Embora ninguém duvide da relevância da informação financeira das empresas, nomeadamente no que se refere aos lucros por estas alcançados, são também felizmente cada vez mais aqueles que compreendem a crescente importância de se evidenciar como foram (ou não) obtidos esses lucros.

Na verdade, um lucro obtido à custa de um forte passivo social (por exemplo, exploração de trabalho infantil ou tráfico humano, para mencionar exemplos que, sendo dos mais graves, ainda estão lamentavelmente presentes na cadeia de fornecimento de diversas empresas tidas como muito prósperas) não é, não pode ser, “igual” a um lucro obtido com escrupuloso respeito pelos direitos sociais e humanos de todos os stakeholders envolvidos na cadeia de valor da empresa em causa.

Da mesma forma, um expressivo lucro tornado possível apenas graças a um considerável passivo ambiental (tantas vezes irreversível) ou a más práticas em termos de governança (que continuam a ser notícia, como o caso da recente e estrondosa queda da “estrela das fintechs” Wirecard), não pode ter o mesmo valor do que um lucro, porventura de montante até inferior, mas atingido com minimização do impacto ambiental da empresa e com adoção de práticas irrepreensíveis em termos de governança.

Se, pelo menos desde a crise financeira simbolicamente iniciada com a falência do Lehman Brothers em setembro de 2008 (que, além de uma crise financeira, foi também, ou sobretudo, uma crise de valores), existe uma consciência aguda de que uma abordagem focada somente no lucro, sem valoração da forma como esse lucro foi atingido, pouco nos diz sobre a sustentabilidade e prosperidade das empresas, a verdade é que não se tem revelado fácil obter informação “não financeira” fiável, transparente, completa e, sobretudo, comparável.

É neste contexto que é de louvar a recente iniciativa da CMVM, que submeteu a consulta pública um projeto de modelo de relatório de informação não financeira, o qual, apesar de não ser de adoção obrigatória, tem a inegável virtualidade de tornar comparável, e mais fiável, a informação “não financeira” que as empresas divulgam sobre os seus impactos ambientais, sociais e de governança (ESG, na sigla inglesa – Environmental, Social and Governance).

Fazendo jus à “promessa” de contribuir ativamente para o aprofundamento dos temas relacionados com as finanças sustentáveis – que a CMVM corajosamente colocou na agenda nacional em 2018 – o regulador do mercado de capitais assume mais uma vez um papel relevante e presta um efetivo serviço ao nosso País, ao propor um modelo de relatório que, apesar de não vinculativo, reforça a confiança dos diversos stakeholders, por facilitar o acesso a informação essencial, veiculada de modo uniforme e comparável.

É certo que, por ora, são poucas as empresas legalmente vinculadas a divulgar informação não financeira (apenas as grandes empresas com mais de 500 trabalhadores que sejam qualificadas como “entidades de interesse público”, ou seja, essencialmente as empresas cotadas e os bancos e seguradoras de grande dimensão). Mas é também certo que estas empresas, pela sua relevância, modelam formas de reporte, pelo que há motivos para acreditar que o relatório proposto pela CMVM será progressivamente adotado por outras empresas, determinadas em adotar as melhores práticas em matéria de divulgação de informação não financeira. Se, como se espera, isso suceder, o modelo de relatório ora proposto pela CMVM poderá representar um passo fundamental rumo a um mercado cada vez mais consciente da incontornável relevância que os impactos ambientais, sociais e de governança das empresas inexoravelmente produzirão no nosso futuro comum.

É por isso com grande sentido de responsabilidade que o GRACE participará na consulta pública lançado pela CMVM, desejando que a mesma tenha a ampla participação que merece!

*Presidente do GRACE em representação da Vieira de Almeida & Associados – Sociedade de Advogados

Comentários

Sobre o autor

Avatar

Margarida Couto é licenciada em Direito e pós-graduada em Estudos Europeus, pela Faculdade de Direito da Universidade Católica de Lisboa. Integra a Sociedade de Advogados Vieira de Almeida & Associados (VdA) desde 1988, sendo a sócia que lidera a área... Ler Mais