tem sentido. É mil e uma coisa, duzentos euros para coisa, trezentos para outra e um pequeno empreendedor não tem este tipo de dinheiro. Não é uma multinacional. E tenho visto mais e mais start-ups a sairem de Portugal.
Estou em muitos grupos de fundadores de empresas e também de estrangeiros que vieram para cá, porque havia muito marketing a nível do governo para tentar atrair empresas para Portugal. O que acho bem, mas depois há que ter todo um framework legal que seja menos pesado a nível de burocracia, para que essas empresas possam vir para cá.
A sua formação é dentro desta área ou não?
Nada, nada. A minha formação é na área do meio ambiente, biologia marinha. Então, claro que tenho interesse por toda a parte da sustentabilidade, também na parte das adegas, da produção do vinho, do uso da água. Ver como fazem o vinho e tentar ao máximo possível ter uma economia circular dentro das adegas. A nível do turismo, fiz bastantes viagens desde a pequena. Já vivi em 17 países, vi muito turismo e também tive a oportunidade de visitar muitos produtores. Por exemplo, na África do Sul, em França, na Califórnia, em Itália… e isso também me ajudou a ver o enoturismo que existe noutros países. Nomeadamente, na África do Sul, que para mim é o modelo que nós em Portugal devíamos ter porque é fantástico.
A Califórnia também é muito bom, mas já está um pouco mais massificado. A África do Sul ainda mantém a autenticidade e a parte cultural e histórica que acho que nós também devíamos tentar manter. E conseguir ter estas experiências personalizadas com grupos pequenos para que o cliente realmente tenha uma boa experiência. E vemos cada vez mais que os turistas procuram isto. Procuram estar num grupo de seis ou oito pessoas, não num grupo de 40 pessoas.
O que é que levou a escolher Portugal no meio dessa experiência tão vasta que teve?
Eu vim para cá por causa de um outro trabalho. Eu estava na área da segurança marítima. E como o meu irmão também tem interesses em Portugal e em empreendedorismo, começamos a pensar num negócio. Como eu tinha este gosto para visitar quintas, vi uma lacuna no mercado, uma oportunidade de negócio não só para tentar ajudar os estrangeiros, mas também o mercado local. Porque no mercado nacional muitas pessoas não conhecem os produtores e também gostariam de ter uma ferramenta para elas. Não só agências de viagem de luxo que os estrangeiros podem pagar, mas não os portugueses.
No nosso site temos experiências a 10, 15, 20 euros, adaptadas ao bolso de todos, dos portugueses e dos turistas também. Tanto para quem tem dinheiro para gastar como para o turista que tem menos. E acho que é isso que temos que oferecer, temos que oferecer para todos. E oferecemos diferentes experiências que são bastante enriquecedoras.
O que é que espera para os próximos anos dentro desta área? Conhecendo a atividade no dia a dia, o que será o futuro deste setor?
Eu espero melhor profissionalismo. Acho que o setor vai crescer mais e mais, vamos nesta direção, e estamos a melhorar a oferta de turismo no país. Então, o meu desejo é que isto continue na boa direção. E estou convencida que nós, ao nível da Wine XP, vamos crescer também. Acho que há procura e oferta, tanto a nível nacional como internacional. E é só conseguir fazer chegar estas ofertas turísticas ao cliente, seja um português, ou um turista internacional. Estou muito convencida que há futuro nesta área, temos um bom produto que só vai crescer. Acho que temos muitas possibilidades para vender isto aos turistas.
Perguntas rápidas
Maior risco: Sair de um trabalho com um salário fixo para um que não sabia como ia ser ao nível de entradas no dinheiro. Este definitivamente foi o maior risco.
Maior erro: Se calhar pensar que isto ia crescer mais rápido, muito mais rápido. Muitas empresas nesta área também estão a demorar 4 ou 5 anos antes de começar realmente ter investimento suficiente para pagar os gastos, para começar a ter lucro. Se calhar foi isso, ser naif em pensar que ia crescer mais rápido.
Maior lição: Não sei se é exatamente uma lição, mas está ligado a dificuldades. A dificuldade de ser empregador e de conseguir manter também as pessoas com quem trabalhamos. Ter um turnover de pessoas não é fácil. Porque depois temos que reensinar outra vez.
Maior conquista: Definitivamente, o facto de há dois anos algumas quintas dizerem que não estavam interessados e agora muitas estarem a aderir e algumas com grande nome. E isso é bom sinal, significa que estamos a fazer alguma coisa melhor. Para mim, isto é desafiante.